segunda-feira, 1 de junho de 2020

Casulo

O ser, a existência humana, é repleta de ciclos, prisões e libertações.  Nós vivemos em constantes mudanças que, no entanto, muitas vezes nos prendem cada vez mais, ao invés de nos trazer a tão desejada liberdade. 

Acontece que a liberdade é aquilo que mais desejamos, mas ainda assim nós nos prendemos de tal maneira que não conseguimos ser mais do que marionetes nas mãos dos destino. A todo momento nos prendemos, nos limitamos. 

Não usamos certas roupas. Não dizemos o que pensamos. Não beijamos quem queremos. 

Prisões. 

Tudo aquilo que nos prende em grossas correntes de aço, impedindo nossos movimentos a todo custo. 

As lagartas vivem, a certa maneira, o mesmo ciclo que nós. Passam de uma existência  a prisão absoluta, como nós, presos aos preconceitos e ideias fechadas, até chegar a liberdade do voo pelo céu. Essa liberdade pode ser conquistada ainda aqui, por meio da desconstrução constante do dia a dia ou, de maneira mórbida a se dizer, na morte. 

Tomo como exemplo uma situação que vivi. Tomado pela sinceridade promovida pelo álcool eu percebi a excitação de um momento que, no entanto, não podia ser levado a cabo pois a prisão nos mantém distantes de nossos verdadeiros desejos. Desejos mais quentes do que pimenta malagueta e que, por isso mesmo, nos fazem arder como se estivéssemos sendo consumidos pelas grandes chamas de um incêndio. 

Que treta que eu me meti não é mesmo? Bêbado, falando da excitação de um momento, ainda que minha bipolaridade tenha me deixado quase que sem nenhuma libido (me fazendo, na verdade, um grande favor se tivesse desaparecido completamente) e ainda tentando fazer uma reflexão sobre as fases da vida. 

Acredito eu que sem muito sucesso. 

Pelo menos uma coisa é positiva nesses momentos: a sinceridade que me faz dizer coisas que, antes seria censuradas pelo filtro do bom senso, ou da vergonha social ou, melhor ainda, das prisões que nos impomos ou que outros impuseram sobre nós. 

E isso é o pior. 

Se a borboleta precisa passar pelo casulo para viver a liberdade do voar, o homem é atrasado pelas suas prisões, que podem impedi-lo totalmente de viver a liberdade durante toda a existência corporal. A liberdade que almejamos pode sim ser vivida de certo modo nessa vida, mas a sua perfeição se dá apenas na vida eterna, após a existência física, após aquilo que chamamos de vida (terrena).

Até lá estamos sujeitos a todas as mudanças dessa forma de existência, a todas as potencialidades do mundo físico, da existência corpórea. Até lá estamos sujeitos aos desejos mais profundos, ainda que os neguemos com veemência. 

A borboleta passa pelo casulo para se libertar, para o homem o casulo pode ser apenas prisão, visto que esse mesmo homem pode viver a vida toda sem nunca ser livre de verdade. Mas também pode se libertar de suas amarras, e viver relativamente livre, mesmo que preso aos seus desejos. 

O homem pode ser livre quando escuta, ou compõe, uma música. Pode ser livre mas geralmente escolhe por viver na própria escravidão. Seja na escravidão dos seus desejos ou na escravidão dos preconceitos que o rodeiam. 

Existe liberdade aqui? Não há exílio para nós, no mundo. Ainda que estejamos livres de nossas amarras ainda estamos presos as amarras dos outros. As correntes que nos aprisionam e que vêm de fora, que nos impedem de ser nós mesmos. Que nos mantém sob a luz do que é aceitável para os outros, ainda que seja absurdamente limitante para nós. 

E é isso. A vida é essa tensão entre prisão e liberdade. Entre a corrente de aço que nos aprisiona e o ar que nos leva a flutuar pelo alto céu. É essa tensão que marca a existência humana, entre a liberdade de ouvir uma música e a prisão de viver sob a égide de um preconceito que, mesmo na nossa intimidade, nos parece nossa vontade, mesmo não sendo mais do que a vontade do outro. Um casulo escondendo grandes e belas asas.

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