sábado, 28 de setembro de 2019

Das canções

Ficaram as canções e você não ficou...

Altos e baixos. Como uma música feita de sons e silêncio. Ela se acelera, diminui, cresce, desaparece. Minha vida é como uma sinfonia, única, complexa, em diferentes andamentos. Às vezes os violinos se sobrepõem aos instrumentos de sopro, e outras vezes eles se calam. O som pode ser melancólico, triste, reflexivo, ou pode ser uma marcha vigorosa, um fortíssimo, pode ter uma apoteose fantástica ou terminar num lamento que some no horizonte. 

Cada dia parece que se compõe um novo trecho. Sinto explosões de fúria, sinto-me envolver pelas ondas impetuosas do destino, ouço instrumentos incomuns e sons de dissonantes. Há martelos, xilofones, sinos de igreja, canhões e chicotes. É tudo meio inesperado, tudo muito complexo. Me demoro em longos solos de fagote ou viola, e me encanto com a força metálica das trombetas que convocam os mortos ao juízo divino. Choro com a triste melodia de um violino solitário num orquestra silenciosa. Escuto a história de vida de um clarinete que é engolido pela tempestade do mundo. 

Sinto, algumas vezes, que a música vai sumir, e ela silencia. Mas é só a pausa entre um e outro movimento, a música continua. Continua a sua maneira, talvez nem tão brilhante e nem tão forte como poderia querer que fosse, talvez não tão alegre quanto um scherzo, mas ela continua, calma, delicada num idílio ou lenta e novamente melancólica. 

A música tem esse poder, de nos envolver em sua atmosfera. Na última semana, na sala de concerto, enquanto ouvia os arpejos poderosos dos primeiros compassos do Concerto para Piano N° 2 do Rachmaninoff eu me senti transportar para um mundo diferente. Meus braços se tornaram leves e eu flutuei como aqueles acordes por além daquela sala, para as experiências do mestre russo. Depois do intervalo fui levado para uma viagem poderosa a Rússia de Shostakovich com sua 5° Sinfonia, arrebatado pela potência criativa desse gênio. 

E me deixo então levar pelas notas, que a partitura guie o que deve soar em meu coração como dita as notas de um instrumento que canta as dores do coração de seu compositor...

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Sobre aproximar-se do fim

Acordar cedo, tomar banho e ir para o trabalho. Chegar exausto de falar alto e de gastar a mente respondendo perguntas. Deitar desejando descanso e acordar horas depois não menos cansado. 

Ele nunca vai embora, sempre me puxa para baixo. E é sempre a mesma coisa. E onde está a força que deveria me fazer viver todo dia? Vivo no automático, faço porque tenho de fazer, mas não há absolutamente nenhum prazer em viver. A vida se tornou cinza e opaca, e até às artes perderam um pouco de seu brilho, muito embora ainda sejam a única coisa com cor em minha vida. 

Li uma novela romântica recentemente, e isso aqueceu meu coração, mas logo que olhei para o meu próprio mundo eu senti tudo se desfazer em cinza de novo. 

Onde está a alegria? Onde está a força? Onde está a razão para viver? Essas coisas existem? Como as pessoas conseguem viver cada dia sem desistir diante dessas dificuldades? Eu já não aguento mais...

Eu não quero mais essa vida, não quero mais isso para mim. É tudo cansativo, exaustivo. As pessoas sugam de mim algo que já não tenho. Não restou nada, sou somente uma casca vazia, uma máscara que anda pelo mundo sem vida, sem luz. Eu não quero isso, tudo que sinto é um vazio e dor, dor constante, que nunca cessa. Eu não quero mais viver, não quero mais me machucar. Me chame de covarde, chame do que quiser, palavras não podem ferir aquilo que já morreu. E eu já morri há muito tempo, apenas não fui enterrado ainda.

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

A ilusão do amor

O amor não existe. É coisa de filme ou livro. É coisa de quem quer vender história para homens que desejam esse amor. Para homens conscientes do vazio de sua existência e que pretendem preencher esse vazio.

Nos seduzem com uma promessa de companhia, de carinho, de conexões físicas e emocionais. Nos ludibriam com amores doces, com casais declarando seu amor incondicional com presentes e atos de afeto heroico. Nos enganam com beijos apaixonados, olhares afetados e grandes provas de amor. Tudo uma grande mentira encenada, contada, cantada, inventada. 

O amor é um desejo criado para sustentar uma indústria que move milhões. É sustentado pela desesperança de pobres coitados que, como eu, procuram encontrar no amor a resposta para sua existência patética quando, na verdade, não encontrarão mais do que a própria destruição. E o que dizem aqueles que nos venderam nada mais do que decepção? Não era amor verdadeiro! 

Não basta ser amor, tem se ser verdadeiro, incondicional, impossível. Querem nos fazer continuar perseguindo o amor mesmo depois das desilusões, mesmo depois das mais terríveis destruições. 

