quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Uma cena real

Quase todos os dias eu encontro o mesmo cara no ônibus, indo do terminal central em direção a um dos bairros dessa região da cidade. Ele tem todas as características masculinas básicas, e esteticamente admiráveis. Cabelo curto penteado como um modelo, sempre bem feito pra essa hora da manhã, inclusive aos sábados, e a cerviz dura, sério, não sei dizer se por cansaço ou se por ser assim mesmo. Pele clara e olhos fundos, como quem trabalha muito e dorme pouco, e parece que seu pensamento vaga mas não muito distante, apenas como quem se concentra no que precisa fazer e não tem sonhos muito mais longínquos. Se veste de um jeito simples, quase sempre com uma blusa polo básica de cor escura, o que eu não considero muito original mas nele fica muito bem, e uma calça jeans preta bem justa ao corpo. Bonito. Tem algo, no entanto, que me atrai nele e eu não consigo explicar o que é, algo que me faz ficar olhando para ele fixamente até que eu perceba e me vire para outro lado, mesmo sabendo que em poucos minutos eu estarei olhando para ele de novo. Algo como a altivez ou a simplicidade da sua figura que lhe dá um ar nobre.

E então no meu celular pululam vídeos de cenas românticas entre rapazes, a maioria deles vivendo o primeiro amor, e aparecem momentos como aquele sorriso bobo de quem pensa no objeto de seu amor quando está apaixonado ou então no clássico momento em que eles dividem a mesma cama, entre a amizade recém criada e a tensão dos sentimentos que se confundem. Mas eu e o menino do ônibus, ou qualquer outro, não vivemos e nem viveremos cenas assim, porque as coisas não são desse jeito e aqui, no mundo real, não há filtros nas filmagens e nem uma equipe de maquiadores atrás das câmeras para garantir a uniformidade da pele até mesmo nas cenas da manhã ou depois de fazerem amor, e na vida real também esses sentimentos nunca passam do sentimento a realidade, apenas vão se aglutinando ou transformando e o máximo que se consegue é uma noite de sexo num aplicativo, e muitas vezes apenas um dos dois aproveita realmente, ambos sem muita expectativa para aquele momento, sem o fluxo de eletricidade que percorre o corpo partindo do coração e terminando nos dedos que se entrelaçam ou naquele toque tímido às costas do outro, temendo por ser rejeitado, que termina num abraço carinhoso antes de ambos adormecerem. 

Na vida real a pele é oleosa, o momento antes do sexo só tem ansiedade e depois apenas a decepção. Não há essa eletricidade que percorre o corpo, apenas uma intensa vontade que nunca é saciada. O romantismo dá lugar apenas as obscenidades ditas durante naquele momento, e a intimidade é puramente virtual, não há nada além de uma relativa proximidade dos corpos, até essa mediada por uma capa de borracha. 

E ao mesmo tempo continuo vendo a beleza das idealizações, já que esta vida é tão crua e tão brutalmente sensual que o amor desapareceu só o que posso fazer é me deixar sonhar com esses momentos, partindo então dessas belas imagens que as histórias me oferecem. Sei que mais uma vez torno a tocar num assunto que já me é rotineiro e quiçá cansativo mas, ao mesmo tempo, como a manhã no meu peito esse sentimento se renova e a beleza e ternura das peles delicadas barbaramente me atacam.

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