domingo, 28 de junho de 2020

O pior de tudo

O pior de tudo é fingir que tudo está bem, o pior de tudo é ter que sorrir e brincar quando na verdade tudo o que eu mais queria era fugir, me esconder de tudo e de todos, até de mim mesmo se possível. O pior é ter que viver quando se tem, na perspectiva do fim, a única centelha de esperança de que tudo isso possa um dia acabar. 

Mas enquanto não acaba eu sou obrigado, a contemplar com proximidade, o meu próprio fracasso, dia após dia, sem nunca conseguir o sucesso, sem que nada dê certo. Cada dia vendo tudo desmoronar, sem poder fazer nada para mudar isso. Cada dia vento tudo voltar ao nada. Cada dia que eu não sou nada, e nada mais do que isso!

Uma vida profissional e intelectual fracassada, uma vida de santidade inexistente, uma família em frangalhos. E a cada dia eu sou obrigado a abrir um sorriso e viver como se estivéssemos no ápice de nossas vidas, como se tudo estivesse bem. Mas não está, nada está bom. Tudo está, como disse, desmoronando e virando pó diante do meus olhos. O jardim se torna deserto. Já não há mais sombra fresca, só o ardor de um sol causticante que parece ferver minha mente e queimar a minh'alma em pecado e ódio, como num oceano de lava. 

Eu só queria conseguir fazer o que me proponho com o mínimo de dignidade, só queria que meu esforço valesse de alguma coisa, mas quanto mais me esforço mais vejo o quão limitado eu sou, e mais continuo a errar, sem nuca conseguir algo satisfatório. Eu não busco a perfeição, não sou idealista a esse ponto, e também não concordo em dizer que sou pessimista, eu sou um realista, e a realidade é que sou patético, incapaz e extremamente limitado. 

A realidade é que eu sei que tudo está desmoronando, porque esse é o destino de todas as coisas, de todas as pessoas. O decaimento é o futuro comum à todos nós. 

A realidade é que eu não aguento mais. 

É isso. 

EU. 

NÃO. 

AGUENTO. 

MAIS. 

Mas eu preciso aguentar, eu não posso surtar agora, tem um monte de coisas que eu preciso fazer, pessoas que eu preciso ajudar, minha própria mãe que eu preciso reerguer, mas eu não aguento. E eu não posso chorar, porque se eu chorar vão pensar que eu sou só uma criança frágil e idiota. E eu não quero que pensem isso de mim. Mas eu não aguento. 

Eu sou fraco, frágil e estúpido demais para conseguir fazer qualquer uma dessas coisas, e esse peso há muito se tornou mais do que eu posso carregar. A minha própria mente é mais do que eu posso carregar. 

Eu já não consigo mais ler, assistir séries ou filmes e nem conversar sem pensar em tudo que está e que pode vir a dar errado. Eu não consigo acreditar mais no dia seguinte, senão que sempre temo e espero pelo pior, pois sempre que me iludo, por um instante que seja, que as coisas estão bem ou que começarão a encaminhar-se, tudo se esvai ante meus olhos. Meus sonhos se desfazem como miragens, com areia por entre meus dedos. 

E estou, acima de tudo, cansado. Cansado de ver minha mãe sofrer e não poder fazer nada. Cansado de me esforçar e sempre fracassar em tudo o que faço. Cansado de me apaixonar. Cansado de acreditar no outro e ser decepcionado. Cansado de me deixar ser iludido por sorrisos, por mensagens e por promessas. Cansado dessa existência miserável que só me oferece tristezas, decepções e o desprezo de todos. 

O pior de tudo é fingir que tudo está bem, o pior de tudo é ter que sorrir e brincar quando na verdade tudo o que eu mais queria era fugir, me esconder de tudo e de todos, até de mim mesmo se possível. O pior é ter que viver quando se tem, na perspectiva do fim, a única centelha de esperança de que tudo isso possa um dia acabar. 

sábado, 27 de junho de 2020

Do fim


Dias atrás eu fiz o, famoso, exercício do necrológio, que consiste em escrever o próprio do ponto de vista imparcial como seria publicado nos jornais de antigamente, quando a prática era ainda comum. Trata-se de traçar um panorama geral do que se tem por objetivo de vida, alguns dos sonhos e aspirações mais elevadas, nada do tipo utópico ou irreal, mas um exercício intelectual de verdade onde busca- se saber, mais ou menos, onde queremos chegar. 

No entanto, dias depois, eu fui tomado por uma súbita onde de desilusão, e eu percebi que é bem capaz que meu futuro seja um tanto quanto diferente. Não me vejo tendo grandes realizações, ainda que alguns insistam em dizer que admiram minha inteligência. Não vejo como isso pode me levar a algum lugar pois, apesar dela, também há algo em mim que sempre me puxa para baixo, que sempre sussurra que não vale a pena ou que eu não sou capaz. E então eu olho para onde estou atualmente, depois de tantos anos de estudo, tantos livros, tantas aulas, e me encontro não muito diferente do que era quando comecei a me preocupar com os estudos. Claro, sei algo mais do que sabia antes mas, do ponto de vista social, continuo estagnado. 

Isso me faz pensar nas palavras de Cartola, que já mencionei aqui algumas vezes: "O mundo é um moinho, vai triturar seus sonhos, tão mesquinho. Vai reduzir as ilusões a pó." E o quanto essas palavras ecoaram em mim é assustador. 

Observo como o destino sempre nos oferece uma fagulha de esperança, capaz de nos aquecer o coração e iluminar aquela escuridão em que vivemos, para logo depois nos tirar com violência, deixando-nos no chão, sozinhos e sem nenhuma esperança, apenas para reerguer a cabeça e sermos enganados novamente. Por isso não vejo como possa valer a pena lutar nessa vida. Subir, crescer, como dizem, é para poucos que conseguem ignorar esse fato e encarar uma alucinada tentativa de alpinismo social. 

Lutar pelo amor, por amizades fiéis e duradouras é um conceito contraditório em si mesmo. No fim, tudo o que fazemos é tentar preencher o maldito vazio do nosso coração com a presença de um outro alguém para, no fim, perceber que é impossível, e que o buraco aumenta cada vez mais, consumindo cada fibra do ser, cada gota refinada de agonia causada pelo horror da desesperança, que é impossível ser feliz aqui. Também buscamos refúgio em tantas outras prisões e alucinações, conquistas pequenas, álcool ou drogas, qualquer coisa que seja capaz de nos deixar num plano suspenso de consciência por alguns breves instantes serve para aliviar um pouco a dor dessa doença até a morte. 

Infelizmente nos damos conta disso tarde demais. Alguns sequer percebem durante toda a vida. Mas outros o sentem num peso, a cair por sobre as costas que nos faz curvar, em absoluta desesperança. Daí o homem perde seu entusiamos, começando a morrer pouco a pouco. 