Essa coisa de amor não existe. É a maior mentira criada pra iludir os corações temerosos da solidão. É uma farsa de proporções faraônicas para impedir os homens de enxergar o vazio da existência humana.  Uma grande ilusão coletiva em que todos se recusam a olhar a realidade sangrenta e brutal de suas vidas para ver a pintura idílica dos apaixonados pendurada numa galeria ou na cena de um lakorn clichê, que termina com um beijo amoroso.

Ilusão.

E aqueles que já foram seduzidos pelo seu canto? E quanto a aqueles que já se acorrentaram no fio vermelho do destino? Aquele que fio que não se rompe, mas se embaralha de tal modo que praticamente destrói enforcando  aqueles que foram por ele amarrados?

Não existe fio do amor. Existe um nó apertado sob seu pescoço,que aguarda pacientemente o momento certo de tirar-nos a vida. Não existe amor. Não existe amizade, é tudo ilusão. Não existem amigos verdadeiros. Existe interesse. E interesses são passageiros, fugazes como o piscar de olhos. Não amamos verdadeiramente. Isso não existe. Apenas desejamos preencher de algum modo o vácuo existencial que há no âmago do coração de cada um de nós. Não há como explodir as mentes de todos para preencher esse vazio. Cabe-nos aceitar a desgraça da verdade de nossa existência solitária e nos contentar com as poucas experiências capazes de nos tirar do desespero que é encontrar a si mesmo na solidão escura. 

Estamos sozinhos. É isto.

sábado, 21 de setembro de 2019

Diáspora

Respondeu Jesus: "As raposas têm suas tocas e as aves do céu, seus ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça." (Mt 8, 20)

Me sinto só. Triste e sozinho. Aqui neste quarto quente e abafado, fechado pra sumir com as vozes da minha família, embora todos falem baixo e sem muita exasperação. Acho que quero eliminar todo e qualquer sinal de presença do outro. Meu eu precisa ficar só, mas eu não gosto disso. Não quero ver ninguém, mas não quero ficar sozinho. Acho que quero ver apenas um alguém, um alguém especial, sentir esse alguém, sentir seu toque, seu amor. 

Me sinto só. Triste e sozinho. O último capítulo de 2Moons que li me fez sentir péssimo. Todos tem alguém ao seu lado. 

Pha e Yo, 
Forth e Beam, 
Ming e Kit... 

Até os gatos de minha rua jogam na minha cara suas companhias com seus gritos desesperados durante a noite. Que comparação tosca! Lancei às favas a qualidade estilística! Mas de que importa a beleza do verso se a experiência por trás dele é as mais seca possível? Enfim, os gatos tem sua companhia, fugaz mas a têm, e eu, eu não tenho ninguém, e é patético me lamentar disso, ainda que seja o medo mais primitivo do homem.

Onde está?
Meu irmão sem irmã?
O meu filho sem pai?
Minha mãe sem avó?*

A humanidade desde o princípio temia a solidão. Somos fracos se comparados a outros animais, não temos presas poderosas e nem membros fortes pra correr ou lutar. A nossa única chance de sobrevivência foi a união. As pessoas foram então se unindo umas às outras, assim tinham abrigo e proteção, os mais fracos nos braços dos mais fortes. 

Mas eu me sinto só. Triste e sozinho. E sei que já deveria conhecer essa sensação que poderia abraçá-la como a uma velha amiga. Mas isso não é possível. Eu sinto que a cada dia estou mais distante de todos, e não consigo me levantar e dar um passo sequer para enfrentar isso. 

O mundo exige que eu seja forte, meus amigos me enxergam como alguém forte. Mas eu não sou, eu sou só um menino fraco e sozinho, que chora a procura de alguma mão para segurar e me dizer aonde devo ir e o que devo fazer. Só sinto o bater do meu coração, um turu turu que nunca cessa, um anseio que nunca diminui. 

O mundo exige isto de mim mas não há lugar no mundo para mim! Esta é minha eterna tormenta. Me sinto um refugiado em terras longínquas e desconhecidas. Não me lembro de onde vim e nem sei para onde vou. Estou perdido e sem sequer compreender a palavra daqueles que me cercam. 

Que dizem eles? 
Que há para mim neste exílio? 

Esta é, nesta noite solitária, a minha prece:

Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes
Embuçado nos céus?*

~

*Trechos de Diáspora, Tribalistas

Beirada

Pessoas são complicadas. Tão cheias de segredos, de entrelinhas, tão cheias de máscaras,

camadas, 
interesses, 
ódios, 
laços, 
sonhos, 
esperanças, 
medos, 
aprendizados, 
dúvidas... 

São tantos os detalhes que compõem uma pessoa quantos os são as combinações de elementos de seus corpos. Somos complicados. As vezes bons, outras vezes não. As vezes fazendo a coisa certa, outras vezes apenas tentando... Parece que alguns tem o dom de sempre fazer as escolhas erradas, outros estão sempre julgando as escolhas alheias... É complicado.

