sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Poder e Dor

Como não me senti satisfeito com o resultado da resenha resolvi retomar um tema de Weak Hero Class 1 que me marcou profundamente e que por isso merece uma atenção especial e uma análise um pouco mais meticulosa, dentro dos limites da minha expressão. 

O personagem Oh Beom Seok (interpretado pelo fofo Hong Kyung) é o grande ponto de virada da temporada. Ele é apresentado como um jovem que precisou mudar de escola no meio do período, tímido e assustado por conta de experiências que são mostradas ao longo da série. Logo de cara ele é abordado por um valentão que já o intimida e o faz prejudicar o outro protagonista durante uma prova, gerando o ponto de ignição pra trama. 

Seu contato com Yeon Shi Eu (Park Ji Hoon) e com Ahn Soo Ho (Choi Hyun Wook) é tenso. Por um lado o primeiro sabe que ele foi manipulado e acaba dando uma surra só nos outros rapazes, mas ele ainda fica assustado por se ver tão impotente nessa situação. Quanto a Soo Ho ele o procura quando descobre que Shi Eu vai ser atacado por um grupo grande demais para se defender sozinho, ele vence a timidez e convence o outro a ajudar. Daí em diante eles passam a andar juntos, numa amizade interessante entre três rapazes excluídos mas muito diferentes. E é claro que uma coisa fica evidente: os outros dois podem muito bem se defender sozinhos e ele não, ele pode facilmente voltar a ser alvo se não fosse pela companhia dos outros dois. 

Quando ele é obrigado a confrontar o passado doloroso da outra escola ao reencontrar os antigos agressores e também sem saber lidar com os sentimentos que têm por Soo Ho e nem com a adição de uma garota que passa a andar com eles depois da primeira metade da obra ele começa a perder então o frágil controle da situação. Ele percebe a fragilidade da sua condição e se sente inseguro quanto ao que ele significa para os outros dois amigos. Esse medo crescente se soma as constantes violências que ele sofre em casa de seu pai adotivo, que só o adotou para posar como pai de uma família perfeita na sua carreira política, o que é muito prezado na política coreana onde todos devem ser uma nova mulher de César.

Essa insegurança o faz desejar mais poder para se defender. Shi Eu pode não ser forte fisicamente mas é inteligente o bastante para conseguir lutar, enquanto Soo Ho é uma máquina de lutar. Ele não é forte e nem inteligente para se defender sozinho. E é quando, chateado pela intervenção da garota na amizade deles, ele acaba se juntando justamente ao primeiro grupo de valentões que mexeram com ele na nova escola e descobre a influência de um novo poder: o dinheiro.

Esse é um princípio importante em ciência política que muitas vezes não é levado em conta: as diversas formas de poder. No português temos a facilidade de poder ser verbo e substantivo, o que nos deixa a definição de que poder é poder fazer alguma coisa. Beom Seok não tinha poder físico como seus amigos, e não podia se defender sozinho e muito menos se vingar sozinho, mas ele tinha dinheiro e, ao comprar os novos amigos com roupas e bebidas ele conseguiu se tornar parte de um grupo maior e que também tinha poder físico para protegê-lo.

Assim ele pôde experimentar uma sensação nova: a de ter o controle da situação pela primeira vez e assim dar vazão a toda a angústia que ele vinha aguentando todo esse tempo. Talvez aqui sirva a máxima de que o sonho do oprimido é ser opressor, embora eu não goste de máximas assim acho que foi, em parte, a mensagem passada. 

Depois de se vingar dos antigos agressores ele volta seu interesse para Soo Ho, ainda ferido pelos sentimentos confusos em relação ao amigo e da relação dele com a garota ele se torna ainda mais violento e inconsequente, ao passo que mergulha ainda mais numa melancólica e apática existência que tem como único foco conseguir retomar a atenção do outro, ainda que pela dor, que é a única linguagem que ele conheceu. 

E então se desenrola o grande arco da queda, onde ele recorre ao artifício baixo de contratar um profissional para machucar o antigo amigo num plano ousado que, ao cabo, terminou numa tragédia que o fez cair em si do peso de seus atos movidos pela vontade de poder e de vingança. Ele percebeu que desceu ainda mais e já não tinha nem sequer um motivo para existir. Ao fim da série ele só consegue perguntar como está o amigo e nada mais diz e nem importa, se entregando para ser machucado por Shi Eu, que não consegue por ainda vê-lo como um amigo mesmo tendo violentamente acabado com todos os envolvidos, numa cena tocante e brutal. Ao fim ele vai embora chorando, numa cena que mostra como ele se quebrou nessa história e como sua personalidade se perdeu depois de tanta dor e de ter se tornado aquilo que um dia tanto o machucou e que, ainda assim, só encontrou mais dor e o desespero de quase ter matado uma pessoa valiosa para ele. 

Uma imagem que me vem a mente é a do mito de Ícaro que, ao voar perto demais do sol, acaba caindo e morrendo. Assim como no mito Beom Seok se corrompeu pela sensação de poder e superioridade, o sol seria ser reconhecido por Soo Ho pro sua força, o problema é que ele era reconhecido pelo amigo, só não se deu conta disso, e como o amigo aparentemente preferiu outra pessoa, passando os braços ao redor dela como fazia com ele, ele tentou outra forma de provar essa força e assim acabou caindo e se machucando ainda mais. 

Achei uma abordagem psicologicamente brutal, e as expressões do personagens foram mudando tanto ao longo da temporada que eu terminei absorto no olhar dolorido dele. Aliás os olhares dos três protagonistas são um grande destaque na obra. Soo Ho é leve e descontraído, e embora tenha que trabalhar muito pra se manter ele está sempre de bom humor, gostando de beber e comer o tempo todo, quando não está dormindo. Shi Eu é apático e tem os olhos frios e vazios o tempo todo, e ao longo da série vemos eles se iluminando com a convivência dos amigos e especialmente da proximidade de Soo Ho e, depois, se enche de tristeza ao ver a dor pela qual eles estão passando, mas ainda é uma vitória porque olhos doloridos não são mais olhos vazios. E por fim Beom Seok que começa assustado e depois se torna completamente alucinado e cego de vingança, depois de passar por um breve período de tranquilidade onde também se iluminou. Por fim é ele que termina com os olhos vazios e num silêncio melancólico, completamente destruído. 

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