O fim que vislumbro é, desse modo, algo triste e, ao mesmo tempo, libertador. Triste porque terminamos sozinhos, mergulhados em vícios, sem nunca ter conhecido o amor, sem nunca ter me encaixado, vivendo em busca de um não sei quê que nunca achei. É triste porque deve acabar num mergulho profundo em vícios e doenças, em uma mistura de ostracismo, infelicidade e autopiedade, até que algum vizinho próximo sinta o cheiro podre do cadáver em decomposição. 

Sonhar é, na melhor da hipóteses, perda de tempo. Na maior parte das vezes é um perigo horrendo, pois nos enche de esperança, que mais tarde será despedaçada pelo martelo impiedoso do destino. 

No fim das contas o fim é só isso: o fim. E tudo retorna ao nada. 

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Canção de Outono

Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.
De que serviu tecer flores
pelas areias do chão
se havia gente dormindo
sobre o próprio coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando aqueles
que não se levantarão...

Tu és folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
E vou por este caminho,
certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...

(Cecília Meireles)

terça-feira, 23 de junho de 2020

Abrigo


Existem percepções fugazes, que vem e vão num piscar de olhos ou menos. A duração dessas, no entanto, não dita a profundidade com que elas se marcam em nosso peito. 

Era só mais uma reunião comum, brincadeiras, sorrisos, abraços. Eu usava meu pijama cinza, fazia bastante frio lá fora, e por vezes uma lufada de ar gelado entrava pela pequena abertura da janela e nos fazia arrepiar. 

Embora aquele fosse um momento como tanto outros, eu não me sentia ali. Estava preocupado com outras coisas. O que fazer com aquele amigo que há muito não me responde? Como melhorar para cantar na missa do fim de semana? Como lidar com os sentimentos confusos que habitam dentro de mim? 

Eu levanto o meu olhar e vejo alguém cujo coração eu desejo conquistar, mas ao mesmo tempo o olhar dele passa por sobre mim e pousa noutra pessoa. E então eu olho ao meu redor, e constato o peso da minha presença, naquele meio, nessa casa. 

Neste instante me vem a mente a frase do Príncipe Desconhecido, da ópera Turandot "Não há exílio para nós nesse mundo." E é com a mesma tristeza na voz que ele o diz que eu o constato, e essa constatação mais uma vez me corta como aço frio. Me sinto não só frágil e incapaz de mudar essa situação como absolutamente dispensável, como se minha presença fosse tão ou menos importante que a das formigas que carregam as gotinhas de caldo de feijão que deixamos cair no chão, na avidez de nos aquecer na noite fria. 

Não há lugar no mundo para mim. Não me encaixo em nenhum lugar e nunca encontrarei ninguém com quem me sinta tão à vontade a ponto de crer que vivemos no mesmo mundo. Não, o mundo em que habito é apenas meu, e é distante demais de todas as estrelas, de todas as galáxias. Aqui só o há o eco infinito de meus próprios gemidos. 

E eu digo que amanhã tudo será melhor, que depois de dormir tudo vai passar. Mas eu não só não consigo dormir como nada melhora na manhã seguinte. Sempre olho a luz do sol entrando pelo vão das cortinas e penso que é um novo dia, o início de um novo dia terrível. Todo dia é terrível. Todo dia eu sinto como se não me encaixasse nem mesmo entre os lençóis de minha cama, todo dia eu sinto como se vagasse sem destino, por um imenso deserto, sem ter onde me abrigar. 

Não há lugar no mundo para mim, pois só há lugar para aqueles que tem um propósito na vida, para aqueles cuja existência faz algum sentido. O que não é meu caso. 

Só enxergo o caos. Sem sentido, sem razão. Sem abrigo. Apenas a esperar um não sei quê que possa me mudar, que possa me dar aquilo que busco mesmo sem saber o que é, sem saber se ao menos existe abrigo para mim, em alguém ou alguém lugar profundamente enterrado pelo oceano de areia desse deserto que tornou-se meu coração. 

"Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
pra me fazer aquietar o espírito
e que o seu silêncio me fale cada vez mais
pois metade de mim é abrigo
a outra metade é cansaço."

(Oswaldo Montenegro)

domingo, 21 de junho de 2020

Antes do recomeço

É uma bela tarde, embora seja o início do inverno faz um pouco de calor, e a luz do sol que entra pela janela toca as minhas pernas, aquecendo mais do que o esperado. O ventilador lança um frescor no ar, que faz as cortinas verdes balançarem levemente. 

Todos estão quietos em casa. Minha amiga dorme no quarto ao lado e, no outro, meus pais conversam enquanto dobram as roupas que acabaram de tirar do varal. Meu quarto está com as portas fechadas desde cedo. No meu player as notas brilhantes da polifonia colorida da musica indiana. Meus vizinhos comemoram o aniversário da matriarca, em plena pandemia. Não os julgo, ainda ontem eu também saí para me encontrar com desconhecidos sem nenhuma boa razão além da quem que simplesmente queria. 

Terminei há pouco um romance, texto leve, embora escrito em português já não muito utilizado, dado que o autor é do século XIX, mas ainda assim leitura leve, um pouco boba até. A casa parece estar em paz, é um domingo tranquilo. A sala vazia e as portas fechadas, o que é uma raridade por essas bandas, e um sono pairando pelo ar. Parece que depois do almoço todos se recolheram para dentro de si. Domingo é dia de olhar o interior, ficar um pouco em silêncio, elevar ao céu uma prece, ou simplesmente espreguiçar-se enquanto as horas passam antes do recomeço da semana. 

Insensivelmente

"A única coisa que nos consola das nossas misérias é o divertimento, 
e contudo é a maior das nossas misérias." 
(Blaise Pascal)

Uma vez mais eu inicio uma reflexão com essa citação de Pascal que, resumidamente mas com uma eficácia poderosíssima, resume aquilo que preciso de numerosos parágrafos para descrever. 

Estou nesse momento sentado em meu escritório, ouvindo o vento frio bater com força nas janelas atrás de mim e entrar pelas frestas, deixando o ambiente com uma aura sombria, quase espectral, muito embora ainda sejam as primeiras horas dessa manhã fresca de um domingo pouco iluminado. 

Corpo dolorido depois de uma noite sem dormir direito, bebendo bastante com desconhecidos. Isso na tentativa, tanto falha quanto risível, de suprimir de algum modo aquela carência, aquele sentimento de que alguém ao meu lado poderia me fazer sentir bem, poderia me sentir menos vazio. 

Para tanto me lancei então nessa empreitada, apenas para amanhecer não só decepcionado como profundamente consternado por perceber que, na verdade, o meu destino não deve ser o de me sentir completo, tampouco de ter alguém ao meu lado. Parece que isso nunca dará certo para mim. 