Não sei se quero entender as pessoas. Algo de mim quer desistir delas, de todas elas. Algo ainda quer lutar, ainda acredita que pode valer a pena. Mas o que eu espero das pessoas? Por qual motivo fico o dia inteiro olhando pra tela do meu celular? O que eu espero que aconteça? Quem eu espero encontrar? É uma vida vazia, esperar coisas de pessoas ocupadas com suas próprias realidades... 

Por outro lado eu me ocupo de mergulhar na ficção, onde a realidade é mais doce do que esta em que vivo, onde é mais fácil sobreviver. Os problemas dos outros sempre parecem mais fáceis de se resolver, quando o são ficcionais melhor ainda!

Mas ainda há esse embate dentro de mim. E pensar nisso me paralisa por completo. Duas forças que me puxam para lugares distintos, e nenhum deles me parece ser realmente um bom lugar. De um lado há as incontáveis decepções que é viver em meio as pessoas. De outro há o silêncio ensurdecedor da solidão. Nada disso é bom, e viver na beirada não é possível. Sinto que a qualquer momento eu posso cair...

E será que já não caí? 

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Da vontade

O calor causticante me sufoca, tenho tossido com frequência nos últimos e, não importa quantas vezes tenha passado por isso a minha resistência a essa época de seca não aumenta, a cidade fica barulhenta, as pessoas inquietas e o ar ataca minha alergia. 

Chego do trabalho com o corpo cansado e suado, deito para descansar mas só consigo me contorcer em agonia na cama, o vento quente do ventilador em minha direção e a cortina grossa filtrando o ar. É uma tortura. 

Nesse momento usando menos roupa do que o habitual eu olho com tristeza para o meu novo antidepressivo, ao lado de minha mão. Ele promete insônia nas primeiras semanas de uso, é o que dizia a bula, e eu tristemente penso que, no momento, tudo o que eu não preciso é de mais tempo acordado pensando em motivos e formas de tirar minha própria vida. Mas vida que segue, preciso de uma injeção de ânimo e ele promete fazer isso por mim. Não posso continuar vivendo cada dia com a bateria nos 10%, sempre a beira de um colapso de exaustão mental e corporal. 

Sinto falta da breve época em que tinha energia para sair três vezes na semana, dormir tarde e acordar cedo, sem prejuízo de ânimo durante o dia. Essa época realmente existiu? Meu cansaço é tão grande que me pergunto se essas lembranças não são uma invenção da minha mente. Talvez eu tenha desejado tanto ser assim que imaginei que era, quando na verdade nunca tive essa disposição toda. Passei da infância a terceira idade em poucos anos. Não sei dizer ao certo. 

Sinto falta de conversar com alguém até a madrugada, mas admito que minha disposição para isso também tem sido bem parca. A verdade é que tenho estado impaciente e preferido a companhia dos livros às pessoas. Triste, pois a carência as vezes bate e observo com tristeza que parte disso é culpa da minha incapacidade de vencer meu cansaço e sair para conhecer novas pessoas. Lamentavelmente ainda ando distante disso, o cansaço me impede de falar até com as que já conheço, quem dirá com as desconhecidas. 

Mas há algo em mim que sente que se aproxima o período de mudar as pessoas com quem convivo. Sinto que há muito minha companhia se tornou um fardo pesado demais para suportar e por isso me deixaram de lado. Sinto que há apenas um respeito pelo tempo que passamos juntos e nada mais, e que em pouco tempo também isso deve desmoronar. 

Tantos efeitos colateiras do meu estado mental calamitoso, incapaz de manter minhas relações saudáveis, minha vida tem sido um caos. Minha relação comigo mesmo e com o outro foram ambas destruídas por uma poderosa mão invisível, que colocou em minha mente as mais terríveis alucinações, me convencendo de que, na verdade, sou apenas monstro e que mereço a solidão. 

Oh, que malograda sorte. Suspiro então pela libertária disposição, pela força de viver que hoje me é apenas conhecida nos livros e nos olhares daqueles que mataram a minha vontade de continuar existindo. 

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Suplício

Já se sentiu como se estivesse no lugar errado, na hora errada, do jeito errado, vivendo a vida de maneira errada? 

É assim que me sinto, a cada minuto, de cada dia. É como se não fosse esse meu lugar, como se não pertencesse a esse mundo, como se não conseguisse me encaixar de jeito nenhum em canto algum deste mundo. Me sinto um E.T, um deslocado. E assim sou obrigado a viver, continuamente, como se não estivesse incomodado com isso a todo momento. 

Eu olho para as pessoas que me cercam, conhecidos, amigos, família, e não entendo quem são, não entendo o que querem, não consigo me conectar de verdade com nenhum deles. E parece que estão todos de algum modo conectados. Eu sou um pária. 

É um suplício fingir estar contente, fingir estar desesperado por não saber quem sou de verdade, por não saber qual meu lugar no mundo, por não entender como e nem o motivo de me sentir assim. É um suplício fingir que eu não quero sair correndo, gritando em desespero ensandecido.  

