domingo, 14 de junho de 2020

Reserva

Hoje, por um breve momento, eu fui dominado por algo que não sei o que é. Passava pela reserva florestal próxima ao bairro em que moro, e senti vontade de entrar ali. Senti que estava fora de mim, e que alguma coisa estava por libertar-se. Eu me olhei no espelho e não queria mais ser o garoto vestido bonitinho com a camiseta comprada na loja de marca da classe média. Não queria usar perfume doce e nem ter os lábios brilhantes. 

Eu queria tirar a minha roupa e fugir para aquele lugar, mas não para correr sem rumo, como o índio que não sou, mas queria ir acompanhado, e ali realizar as mais absurdas aventuras sexuais. Queria ali libertar todo o meu animal interior, o predador que deseja somente cravar as garras e presas fundo na carne, arrancando da vítima não apenas um gemido alto de dor, mas uma expressão excruciante de prazer venéreo. 

Quero aquele sexo violento, de tirar o fôlego e fazer escorrer pelo corpo pesadas gotas de suor, que se misturam o cheiro do outro, gerando um frenesi orgástico. Quero ver a cara de prazer, os olhares de provocação e as palavras de desejo. Tocar com os lábios cada parte do corpo, conhecendo de perto as linhas, ouvindo as risadas e vendo os arrepios por onde quer que passe. Quero sentir as pernas tremerem e a respiração vacilar, enquanto o calor se espalha pelas extremidades cada vez mais rijas, penetrando fundo, até chegar ao ponto máximo, espalhando por todo lado aquela chuva dourada, deixando no ar apenas o perfume de prazer luxurioso na natureza. 

Não queria ser o garoto certinho, de camisa polo que eu tanto odeio, queria ser a fera que tanto olha para mim no fundo do abismo que há no meu peito. Queria poder me entregar aos instintos mais primitivos, esquecer a decência, a moral e todos os bons costumes, esquecer tudo que me aprisiona de algum modo numa caricatura moralmente correta. Isso não existe, e eu não quero ser assim. 

Vejo o quanto as pessoas se seguram, se privam de seus desejos, matam asfixiadas as suas próprias vontades mais puras. Jogam por sobre si pedras tão pesadas que já não podem mais andar, senão que apenas rastejam por aí, numa imitação de vida, enquanto poderiam correr livremente por campos inteiros de experiências únicas as quais aspira com todas as forças, mas que também reprimem com mais força ainda. 

Gostariam que se livrassem disso, dessas grossas correntes, e se entregassem ao mundo dos amantes, cantando todos um hino de amor, entremeado por suspiros em todas as ruas, em todas as casas e até mesmo do fundo das matas. Gostaria que todos descobrissem, sem se culpar depois, o quão incrível pode ser agir conforme suas vontades, sem o peso externo do que outro disseram ser o certo.

Que todos saibam o que é um orgasmo, seja no carro em movimento ou no intervalo das aula de faculdade, com a namorada ou com o colega de trabalho, numa noite fria ou numa manhã ensolarada, com os raios de luz pintando aquele belo quadro, iluminando cada pequeno canto escondido dos desejos reprimidos. 

O álcool é mestre em revelar esses desejos escondidos, e sempre que bebo perco boa parte da inibição que me impede de fazer tantas besteiras. Detesto, no entanto, me sentir vulnerável e expondo meus desejos a quem não os compreende, a quem só pode me olhar com estranheza, sem poder me satisfazer as vontades mais secretas e bestiais. 

O que eu posso dizer é que eu me odeio. Odeio que vejam como me sinto e que se divirtam com isso. Eu me odeio porque isso que disse ali é tudo uma grande utopia, nunca poderei viver dessa maneira, porque aquilo que eu mais desejo eu nunca poderei ter. Odeio tantos desejos torpes. Odeio olhar para essa fera há dentro de mim, pois parece que vai me devorar! Odeio chorar ardendo sozinho em desejo pelos amplexos do amado. E eu me odeio por desejar, odeio sentir atração, odeio me sentir excitado, eu odeio todas as potências que existem em mim.  E metade de mim é potência, e a outra metade desejo. 

Desejo de amar e ser amado, desejo de um toque sincero, desejos e mais desejos. Mas são só isso, e não passam disso: desejos, que nunca serão realidade. 

Nada mais do que isso.

Nada. 

E é isso. 

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