O resultado foi uma noite de bebedeira, conversas supérfluas e uma foda sem a menor graça. No fim, deitei com o único pensamento de que teria tido proveito maior se tivesse ficado em casa vendo filmes e comendo brigadeiro, enrolado no sofá com meias e cobertor. 

Mas a carência, essa filha maldita do desejo, não permite que as decisões sejam tomadas de maneira razoável, pelo contrário, ela sufoca a razão de tal modo que apenas o desejo responde pelo corpo que, ardendo em chamas, atende aos pedidos mais torpes da carne, apenas para ser lançado no abismo do vazio uma vez mais ao fim de um orgasmo que nem sempre alcanço. Lamentável. 

Também ela, envenena a imaginação, fazendo daquele momento de perversão uma outra tentativa de trazer para mais perto de mim aquele que se encontra tão distante. Aquele que se encontra num jardim fechado, longe de meu alcance, mas que ainda aparece nos meus sonhos mais luxuriosos, e também nos devaneios mais puros. O seu olhar, o seu toque e até o cheiro doce do seu hálito, tudo aparece pela imaginação, muito embora a realidade seja suja e putrefata. 

Pouco a pouco vou caminhando em direção ao abismo, mas não o do vazio que se encontra dentro de mim, mas do abismo da morte, daquela morte certa, solitária e degenerativa de que padecem aqueles que se entregaram aos prazeres sem escrúpulos, bebendo do néctar da perdição como se fosse vinho doce. 

Não vejo outro caminho senão o da aceitação. As coisas são assim para mim, essa é a estrutura da minha realidade e não há nada que possa fazer para mudá-la. Uma vez aceito isto eu poderei me desprender dos divertimentos torpes da carne e observar com mais atenção aquilo que realmente importa pois, continua Pascal em seus Pensamentos:

"Porque é isto que nos impede principalmente de pensar em nós, e que nos faz perder insensivelmente. Sem isso, estaríamos no tédio, e este tédio levava-nos a procurar um meio mais sólido de sair dele. Mas o divertimento distrai-nos e faz-nos chegar insensivelmente à morte."

sábado, 20 de junho de 2020

Quando eu os seus cabelos afagava

O que isso significou? É complicadíssimo, tentar entender as razões por detrás das ações de algumas pessoas. E, além disso, quanto mais perto estamos de algo, mais difícil fica de vê-lo. Hoje é um desses dias, que me sinto confuso por estar tão próximo e, ao mesmo tempo, tão distante. 

Eu sempre tentei entender, o que significa cada gesto dele, cada palavra, cada sorriso, cada abraço apertado e demorado. Mas eu nunca entendi. Ou talvez eu entendesse e me recusasse a aceitar isso, medo do conhecimento por presença, fuga da realidade. 

Talvez porque eu sei que, no fundo, cada uma das ações dele são sim de carinho, mas apenas isso. Um abraço, para ele, é um abraço de carinho num amigo, em alguém com quem compartilhou momentos difíceis e também sorrisos. Mas não é como para mim que um abraço significa um encontro íntimo entre dois corações. Considero o abraço uma proximidade quase maior do que a do sexo em muitos aspectos, inclusive. 

Tentei não pensar muito nisso hoje, e apenas aproveitar o tempo em sua companhia. O abraço, que foi apertado e demorado como sempre, me aqueceu, mas não me fez perder o equilíbrio como antes, muito embora ele tenha me jogado na cama depois disso, mas acho que não vem ao caso. O sorriso e as brincadeiras, o carinho que fiz em sua cabeça enquanto estava no meu colo. Carinho, carinho entre amigos. É só isso e nada mais. E isso não é algo ruim! É isso que eu preciso entender. Compreender que é essa a forma que ele tem de me amar, e que eu preciso amá-lo da mesma forma. Se meu amor é verdadeiro, deve adaptar-se as necessidades do amado, e se ele precisa de um amigo, que seja eu o seu melhor amigo. 

Em meu peito florido
Que, inteiro,
Para ele só guardava.

Quedou-se adormecido,
E eu, terna, o regalava,
E dos cedros o leque o refrescava.

Da meia a brisa amena.
Quando eu os seus cabelos afagava,
Com sua mão serena,
Em meu colo soprava.

E meus sentidos todos transportava.
Esquecida, quedei-me,
O rosto reclinado sobre o Amado

Tudo cessou. Deixei-me.
Largando meu cuidado
Por entre as açucenas olvidado.*

Nos afastamos, para uma distância segura, de forma a não perder o contato, mas nunca com aquela intimidade de antes. Mas, mesmo que algo tenha se quebrado entre nós, algo que nunca poderá ser recuperado, ainda existe um laço que nos une, e eu pude ver isso com clareza hoje. Ainda há algo, e esse algo é a amizade, sempre o foi, e não pode ser outra coisa. Quanto tempo levei pra perceber... 

E no fim, a despedida. Outro abraço, sorrisos e promessas de novos encontros. Sem o peso do desejo, sem a dor do adeus, porque não foi um adeus, mas uma té logo. Mesmo que ainda existam pontos a serem acertados, dúvidas esclarecidas arraigadas no mais profundo dos nossos corações, num abismo tão profundo que sequer é tocado pela luz, mesmo eu ainda me sentindo confuso com isso, com o que pode ter sido tudo isso. Pode não ter sido nada, mas e se tiver mil motivos por trás que eu não consegui ver por estar perto demais?... Mesmo assim as coisas se mantiveram de pé. Mas deveria ser assim? Não deveria ser um recomeço? Ou estou certo em encarar as coisas como parecem ser?

Como as flores à deriva no céu azul, 
eu me lembro de nossa juventude destemida
Gusu alegra-se com a primavera mais uma vez
Montanhas fugazes além das nuvens
Fiapos brancos pavimentando um caminho para o meu desejo
Mesmo que você tenha ido embora, 
meu coração congelado ainda está para derreter

Sementes de lótus encharcadas na chuva
Postes de bambu passando livremente, quem pegou?
Em todos esses momentos agridoces, você os cumprimenta com um sorriso

Então é assim que é, você é o único que eu mantenho nas minhas memórias
Como esses sentimentos podem ser evitados?
Juntos podemos compartilhar nossa tristeza e felicidade?
Você manteve seu coração de cristal durante todas as tempestades

As pessoas dizem que você é desobediente e livre
Mas por trás de tudo isso, você estava mergulhado no caos
Um pequeno barco navegando em um rio enevoado
Quem assistiu como Yunmeng se afogou em chamas?
De repente, eu estou acordado quando as miragens desaparecem

Três mil regras deste mundo não poderiam ser comparadas 
a um pote meio vazio do sorriso do imperador
Quem ficou bêbado com isso?
A cítara está agora em silêncio, esses sentimentos podem ser notados?