A sensação que tenho, e que pode muito bem estar errada, é a de que aspiro coisas mais altas do que o mundo que me cerca pode me dar. Nada pode me encantar na terra, já dizia Santa Terezinha, e faço das dela as minhas palavras. Nada pode me encantar, nada me desperta, vivo com o mesmo sem vontade com que o rasguei o ventre de minha mãe. E minha glória é esta, pensar nestas questões enquanto todos se divertem e vivem suas vidas sem com elas se preocupar. 

domingo, 15 de setembro de 2019

Centelha

De onde vem, essa energia que todos tem? De onde tiram essa disposição de estudar, trabalhar, sair e se divertir? De onde tiram forças? 

Penso nisso nesta de domingo em que sequer consigo sair da cama e, já tendo esgotado minha cota diária de convivência humana terei ainda horas de contato com os outros, sendo que tudo que mais queria era me trancar em meu quarto para nunca mais sair.

Eu mal consigo me manter de pé, levantar da cama todas as manhãs é um suplício, manter-me acordado uma tortura inominável. Não há em mim aquela luz que vejo nos outros, não há esse espírito vivo que faz todos sentirem-se vivos, em mim só há um abismo de desolação, um grande vazio que faz com que meu corpo, essa casca inerte e com apenas uma centelha de vida, seja como  o de um morto vivo. 

Queria ser como os outros, forte, vivo, queria ter aquele brilho no olhar. Mas, quando volto meu olhar para dentro de mim, só o que vejo é a escuridão profunda de uma noite sem luar. Só escuto um presságio de morte, um sibilar das vestes do próprio demônio a me rondar com seus tentáculos gélidos, esperando para me deixar a mercê de seu hades, devorado pelos vermes e sendo alimento para esta mesma terra que piso com tanta indisposição. 

sábado, 14 de setembro de 2019

Eletricidade

Ele estava bem perto de mim, talvez se estendesse o braço poderia tocar sua mão. Mas eu preferi me recolher, enquanto olhava-o brincar distraído com os dedos entre os lábios. Ele dirigia de maneira calma, quase como se quisesse aproveitar a paisagem ao nosso redor. Mas que paisagem? A noite tranquila não guardava em si nada de especial, mas talvez houvesse algo de especial nele. 

Olhei para sua mão, no câmbio, e fitei por um instante seu braço forte, as veias pulsando sangue com força e vitalidade. Ele era o oposto de mim. Meus braços finos e frágeis como graveto estavam cruzados em meu colo, em posição de defesa. Do que preciso me defender? Da onda de eletricidade que percorreu meu corpo quando olhei em seus olhos pela primeira vez naquela noite.

Eu nunca gostei de sentir esse tipo de coisa. Involuntariamente o meu coração começa a bater mais rápido por conta de alguns sorrisos, e isso me incomoda. Não gosto de ser vulnerável assim. Isso me torna suscetível a fazer tudo o que os outros querem. E isso não é nada bom. 

Tenho costume de agir de acordo com os desejos de quem gosto. Fragilidade. Isso me torna um covarde, incapaz de se posicionar com força sobre o que quer que seja. Parece que busco sempre a aprovação de algumas pessoas, e isso faz de mim fraco. Eu não deveria precisar da aprovação de ninguém. Mas continuo assim, sempre querendo opinião, moldando meu eu pelo eu do outro e isto não está certo, nenhuma coisa boa pode vir daí.

Mas lá estava eu, sentindo aquela onda de eletricidade percorrer meu corpo, e eu sem entender o que isso significava. Não, é mentira. Eu sabia, sabia e fingia não saber. Mas é melhor assim, o que não é dito em voz alta não existe e, dessa maneira, posso só esperar se dissipar aquela onda de eletricidade, até que não reste mais nada, até porque, não haverá mais nada. 

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Desilusão

Queria ser como os outros, que me cercam, que levantam cedo para enfrentar as dificuldades do dia, suportam o calor escaldante, aguentam os desaforos, usam seus músculos e ainda voltam para casa ao anoitecer, com energia para aproveitar a vida. Eu não consigo. Estou sempre cansado demais para fazer qualquer coisa além da minha mais estrita obrigação. 

Levantar cedo já uma dificuldade diária, e o meu corpo protesta a cada manhã. Trabalhar, de pé e falando alto sobre assuntos desinteressantes é um estorvo para o meu cérebro que se esgota ao fim de cada manhã para continuar lidando com os problemas do resto do dia, onde apenas me ocupo de receber passivamente algum tipo de conhecimento. 

Não tenho forças para me divertir. Invejo meus pais que, apesar do cansaço hercúleo e aparente não desistem da vida. Eu, por outro lado, vivo pois sou obrigado a isto. Não há nenhuma força interior que me faça querer ou ter gosto em viver. Até mesmo escrever essas palavras é para mim um esforço incômodo, tanto seria melhor continuar deitado, atônito a contemplar o teto branco de meu quarto, esperando a morte chegar. 

Isso porque não há mais brilho no meu olhar, aquela luzinha interior se apagou. Restou apenas uma casca, que continua vivendo, a contragosto, essa vida de sabores insossos, Vida sem graça, sem brilho. 

