domingo, 21 de junho de 2020

Insensivelmente

"A única coisa que nos consola das nossas misérias é o divertimento, 
e contudo é a maior das nossas misérias." 
(Blaise Pascal)

Uma vez mais eu inicio uma reflexão com essa citação de Pascal que, resumidamente mas com uma eficácia poderosíssima, resume aquilo que preciso de numerosos parágrafos para descrever. 

Estou nesse momento sentado em meu escritório, ouvindo o vento frio bater com força nas janelas atrás de mim e entrar pelas frestas, deixando o ambiente com uma aura sombria, quase espectral, muito embora ainda sejam as primeiras horas dessa manhã fresca de um domingo pouco iluminado. 

Corpo dolorido depois de uma noite sem dormir direito, bebendo bastante com desconhecidos. Isso na tentativa, tanto falha quanto risível, de suprimir de algum modo aquela carência, aquele sentimento de que alguém ao meu lado poderia me fazer sentir bem, poderia me sentir menos vazio. 

Para tanto me lancei então nessa empreitada, apenas para amanhecer não só decepcionado como profundamente consternado por perceber que, na verdade, o meu destino não deve ser o de me sentir completo, tampouco de ter alguém ao meu lado. Parece que isso nunca dará certo para mim. 

O resultado foi uma noite de bebedeira, conversas supérfluas e uma foda sem a menor graça. No fim, deitei com o único pensamento de que teria tido proveito maior se tivesse ficado em casa vendo filmes e comendo brigadeiro, enrolado no sofá com meias e cobertor. 

Mas a carência, essa filha maldita do desejo, não permite que as decisões sejam tomadas de maneira razoável, pelo contrário, ela sufoca a razão de tal modo que apenas o desejo responde pelo corpo que, ardendo em chamas, atende aos pedidos mais torpes da carne, apenas para ser lançado no abismo do vazio uma vez mais ao fim de um orgasmo que nem sempre alcanço. Lamentável. 

Também ela, envenena a imaginação, fazendo daquele momento de perversão uma outra tentativa de trazer para mais perto de mim aquele que se encontra tão distante. Aquele que se encontra num jardim fechado, longe de meu alcance, mas que ainda aparece nos meus sonhos mais luxuriosos, e também nos devaneios mais puros. O seu olhar, o seu toque e até o cheiro doce do seu hálito, tudo aparece pela imaginação, muito embora a realidade seja suja e putrefata. 

Pouco a pouco vou caminhando em direção ao abismo, mas não o do vazio que se encontra dentro de mim, mas do abismo da morte, daquela morte certa, solitária e degenerativa de que padecem aqueles que se entregaram aos prazeres sem escrúpulos, bebendo do néctar da perdição como se fosse vinho doce. 

Não vejo outro caminho senão o da aceitação. As coisas são assim para mim, essa é a estrutura da minha realidade e não há nada que possa fazer para mudá-la. Uma vez aceito isto eu poderei me desprender dos divertimentos torpes da carne e observar com mais atenção aquilo que realmente importa pois, continua Pascal em seus Pensamentos:

"Porque é isto que nos impede principalmente de pensar em nós, e que nos faz perder insensivelmente. Sem isso, estaríamos no tédio, e este tédio levava-nos a procurar um meio mais sólido de sair dele. Mas o divertimento distrai-nos e faz-nos chegar insensivelmente à morte."

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