Então é assim que é, os momentos que compartilhamos passaram como um piscar de olhos
Não há necessidade de manter a tristeza do passado em seu coração
Com você ao meu lado o vinho continua quente, morte e sofrimento são apenas momentaneamente
Dez anos se passaram enquanto nossos sonhos ainda estão em chamas

Então é assim que é, você é o único que eu mantenho nas minhas memórias
Esses sentimentos não podem mais ser evitados
Juntos vamos compartilhar nossas lágrimas e risos
Eu preservarei seu coração de cristal através de todas essas tempestades**

~

*Noite Escura, São João da Cruz.
** Tradução de WANGXIAN, de Mo Dao Zu Shi (The Untamed)

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Aleatoriedade

Queria me levantar daqui, disposto a fazer as receitas que salvei, quem sabe trocar a playlist por algo mais animado e menos melancólico. Consegui me sentar e olhar no espelho que fica de frente para a cama: rosto inchado de tanto dormir, olhos fundos, a barba que já devia ter sido aparada há dias agora cresce sem controle e já chega até o alto das minhas bochechas, unindo-se com a linha de pelos finos que vêm das minhas sobrancelhas. 

Tentei tirar algumas fotos, fiz algumas poses, mas nenhuma delas me agradou. Pensei em fazer uma maquiagem e, quem sabe, tentar ir lá fora para fazer isso, mas só de olhar para a maleta de maquiagem eu desanimei. Ao meu lado estão dois livros que comecei a ler quatro meses atrás, e quem nem sei quando vou terminar. Até meus óculos estão sujos há dias, e eu vejo um borrão enorme ao escrever essas palavras.

Não vou a igreja essa semana, não consigo, preciso descansar, e mesmo assim não tenho conseguido muito bem. Parece que não existe, para mim, aquele ócio absoluto. Eu sempre preciso estar fazendo algo, me preocupando em resolver algo. Na verdade, tudo o que eu queria era conseguir, por um dia que fosse, não pensar e não me preocupar com absolutamente nada e nem ninguém. Eu sempre tento apagar com algum remédio, mas nem isso adianta pois, logo depois, alguém me aparece e eu preciso fazer algo. 

Mas eu não culpo o outro por não me deixar só, de maneira alguma. Mesmo sozinho eu não consigo fazer isso, sempre algo me preocupa, de um modo ou de outro. 

Não tenho conseguido estudar como gostaria, acho que meu rendimento caiu para menos da metade do que era meses atrás. Será um efeito dessa depressão ansiosa coletiva que a pandemia vem causando nas pessoas? 

Um fato interessante: venho observado como muitos reagem a esse ambiente completamente estranho e assustador a muitos de nós. Alguns tentam se manter informados o tempo todo, outros distam tanto quanto podem das notícias, e outros ainda continuam fazendo festas e saindo como se nada estivesse acontecendo, afora o fato de que agora devemos usar máscaras em locais públicos, não porque é uma exigência sanitária mas sim por ser uma exigência social. O que eu notei é que todos lidam com o medo de uma forma diferente. 

Meu pai assiste ao jornal com o celular aberto em outra página de notícias, e ainda assim acredita em todos os áudios e mensagens do WhatsApp que dizem que fazer gargarejo ou chá de alguma coisa vai tornar o seu organismo imune ao tal vírus. Minha irmã sai dia sim e outro também para festas que todos temos até medo de perguntar onde acontecem. Algumas coisas é melhor não saber, de qualquer forma ela acorda todas as madrugadas com uma baita crise de pânico, e não quer nem ouvir falar em coronavírus. Todos fugimos e nos escondemos de alguma maneira. 

Eu fico no meu quarto, tento me concentrar nas aulas de filosofia, mas não consigo fazê-lo por mais de uma hora. Tenho algumas crises de ansiedade, o estômago dói, a boca fica com um gosto amargo e eu cada vez odeio mais o meu próprio reflexo no espelho. Alguns dias eu uso uma média de dez produtos diferentes no corpo e no rosto e em outros dias eu nem sequer tomo banho. Respondo algumas pessoas com paciência e diligência em ajudar, outras eu só respondo e outras eu nem sequer olho na cara. Me empolguei em pedir para comprarem coisas para algumas receitas no início da semana, hoje já não consigo fazer nenhuma delas. Tenho vivido em certa dose de descontrole. 

Tenho mantido algumas conversas, sobre assuntos aleatórios com um, política com outro... Com outro eu tenho evitado falar, e assim as coisas vão indo. Mas mesmo assim, quando dou uma volta rápida pelo jardim ou olho para o céu, eu ainda me sinto como aquelas nuvens ou como aquelas folhinhas caídas, que se desprenderam e agora vagam sem rumo, sem propósito e, mais importante ainda, sem pertencer a nenhum lugar. 

Sequer consigo terminar de forma decente esse texto, mas isso também pode ser bom, eu também não tenho estado numa forma final e bem elaborada, a aleatoriedade das palavras apenas reflete um pouco da aleatoriedade do meu próprio pensamento. 

domingo, 14 de junho de 2020

Reserva

Hoje, por um breve momento, eu fui dominado por algo que não sei o que é. Passava pela reserva florestal próxima ao bairro em que moro, e senti vontade de entrar ali. Senti que estava fora de mim, e que alguma coisa estava por libertar-se. Eu me olhei no espelho e não queria mais ser o garoto vestido bonitinho com a camiseta comprada na loja de marca da classe média. Não queria usar perfume doce e nem ter os lábios brilhantes. 

Eu queria tirar a minha roupa e fugir para aquele lugar, mas não para correr sem rumo, como o índio que não sou, mas queria ir acompanhado, e ali realizar as mais absurdas aventuras sexuais. Queria ali libertar todo o meu animal interior, o predador que deseja somente cravar as garras e presas fundo na carne, arrancando da vítima não apenas um gemido alto de dor, mas uma expressão excruciante de prazer venéreo. 

Quero aquele sexo violento, de tirar o fôlego e fazer escorrer pelo corpo pesadas gotas de suor, que se misturam o cheiro do outro, gerando um frenesi orgástico. Quero ver a cara de prazer, os olhares de provocação e as palavras de desejo. Tocar com os lábios cada parte do corpo, conhecendo de perto as linhas, ouvindo as risadas e vendo os arrepios por onde quer que passe. Quero sentir as pernas tremerem e a respiração vacilar, enquanto o calor se espalha pelas extremidades cada vez mais rijas, penetrando fundo, até chegar ao ponto máximo, espalhando por todo lado aquela chuva dourada, deixando no ar apenas o perfume de prazer luxurioso na natureza. 

Não queria ser o garoto certinho, de camisa polo que eu tanto odeio, queria ser a fera que tanto olha para mim no fundo do abismo que há no meu peito. Queria poder me entregar aos instintos mais primitivos, esquecer a decência, a moral e todos os bons costumes, esquecer tudo que me aprisiona de algum modo numa caricatura moralmente correta. Isso não existe, e eu não quero ser assim. 