De onde as pessoas tiram razão para viver? Eu já procurei em todos os lugares e não encontrei nada que valesse de fato a pena de ser. Existir é um fardo, um fardo pesado demais para mim. Não sou como os outros que abraçam de bom grado suas existências e tentam dar o melhor com o que tem, se esforçando até o limite de cada um de seus músculos enquanto eu, apenas espero pacientemente a hora que chegue meu fim.  

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Confusão

Confusas, somos pessoas confusas. As questões do coração são complicadas, talvez seja normal ficarmos perdidos, como quem olha para um jardim cheio de flores pela primeira vez. As cores e formatos das flores confundem mas, aos poucos, vamos percebendo essa ou aquela rosa que nos chama a atenção, e então nos fixamos num ponto, num perfume, numa pétala que seja mais bonita que as outras. Há certa beleza nessa confusão. 

Você é esse jardim que contemplo com estupefação, um jardim secreto repleto de belas flores que me causam profunda admiração, mas também me deixa confuso. Você me deixa confuso, nunca sei o que você quer que de mim, nunca sei quais são as suas intenções. 

Entrei onde não soube e quedei-me não sabendo. Fico abobalhado, olhando para você enquanto espero que se dê conta da confusão que se passa em seu coração e que transparece em seu olhar. Sim, eu vejo. Vejo a confusão do seu coração e que você se nega a dizer que sente. Mas eu vejo que você é como um rio de superfície cristalina que esconde uma poderosa correnteza em seu interior. Um assassino de coração quente e afetuoso. Um perigoso assassino que aos poucos me atrai para sua armadilha, mesmo sem saber.

Confuso, você é um homem confuso, e as questões do coração são complicadas. Mas eu estou aqui, e só queria que você me desse uma chance de mostrar a você como posso fazer você feliz, como posso fazer você entender essa confusão que há aí em seu coração. 

terça-feira, 10 de setembro de 2019

Fim de tarde

Todo fim de tarde ele passa, sozinho e azul em sua bicicleta, na minha porta. Me cumprimenta com um sorriso tímido e segue seu caminho. Para onde? Eu não sei, me parece distante... Distante, todos distantes, todos seguindo seus caminhos, sem nunca parar, sem nunca ficar para um café. 

Eu me sento debaixo do alpendre, todo fim de tarde, para vê-lo passar, para ouvir aquela voz fraca, de quem faz mais esforço na vida do que deveria. Ele tem um olhar profundo, de quem precisou amadurecer cedo demais, mas que ao colocar a cabeça no travesseiro a noite consegue dormir bem. E todo fim de tarde eu fico ali, debaixo do alpendre a pensar, para onde ele vai? Quem ele encontra quando chega em casa? Será que tem alguém esperando por ele lá? 

E talvez esse seja meu erro. Esperar todas as tardes por ele, esperar por todos que sempre passam por mim e seguem seu caminho, sem nunca olhar para trás. Talvez meu erro seja esperar demais e acabar deixando as coisas passarem, por estar atento olhando para o lado errado. Mas sabe, aquele sorriso tímido é tão lindo que eu não me importaria de perder mais um ou dois anos de minha vida esperando por ele...

Incompreensões

Peso. O fardo de ser alguém que não se é. O fardo de ainda não ter descoberto quem se é verdade e o que se deseja dessa vida. É um fardo, um desespero como diria Kierkegaard, descobrir e individuar-se. É uma dor. Pois é nessa dor que aos poucos vou descobrindo que sou, num processo de individuação. Na comparação com o outro, na diferenciação, no confronto, no criar laços com aqueles que me cercam. 

É de fato um peso enorme, sufocante, sentir que acordo todos os dias e que vivo uma vida que não me pertence, que não responde aos meus anseios. Me sinto numa vida baixa, sem as grandes questões as quais aspiro entender. Me sinto sozinho e perdido num mundo que não entendo e que não consegue me entender. 

Mas o que mais posso fazer para minha individuação? O que mais posso fazer para ser eu e não esse simulacro de eu, esse eu falso? 

Me sinto não mais do que uma boneca de trapos, sem voz, sem personalidade, sem saber quem sou, sem eu. Isso é dolorido. Ao meu redor as pessoas não parecem preocupadas com isso, estão todas seguras de si, sabem quem são, o que querem, compreendem onde estão... Mas eu não, eu estou perdido num oceano de contradições impetuosas que me volvem de um lado ao outro num ciclone de impiedosas incompreensões. 

Me sinto preso num corpo que não é meu. Vivendo uma vida que não é minha. Uma existência opaca, triste, vazia. O que eu quero de verdade? O que eu desejo no íntimo do meu coração, tão no fundo que nem eu mesmo sei o que é? 

domingo, 8 de setembro de 2019

Um novo amor

Coração entristecido, pelo primeiro amor não correspondido. Coração aquecido, pelo novo amor que chegou, e chegando ali se instalou, criou raízes profundas e fez abrir novamente o sorriso que havia se fechado. 

"Você fica mais bonito quando sorri. Seu sorriso é lindo." Palavras que ficaram marcadas no coração daquele jovem, ainda confuso, que acreditava que seu destino era ser rejeitado por todos. Já estava habituado com a rejeição, ninguém o queria por perto. Mas um dia isso mudou, e ele encontrou alguém que fez seu coração bater mais forte de novo e acreditar, acreditar naquele amor que ele vira morrer anos atrás quando fora rejeitado pela primeira vez, quando lhe devolveram seu presente, quando recusaram o seu beijo mais sincero. 

Seu primeiro beijo seria anos mais tarde, com um homem que ele conhecera algumas horas antes e que, em pouquíssimo tempo mudou sua vida, virando seu mundo de cabeça para baixo. A festa diferente, a música e as bebidas, a dança descontraída, a diversão que ele acreditava ser imerecedor. A companhia de alguém que não julgaria seu ser, uma conversa sincera e, finalmente, seu primeiro beijo, dessa vez com alguém que fazia seu coração bater mais forte, de maneira confusa, um sentimento novo, confuso, mas um sentimento que deixou seu coração quentinho.

Meses mais tarde a decepção da traição. Traição? Fora apenas um beijo. Não é como se estivessem namorando. Mas vê-lo beijando outra pessoa e depois indo para maiores intimidades... Doeu, doeu como se tivesses suas entranhas sendo arrancadas de si. Decidira fugir, para longe deles, onde não mais visse nada que lhe causasse aquela dor. Não era bem vindo ali.

Mas, quando ia embora, uma voz o gritou. Aquela voz e, naquele momento, é como se nada tivesse acontecido. O perdão viera no momento em que ele gritara seu nome em pedido de desculpas. 

- Você ainda me quer por perto? 

E um abraço sincero é a resposta capaz de juntar todos os caquinhos partidos daquele coração que começava a descobrir o que é o amor. 

Futuras reflexões

Alguns trechos de reflexões que encontrei por aí. Todas eles serviriam como ponto de partida para reflexões ainda mais profundas. Todas tem uma potência sugestiva muito grande, o que me faz entrar num estado de reflexão profunda que beira a loucura, mas ainda assim é algo bom. Quem sabe algum dia eu me sinta confortável em me aprofundar em cada um deles...

"Oscilando entre o cansaço mental e o desânimo existencial."


"Existe um vazio bem no âmago de nossas almas. Uma imperfeição fundamental que tem assombrado todos os seres desde o primeiro pensamento. Em um nível primitivo, o homem sempre esteve ciente da escuridão que mora no núcleo de sua mente. Temos procurado escapar desse vazio e do temor que ele provoca, e o homem procura preencher esse vazio." 

(Hideaki Anno)

"eu te amava tanto
que quando você me fazia mal,
quem pedia desculpa era eu..."

"Você nem faz ideia do quanto eu chorei pra chegar nessa versão de mim que consegue te olhar e seguir minha vida. Por mais dolorosos que sejam, amores caóticos, não duram pra sempre no peito. Eu me recompus."


"Meu erro é achar que tudo significa algo mais do que realmente é.
na verdade, nem sei direito o que tô sentindo
só sei que tem a ver com você."
[soulstripper]

sábado, 7 de setembro de 2019

Sobre gostar de ler

"[...] é óbvio que não se pode gostar de ler, é anormal gostar de ler. Você tem que ler aquilo que te interessa. A ideia de gostar de ler é um conceito errado. Ninguém gosta de ler. Tem coisas que você quer saber. Você está lendo a estória do Sherlock Holmes, está gostando de ler? Não, é porque você quer saber a estória, você está seguindo a estória, não está pensando na leitura em si. Gostar de ler não é natural, não é bom gostar de ler. É o desejo de saber. O ler é meramente instrumental. É que para um ler o outro tem que contar uma estória. Só um idiota pode gostar de ler. Se tiver um outro jeito de saber é melhor. Ler cansa os olhos, é um negócio chato para caramba. Mas o fato é que não existe outro jeito, e então você vai ler aquilo lá." 

Olavo de Carvalho

Vida e existência

Dê-me a penumbra de um quarto e uma melodia, e poderei fazer poesia até amanhecer o dia. Momentos como esse são bons para refletir, pensar em questões, grandes questões... 

Vida. Essa vida que me foi dada como dádiva divina. Não sei o que fazer com ela. Dou a outro alguém? Ninguém parece querer essa vida, nem mesmo eu. Me sinto ingrato, negando o que me foi dado de bom grado... 

Não quero beber hoje, prefiro o efeito de um benzodiazepínico. Não quero perder o controle, quero uma consciência mais aberta a sensibilidade que essa escuridão esverdeada aflora em mim para refletir. A música, a escuridão, o vento do ventilador. Tudo me faz pensar na grandiosidade do mundo lá fora. Mundo que me traz tanta dor, que me faz me perder em meio a minha existência, que me faz rir e sorrir em algumas alegrias, mundo que parece brincar com meus laços consumidos pelo tempo...