Vejo o quanto as pessoas se seguram, se privam de seus desejos, matam asfixiadas as suas próprias vontades mais puras. Jogam por sobre si pedras tão pesadas que já não podem mais andar, senão que apenas rastejam por aí, numa imitação de vida, enquanto poderiam correr livremente por campos inteiros de experiências únicas as quais aspira com todas as forças, mas que também reprimem com mais força ainda. 

Gostariam que se livrassem disso, dessas grossas correntes, e se entregassem ao mundo dos amantes, cantando todos um hino de amor, entremeado por suspiros em todas as ruas, em todas as casas e até mesmo do fundo das matas. Gostaria que todos descobrissem, sem se culpar depois, o quão incrível pode ser agir conforme suas vontades, sem o peso externo do que outro disseram ser o certo.

Que todos saibam o que é um orgasmo, seja no carro em movimento ou no intervalo das aula de faculdade, com a namorada ou com o colega de trabalho, numa noite fria ou numa manhã ensolarada, com os raios de luz pintando aquele belo quadro, iluminando cada pequeno canto escondido dos desejos reprimidos. 

O álcool é mestre em revelar esses desejos escondidos, e sempre que bebo perco boa parte da inibição que me impede de fazer tantas besteiras. Detesto, no entanto, me sentir vulnerável e expondo meus desejos a quem não os compreende, a quem só pode me olhar com estranheza, sem poder me satisfazer as vontades mais secretas e bestiais. 

O que eu posso dizer é que eu me odeio. Odeio que vejam como me sinto e que se divirtam com isso. Eu me odeio porque isso que disse ali é tudo uma grande utopia, nunca poderei viver dessa maneira, porque aquilo que eu mais desejo eu nunca poderei ter. Odeio tantos desejos torpes. Odeio olhar para essa fera há dentro de mim, pois parece que vai me devorar! Odeio chorar ardendo sozinho em desejo pelos amplexos do amado. E eu me odeio por desejar, odeio sentir atração, odeio me sentir excitado, eu odeio todas as potências que existem em mim.  E metade de mim é potência, e a outra metade desejo. 

Desejo de amar e ser amado, desejo de um toque sincero, desejos e mais desejos. Mas são só isso, e não passam disso: desejos, que nunca serão realidade. 

Nada mais do que isso.

Nada. 

E é isso. 

sábado, 13 de junho de 2020

Sonhos e planos

Faça uma lista dos sonhos que tinha
Quantos você desistiu de sonhar
Quantos amores jurados pra sempre
Quantos você conseguiu preservar

Depois de dois dias extremamente cansativos, no sentido físico e mental da palavra, eu em pego deitado, exaurido de todas as forças, e percebendo algumas coisas que antes eram claras em mim e que hoje se mostram timidamente apenas, ou que desapareceram completamente. 

Eu percebo, não sem um certo tom de melancolia, que já não me sobraram mais sonhos. Não sonho um futuro lindo ao lado de alguém, e também não sonho mais com a aquela vida intelectual. Minha casa tem estantes com muitos livros que eu não leio, e no meu coração tem poeira, apenas. 

Acho que, depois de tanto tempo, eu perdi a capacidade de sonhar, e de ver a vida cor de rosa. Só levo comigo agora o celular e uma dose de desesperança, me desce a garganta como um bom gole de cachaça. 

Não vejo sentido nos sonhos, não vejo razão nos planos futuros. Mas também não vejo nada nas fotos antigas. É tudo um grande vazio. Como ainda sinto sono e dor, prefiro apenas ficar deitado e dormindo, atendendo a essa necessidade imediata. E é isso. Foi o que sobrou em mim. Restos, sombras, uma casca vazia. 

É com um riso, irônico e meio macabro, que eu me recordo de cada um dos meus amores, hoje amaldiçoados pelo meu próprio destino. Todos se foram, um a um, me dando as costas. Mas eu já deixei de ir atrás deles. Já não corro mais atrás de nada. Apenas eu fiquei, e nem por mim eu faço as coisas, haha. 

Não sei de onde me vem esse riso, talvez seja a risada do diabo ecoando em meus pulmões. Decerto suas palavras ecoam bastante em minha cabeça. 

Mas de qualquer modo, eu nem sequer sei direito do que estou falando aqui, só estou falando, e falando, palavras vazias ao vento, como eram o amor que sentia por cada um daqueles que agora aparecem em minha mente em imagens foscas de alguém que já estava ruim o suficiente antes das vinte gotas de remédio controlado para dormir que tomei na intenção de apagar e não ver mais nada. 

A minha lista é a de tudo que desisti de sonhar. Desisti de fazer a diferença, de ser grande, desisti até mesmo de ser eu mesmo. Já não sonho, senão que tenho pesadelos dormindo e acordado, vendo as pessoas ao meu redor ou aquelas que se foram. 

Mas ainda pareço preso ao passado. Não sei se é bem verdade, é apenas um defeito da minha escrita. Minha prisão não é outra senão a própria existência. Já sabia, sabia e fingia não saber, que na verdade esse cansaço extremo não é algo que se deu após a correria das missas ou do cotidiano, minha cabeça não está cansada do método cartesiano ou da dialética hegeliana, a minha alma está cansada desse mundo, eu estou cansado do ser. Por isso meu corpo protesta, protesta contra essa existência niilista que me faz apenas contemplar um eterno vazio. Me sobraram poucas lágrimas, mas elas ainda caem, e eu nem sei dizer o motivo. E eu estou triste, é só isso. E já me começa a cansar também dizer que estou triste. É como se fosse melhorar quando o digo, mas não é verdade, nunca melhora. Acho que o "melhor" é apenas um mito. 

É só isso. 

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Doze de Junho

Detesto esse dia, dia 12 de junho, dia dos namorados. É quando a internet fica lotada de fotos e declarações de como é fantástico ter tal ou qual pessoa presente na vida. São muitos os corações, os beijos, as musicas do Lulu Santos como fundo dos vídeos bregas. Há quem diga que, por conta da pandemia, os carros de mensagem estão se tornando populares novamente. Que perspectiva horrorosa!

Mas eu não detesto esse dia pela sua marca piegas, não. Eu o odeio porque sou incapaz de entender o significado de um dia feito para comemorar a companhia de alguém. E mais do que detestar esse dia eu ainda detesto o próprio fato de me incomodar com isso. Essa carência horrenda que me faz desejar algo desnecessário, que me faz querer alguém do meu lado mesmo sabendo bem que isso pode não ser, nem de longe, a coisa mais importante ou agradável do mundo. 

Detesto esse sentimento de ser insuficiente, de não me bastar a mim mesmo, de precisar de um outro alguém para me sentir completo. Acaso não posso eu ser feliz sozinho? Afinal estive sempre só, essa é minha única oportunidade. Ainda que a carência queira me dizer o contrário, com seus sussurros maliciosos em meu ouvido. E eu acredito nela. É patético. 