Existência. Tantas questões que delas surgem. Tantas perguntas e tão poucas respostas. Eu não entendo, não sei porque estamos aqui. Qual a razão de nossas existências? O que devemos buscar? O que devemos encontrar? Me sinto como um buscador que nunca cessa de procurar. Mas eu não sei o que eu busco, como saberei quando encontrar?

O que é existir? 
O que é estar aqui? 
Para que é que estamos aqui? 

Laços. Parecem ser a resposta pra tudo. Mas eu não consigo criar laços verdadeiros. Me sinto distante das pessoas mais próximas. Parece que não há lugar no mundo para mim. Nenhum laço, nenhum relacionamento verdadeiro. Tudo parece falso, trivial, superficial, passageiro, pueril... Nada permanece, tudo se vai com o tempo... 

Tempo. Leva consigo minhas dores, e me traz novos amores. Parece ser o deus que tudo rege, parece ser o destino que me guia para um futuro que desconheço e não consigo vislumbrar. O caminho que percorri, onde cheguei e onde chegarei, é tudo um mistério do tempo. Tudo o que eu sei é que ele leva a traz pessoas o tempo todo, e não sei mais o que fazer com essa permanente inconstância do tempo. 

Dor. Tanta incerteza me deixa em desespero. Me vejo perdido sem entender o que acontece ao meu redor. Sou como uma boneca de trapos nas mãos de um destino que não entendo. Isso dói. As pessoas vem e vão, deixando sua marca no meu coração. 

Alegria. É uma fagulha, pode acender um grande incêndio que aquece meu coração mas destrói tudo por onde quer que passe. Parece que não há alegria sem que paguemos um preço alto por ela, e esse preço é a dor que se segue. 

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Minha paz

Agora eu entendi. Estava bem na minha cara o tempo todo e eu não conseguia entender. Em todos aqueles dias, em que me olhava no espelho e era como se não em reconhecesse, era o meu íntimo que estava apodrecido, fechado. Me sentia triste e com isso nada no exterior era capaz de me fazer feliz.

Não importa o quanto me olhasse no espelho, nada do que via ali me agradava de maneira nenhuma. Era como se aquele não fosse eu. Podia tentar sorrir numa careta de dor, podia pintar o rosto com maquiagem, tentar tampar a tristeza com várias camadas de base e iluminador mas nada adiantava. Aquele não era eu. Era uma garatuja entristecida. 

Eu me focava em observar a pupila dilatada durante as crises mas esquecia que ela não se limitava aos meus olhos, não, ela me cobria totalmente de uma máscara de dor e rancor. Ocupado demais com as paranoias que me enlouqueciam para notar que ela afetava tanto que eu nem sequer conseguia mais me reconhecer. 

O quão horrível são essas crises. E eu percebo agora, um pouco mais sóbrio daquele ópio que é mergulhar nos pensamentos loucos da minha mente distorcida. Percebo a diferença latente até mesmo em minhas palavras. Em meio a crise eu escrevo muito, meus textos se tornam longos e cada palavra fica cheia de dor, se espremer pode até sair sangue. Quando estou bem meus escritos ficam mais curtos, eu não tenho tanta dor a expressar, é como se secasse aquela fonte de sangue em que me banhava anteriormente. Mas é claro, o meu sangue parou de ser derramado, não há porque chorar, e sem chorar não há cartas de despedida a serem escritas. 

Não posso dizer que isso é ruim, afinal, se eu tiver de sacrificar o meu eu lírico para ficar bem eu o farei de bom grado. Ainda que consiga dizer coisas tristemente bonitas em meio as crises nada vale a minha paz. É como se eu finalmente conseguisse alcançar aquela luz lá no alto, aquela luz que brilha enquanto eu afundava cada vez mais ao fundo do poço. Por alguns instantes eu posso sair, sentir o sol acariciar meu rosto, me deixar aquecer, e isso é bom. Não se compara a frialdade da água, a escuridão do fundo do poço. Essa é minha paz. 

Totalidade

Talvez hoje seja uma sexta para beber sozinho. Quem sabe fazer uma maratona daquela série ou daquele anime. Pedir uma pizza e aproveitar tudo sozinho. Acho que hoje é um daqueles dias, fatídicos, em que devemos aproveitar a nossa própria companhia e sentir gratidão por esse momento. 

Não me sinto triste, longe disso, mas a verdade é que me sinto aliviado, quase contente, por estar só aqui neste quarto, vendo a penumbra verde que entra pela janela filtrada pela cortina fluorescente. Me sinto bem com a música macabra de Gorecki no player. Me sinto bem vendo o lado vazio da cama imensa ao meu lado.

A verdade é que eu queria uma companhia para esses momentos. Sei e reconheço isso. Admito minha carência que, em dias como esses, me faz desejar alguém. Mas também reconheço que, esse silêncio e a minha própria companhia, são também algo para se agradecer. 

Eu estou aqui, e mais, eu estou aqui por mim! Quando todos se foram, distraídos com seus divertimentos, com suas latas de cerveja e caixas de música, quando todos se foram, eu fiquei, e somente tinha a mim, minha própria companhia. A mesma que me acompanha neste fim de tarde frio.