Quantos casais postam suas declarações hoje vivendo traições, mentiras e desconfianças. Talvez as poesias sejam na verdade preces por amores melhores. Tudo não parece ser mais do que afetação fingida, mentiras.  Quantos não fazem da vida do outro um verdadeiro inferno e ainda assim postam como se fossem os mais felizes do mundo? Esse deve ser, no máximo, seu desejo. Todos dizem viver um amor que nem sequer existe. É também patético. 

Pode-se dizer, de modo pejorativo até, que isso que digo é discurso de quem nunca conheceu o amor, de quem nunca foi amado. Mas antes de me ofender eu sou obrigado a concordar. É exatamente por isso que eu detesto o dia dos namorados. Por toda a cultura criada ao redor de algo que, para mim, é menos real do que gnomos de jardins que vivem dentro de um bule de chá. Eu não conheço o amor. Não como o vendem. 

Conheço a dor que é ver o outro ir embora sem prestar atenção. Conheço a sensação de saber que preciso fazer a dor passar, de algum jeito. Conheço a solidão das noites frias e vazias, e conheço a solidão de andar ao lado de quem sorri contente por ter alguém segurando sua mão. Mas eu não conheço o amor, e escrever sobre isso me parece patético!

"Quantos amores jurados pra sempre.
Quantos você conseguiu preservar?"

quinta-feira, 11 de junho de 2020

Corpus Christi

A liturgia é mesmo algo de uma beleza tão sublime que as palavras humanas não podem mais do que arranhar a superfície desse grande oceano de graças que é celebrar o Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo. Como disse São Paulo "agora nós vemos a Deus como que num espelho", e tudo que é feito na Santa Missa não é outra coisa senão um reflexo daquela liturgia celeste, celebrada pelos anjos e santos de frente ao grande trono do Cordeiro. 

As flores, com suas belas cores e pétalas delicadas, a alvura das vestes e toalhas, o perfume do incenso, os belos cantos. Tudo é um convite à oração, a contemplação, a voltar o nosso olhar para uma realidade diferente, algo superior, algo que favorece a virtude, que pouco a pouco dobra o coração, ao passo que cada um dobra o seu joelho. 

Sempre me sinto extremamente grato ao fim de uma grande celebração. Os últimos dias foram de uma grande apreensão por conta da solenidade de Corpus Christi. Cada pequeno detalhe da celebração me tirava o sono. As flores, as musicas, o carvão e o incenso, as toalhas... Perdi o sono. Acordei as quatro horas da manhã, tremendo de ansiedade... Mas agora, ao fim de tudo, sentindo apenas os músculos doloridos pela correria da procissão, eu sinto gratidão por ter a oportunidade de participar de tão grande graça. 

Principalmente nesses dias de pandemia, quando toda a comunidade fica limitada a participar apenas das celebrações dominicais ou solenidades, eu sou um dos poucos autorizados a participar diariamente. É uma graça sem tamanho, enquanto todos estão privados da eucaristia eu estou presente todos os dias. Me preocupo se meu ardor tem sido o suficiente para dar a Cristo aquele mesmo cântico de adoração que os seus anjos entoam nos céus, se falta muito a minha vida para estar como aqueles que alvejaram suas vestes no sangue do Cordeiro. 

"Pão e vinho, eis o que vemos, mas ao Cristo é que nós temos em tão ínfimos sinais!"

quarta-feira, 10 de junho de 2020

Desabafos

Uma tristeza toma conta do meu peito. O céu, que amanheceu límpido e com um azul brilhante agora está coberto de nuvens cinzas, nuvens pesadas de chuva. E eu nem sei o motivo. Apenas ficou assim, tudo cinza no meu coração. 

As flores secaram, a música acabou e os pés da bailarina já não dançam mais, senão que sangram em carne viva por sobre as pedras em que caminha.

E eu ando tão cansado, não importa o quanto durma, não importa o quanto tente descansar eu continuo exausto. E sempre aparece alguma coisa pra fazer, alguém pra ajudar, algum compromisso pra cumprir e eu não aguento mais, é demais pra mim, eu não dou conta, eu não consigo.

Eu não consigo. Não mais. 

Eu dizia "que o meu cansaço que a outros descanse" como na missa, mas eu não aguento mais. Cada fibra do meu corpo pede que eu descanse, cada parte de mim diz que eu preciso dar um tempo, que a qualquer momento eu vou explodir. 

E eu quero sexo, quero ser um animal, quero me entregar aos desejos mais torpes. Mas também quero distância, quero solidão, quero a tranquilidade de não ver e não pensar em ninguém. Quero ser um fera mas também quero ser monge. Quero gritar, correr, esmurrar, esfaquear. Quero ficar sozinho e esquecer que eu esquisito. 

Sinto uma enorme vontade de chorar, mas eu não consigo, as lágrimas simplesmente não descem. Choro então, pesadamente, dentro do meu próprio peito, onde me derramo em amor por entre anseios pelos amplexos do amado. Eu digo coisas e depois me esqueço que as disse. Fantasmas do passado retornam a todo tempo, eu não tenho sequer um ponto final. 

Quem poderá curar-me acaba de entregar-te já deveras, não queiras enviar-me mais mensageiro algum, pois não sabem dizer-me o que desejo. 

Como me aproximar dessa rosa? Como sentir seu perfume? Se ela só cresce em planícies distantes tão distantes que meu olhar sequer consegue enxergar o fim, ou montanhas tão altas que nenhum homem jamais ousou subir. 

Eu não sei o que fazer com isso, não sei como posso fugir dessa angústia que consome. Eu não sei mais nada... Há nem sequer me reconheço, na foto passado ou no futuro de agora... 

Acordando assustado no meio da madrugada, o corpo tremendo em ansiedade, a ira fazendo queimar o corpo e a mente e, no coração, uma desesperança. 

terça-feira, 9 de junho de 2020

Das flores que chegaram

Um sentimento que nasce, ou se revela? Algo que parece crescer, cujas raízes parecem se fortalecer dentro de mim. É um sentimento de ternura, um carinho especial, algo que me aquece o coração, que me tranquiliza a alma. 

Eu não sou dizer de onde veio. Não sei dizer quando chegou. Tudo o que eu sei é que, quando percebi, já haviam novas flores no meu jardim. Também não sei dizer o que eu espero aqui. Uma mensagem, um abraço, um beijo? Eu não sei mais nem sequer dizer o que eu estou sentindo. Não sei mais a quem eu amo ou quem desejo distância. 

Mas eu sei que não posso colher estas flores, eu sequer posso me aproximar e sentir o seu perfume. Esse é mais um daqueles truques do destino que nos faz ver e desejar algo, somente para tirar de nossas mãos no instante seguinte. É uma artimanha cruel, e eu nem sequer sei o motivo para ele fazer isso. Acho que é sua veia intrinsecamente sádica a querer rir-se com nossa decepção. 

Mesmo que sua beleza seja tão delicada, tão pura, mesmo que seu perfume me atraia, eu sei que dente suas folhas es escondem terríveis espinhos repletos de veneno, e até o doce arome de suas pétalas está carregado de uma névoa sombria, feita para me entorpecer os sentidos e me atrair para o precipício. 

Percebo então que não se trata de um jardim, o meu jardim, mas de uma única coisa, que floresceu no alto de uma montanha, ao lado de uma penhasco mortal. Quem dela se aproxima cai inevitavelmente na escuridão daquela armadilha. Ainda que suas cores sejam lindas, ainda que brilhem inocentemente sob a luz do sol, ainda assim são mortais como uma lâmina afiada. 

É como um sorriso, um abraço carinhoso, embora em si mesmo seja puro e bom, pode esconder as mais terríveis intenções assassinas. Tenho medo, do carinho, da atenção, dessa sensação quente no coração. Decidi me afastar, não fazer mais do que o estritamente necessário, sem me levar ao extremo. Fazer o que preciso fazer, e nada mais. 

domingo, 7 de junho de 2020

Barulho

O que está acontecendo comigo? Me sinto péssimo. Minha cabeça dói, das noites sem dormir direito, do álcool, do barulho, das pessoas que me cercam. Estou irritado, com tudo. Com minha fraqueza em continuar me sentindo assim sem razão, com a minha incapacidade de ser bom, com todos que exigem tanto de mim, com tudo que eu preciso fazer sem nunca conseguir descansar. E como eu estou cansado! 

Parece que pra me recuperar eu precisaria dormir um mês inteiro, e talvez ainda não fosse o bastante. A todo instante eu sinto como se eu fosse apagar, de uma vez, e surtar, saindo gritando ou sem roupa pelo meio da rua. A todo instante parece que eu vou enlouquecer e, mais uma vez, eu sinto a minha sanidade escorrer por entre meus dedos, e pouco a pouco eu vou perdendo a certeza de quem eu sou. 

Tenho passado horas sentado, olhando uma parede branca, sem conseguir chegar a nenhuma conclusão. É como se de repente tivesse perdido a capacidade de perceber o mundo. Me tornei letárgico, e é nessa anestesia que tenho vivido, numa estranha dicotomia entre o torpor e a ira ansiosa. 

Sinto vontade de chorar, o tempo todo, mas as lágrimas não vêm, simplesmente parece que todas se secaram. Eu não sei que fim terá isso, não sei como eu vou passar por isso, não sei como terminará essa pandemia, eu não sei mais nada... 

Eu sinto um ímpeto que vem de dentro, algo daquele eu de antes que desejava se entregar, mas isso também se perde ao chegar na superfície. Ao olhar as pessoas eu me desencanto e percebo que é melhor continuar sozinho. Sozinho. Continuo me sentindo sozinho, escrevendo todo dia sobre as mesmas coisas, sem achar um lugar no mundo em que me encaixe. 

Talvez eu precise de um abraço, ou um beijo apaixonado, ou talvez eu só precise dormir. Ainda que, mesmo deitado, eu não consiga dormir, senão que preciso antes me livrar dessas palavras que me sufocam, como se escrever fosse a libertação da minh'alma. E eu sinto que minh'alma precisa, mais do que tudo, de libertação. 

sábado, 6 de junho de 2020

Perdido

Não sei por onde começar. Na verdade eu não sei o que dizer. Não sei o que eu quero dizer, só sei que eu quero dizer algo. Me sinto, pouco a pouco, mais sensível. Irritadiço, impaciente. É aquela velha aura de novo, aquele prenúncio de uma crise que se aproxima lenta, mas imparável, de mim. Como uma névoa ela começa a me tirar a visão e a me circundar, me fazendo tropeçar. Eu olho ao meu redor, assustado, mas não vejo nada, nem ninguém, o que há a se temer?

Já não sinto mais o gosto das coisas. Sinto minhas forças se esvaindo devagarinho, ao passo que a ansiedade vem crescendo e ganhando espaço, marchando como um exército sob o campo inimigo, pisoteando os crânios partidos e o sangue derramado, enegrecido, que cobre o chão. 

E, de repente, tudo parece desmoronar. As coisas que pareciam querer começar a se encaminhar se desfazem. Um furacão violento destrói tudo. Um terremoto abala as estruturas e um grande vulcão derrama toda a sua ira por sobre cada uma das moradas do meu castelo interior. Tudo fica escuro, frio e vazio. E tudo retorna ao nada. 

Uma voz lamenta ao fundo, o amor não correspondido, a família que não compreendeu, a fome que passou, a dor que enfrentou, os amigos que se foram... Eu odeio isso. Odeio sentir que não sou compreendido, deslocado de todos os lugares, sem conseguir me encaixar jamais, como se não houvesse lugar nesse mundo para mim. Onde estão as almas gêmeas, onde está o fio vermelho que conecta os amantes mesmo na distância e em tempos diferentes? O destino só parece destruir, nunca querer que eu seja feliz. 

Odeio esquecer como cuidar de mim mesmo. Parece que há dias eu não sei o que fazer a barba ou cuidar do cabelo. Meu corpo dói pela falta de água e noites sem dormir direito. Sequer há razão para fazer isso, no fima penas a morte me aguarda de braços abertos, ansiosa pela minha presença. Não tomo meus remédios e o desequilíbrio aumenta cada vez mais. A memória falha, a imaginação vacila. Os músculos doem e a mente para demora responder. Quero beber, dormir, desaparecer, esquecer tudo e todos. 

Eu odeio isso. Odeio saber que ela me ronda o tempo todo, esperando o momento certo pra me derrubar mais uma vez. Ela sempre vence, sempre. Não é como se eu tivesse alguma chance realmente. Ela apenas me dá alguns instantes de vantagem para correr, somente para me alcançar alguns passos depois, cravando suas presas afiadas em meu pescoço, me lançando com violência ao chão. 

E essa é a minha luta constante. Ela me bate com violência e me esquece caído no chão, apenas para me fazer correr quando acredito que ela se foi, quando na verdade só espera para se lançar de novo contra mim. Até quando? Até quando eu vou conseguir lutar? Até quando a morte vai parecer o único fim pra tudo isso? Até quando me sentirei perdido? 

quinta-feira, 4 de junho de 2020

Sobre ver

Queria poder ver, quem é você de verdade, ver o que há por detrás do seu olhar, saber aquilo que esconde no seu íntimo. Mas eu consigo mais ver, não consigo mais olhar para as pessoas como antes. Agora eu só quero distância, só quero estar seguro e a salvo de toda malícia que me podem fazer. 

Mesmo que o que eu veja seja belo, mesmo que tenha toda essa doçura e delicadeza, que sua empatia seja algo a se valorizar eu não consigo ver mais do que isso. A verdade é que eu agora tenho medo das pessoas. A visão do homem cansa, mas também assusta. De perto todos podemos ser frios e assustadores, e eu não quero mais ver ninguém de perto. Não quero mais ter nenhum contato com o íntimo que me pode me queimar, com as espadas que podem me ferir, com os escudos que podem me afastar. 

É uma contradição, eu sei. Mas é isso, essa é a tensão que há em mim. O desejo puro de me aproximar de alguém, de tocar um coração. E o medo de me aproximar e ver de novo aquele olhar, que guarda maldade e ambição, que eu via e fingia não saber. 

Acho que passei tempo demais tentando entrar onde não era bem vindo. Agora eu não mais procuro abrigo nos corações, e nem de porta em porta desejo entrar. Eu apenas aguardo, sentado no meu jardim fechado, o dia que alguém de bom grado abra seu coração para mim. E se não acontecer, ficarei para sempre a observar essa fonte lacrada, essas águas prateadas que esboçam o que, no meu íntimo, eu realmente desejo. 

terça-feira, 2 de junho de 2020

A mentira

Já não consigo mais prestar atenção as mudanças e as disputas políticas e ideológicas que me cercam. Na verdade eu nem quero, já não estou mais aqui para viver como os outros, só estou aqui pela música e pelas histórias de amor. 

Eu sei, eu sei. Mesmo que já não acredite mais no amor, como se as histórias dos filmes e livros possam ser reais, eu ainda gosto de imaginar que o são, ainda que no pequeno período da leitura ou enquanto dura o filme...

É como uma fuga, brevíssima é verdade, mas que ajuda a encarar a frialdade inorgânica dessa existência tão patética. 

Ainda que tudo ao meu redor deixe claro que não, o amor não é mais do que apenas uma invenção humana, que nos ajude a enfrentar a realidade da morte e da dor, nos fazendo crer que existe algo belo e superior, capaz de a tudo vencer, como é nas obras de amor. 

Mas a verdade é bastante diferente. O amor não suporta a dor, o amor se esvai no vento como poeira. O amor do amante não toca o coração do amado, senão que este apenas pode sentir pena daquele. O amor não é esta potência capaz de a tudo vencer, senão que a tudo pode sofrer. O amor é, na verdade, uma esperança que nasce do desejo de uma vida melhor e mais bonita, e que sempre resulta na desesperança, no horror da decepção. O amor é isto. 

Quantas mentiras como essa são contadas pra nós não é mesmo? E de mentiras eu estou cansado, ainda que muitas delas possam parecer agradáveis aos olhos, bastam num filme ou num livro, mas não para a vida real. 

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Casulo

O ser, a existência humana, é repleta de ciclos, prisões e libertações.  Nós vivemos em constantes mudanças que, no entanto, muitas vezes nos prendem cada vez mais, ao invés de nos trazer a tão desejada liberdade. 

Acontece que a liberdade é aquilo que mais desejamos, mas ainda assim nós nos prendemos de tal maneira que não conseguimos ser mais do que marionetes nas mãos dos destino. A todo momento nos prendemos, nos limitamos. 

Não usamos certas roupas. Não dizemos o que pensamos. Não beijamos quem queremos. 

Prisões. 

Tudo aquilo que nos prende em grossas correntes de aço, impedindo nossos movimentos a todo custo. 

As lagartas vivem, a certa maneira, o mesmo ciclo que nós. Passam de uma existência  a prisão absoluta, como nós, presos aos preconceitos e ideias fechadas, até chegar a liberdade do voo pelo céu. Essa liberdade pode ser conquistada ainda aqui, por meio da desconstrução constante do dia a dia ou, de maneira mórbida a se dizer, na morte. 

Tomo como exemplo uma situação que vivi. Tomado pela sinceridade promovida pelo álcool eu percebi a excitação de um momento que, no entanto, não podia ser levado a cabo pois a prisão nos mantém distantes de nossos verdadeiros desejos. Desejos mais quentes do que pimenta malagueta e que, por isso mesmo, nos fazem arder como se estivéssemos sendo consumidos pelas grandes chamas de um incêndio. 

Que treta que eu me meti não é mesmo? Bêbado, falando da excitação de um momento, ainda que minha bipolaridade tenha me deixado quase que sem nenhuma libido (me fazendo, na verdade, um grande favor se tivesse desaparecido completamente) e ainda tentando fazer uma reflexão sobre as fases da vida. 

Acredito eu que sem muito sucesso. 

Pelo menos uma coisa é positiva nesses momentos: a sinceridade que me faz dizer coisas que, antes seria censuradas pelo filtro do bom senso, ou da vergonha social ou, melhor ainda, das prisões que nos impomos ou que outros impuseram sobre nós. 

E isso é o pior. 

Se a borboleta precisa passar pelo casulo para viver a liberdade do voar, o homem é atrasado pelas suas prisões, que podem impedi-lo totalmente de viver a liberdade durante toda a existência corporal. A liberdade que almejamos pode sim ser vivida de certo modo nessa vida, mas a sua perfeição se dá apenas na vida eterna, após a existência física, após aquilo que chamamos de vida (terrena).

Até lá estamos sujeitos a todas as mudanças dessa forma de existência, a todas as potencialidades do mundo físico, da existência corpórea. Até lá estamos sujeitos aos desejos mais profundos, ainda que os neguemos com veemência. 

A borboleta passa pelo casulo para se libertar, para o homem o casulo pode ser apenas prisão, visto que esse mesmo homem pode viver a vida toda sem nunca ser livre de verdade. Mas também pode se libertar de suas amarras, e viver relativamente livre, mesmo que preso aos seus desejos. 

O homem pode ser livre quando escuta, ou compõe, uma música. Pode ser livre mas geralmente escolhe por viver na própria escravidão. Seja na escravidão dos seus desejos ou na escravidão dos preconceitos que o rodeiam. 

Existe liberdade aqui? Não há exílio para nós, no mundo. Ainda que estejamos livres de nossas amarras ainda estamos presos as amarras dos outros. As correntes que nos aprisionam e que vêm de fora, que nos impedem de ser nós mesmos. Que nos mantém sob a luz do que é aceitável para os outros, ainda que seja absurdamente limitante para nós. 

E é isso. A vida é essa tensão entre prisão e liberdade. Entre a corrente de aço que nos aprisiona e o ar que nos leva a flutuar pelo alto céu. É essa tensão que marca a existência humana, entre a liberdade de ouvir uma música e a prisão de viver sob a égide de um preconceito que, mesmo na nossa intimidade, nos parece nossa vontade, mesmo não sendo mais do que a vontade do outro. Um casulo escondendo grandes e belas asas.