Um brinde a ela então, a essa companhia solitária e silenciosa que se estende ao meu lado no vazio. Que sorri e chora junto comigo nas séries, que canta desafinada as mesmas músicas e lê cada uma das minhas palavras. Um brinde a solidão libertadora que me faz entender que, no meio de toda multidão, somente eu me tenho por completo, na totalidade do meu ser. 

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Desesperar-se

Desesperar-se é buscar ser a si mesmo. É despojar-se de tudo aquilo que é estranho, de tudo que não faz parte do eu e encontrar a essência, encontrar o eu verdadeiro escondido por detrás de todas as camadas de pensamentos, ideias e costumes estranhos. Essa busca é desespero.

Desespero porque esse encontramento se dá no conflito do outro. O outro que é recoberto pelo mesmo escudo consciencial que o eu, escudo esse repleto de todas essas camadas estranhas ao eu. No conflito, do embate desses escudos entre o eu e o outro é que vamos aos poucos polindo o eu, retirando todo o excesso de uma pedra bruta e encontrando a verdadeira beleza da singularidade perfeita: o eu. 

É desespero porque somente através da dor desses laços combativos é que chegamos ao eu. Porque somente no conflito o eu se revela. Ele se revela na dor. Os laços que nos ligam aos outros são todos repletos de dor, o atrito é a forja do eu, é no atrito que o eu se desnuda de todas as vestes que lhe foram impostas e que aparentam ser parte do eu, sem o serem realmente. 

Desse atrito vem a dor, o horror, o desespero, o medo, a paralisia, o rancor, o ódio e até mesmo o amor. Em dados momentos o eu pode vislumbrar o eu do outro e se apaixonar. Em dados momentos em que o escudo se abaixa é possível contemplar, por um infinito segundo, a beleza do outro que nos toca de alguma maneira. Ao subir novamente o escudo em nós fica marcado uma imagem do outro, impressão de sua alma e seu coração, razão da existência de nossas amizades e amores. Mas isso ainda é desespero, porque o não poder tornar a ver ou tocar o outro em sua essência é para nós motivo de tristeza constante e decepção absoluta. 

Quantas vezes já me detive sobre esse assunto, e quantas vezes ele torna a minha mente, me incomodando, sendo para mim causa de desespero. Quantas vezes ele se tornou a minha fonte de dor a jorrar em meu coração numa torrente de dor e langor. Quantas vezes não me desesperei ao ver, na tentativa de achar a minha essência, o outro e depois ser novamente levado a solidão de meu próprio escudo. 

Eis o desespero humano, a sua doença mortal. 

terça-feira, 3 de setembro de 2019

Da imensa pequenez

Abismado, atônito, contemplando o universo com estupefação e contrição. Esmagado pelo céu que se ergue por sobre minha cabeça me dou conta de que nunca poderei abarcá-lo, sequer segurá-lo sobre meus ombros como o Atlas. Observando então essa imensidão que, no entanto, não significa mais do que um grão de poeira na imensidão do cosmos eu me dou conta de minha grandiosa pequenez. Nada sou, não posso fazer de realmente grande. A menos que consiga explodir um mundo inteiro dentro de mim não há em mim nada de verdadeiramente grande. Sou pequeno, um nada que caminha sobre a superfície de um planeta de nada. Meu intelecto, que não é nada se comparado ao de tantos outros gigantes, é menos ainda do que nada. Qual a razão de ser? Se essa existência é tão ínfima, tão fugaz, não sendo mais do que um piscar de olhos para um deus... Qual a razão desta existência? E, no entanto, todos parecem acordar e viver suas vidas sem se dar conta de sua pequenez, de sua trivialidade. Não percebem eles que, perante o Universo, não são mais do que um pequeno grão que voa no vento para nunca mais ser visto novamente. 

A Invenção do Conhecimento

“Em algum remoto rincão do universo cintilante que se derrama em um sem-número de sistemas solares, havia uma vez um astro, onde animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais soberbo e mais mentiroso da ‘história universal’: mas também foi somente um minuto. Passados poucos fôlegos da natureza congelou-se o astro, e os animais inteligentes tiveram de morrer. – Assim poderia alguém inventar uma fábula e nem por isso teria ilustrado suficientemente quão lamentável, quão fantasmagórico e fugaz, quão sem finalidade e gratuito fica o intelecto humano dentro da natureza. Houve eternidades em que ele não estava; quando de novo ele tiver passado, nada terá acontecido. Pois não há para aquele intelecto nenhuma missão mais vasta que conduzisse além da vida humana. Ao contrário, ele é humano, e somente seu possuidor e genitor o toma tão pateticamente, como se os gonzos do mundo girassem nele. Mas se pudéssemos entender-nos com a mosca, perceberíamos então que também ela boia no ar com esse páthos e sente em si o centro voante deste mundo. Não há nada tão desprezível e mesquinho na natureza que, com um pequeno sopro daquela força do conhecimento, não transbordasse logo um odre; e como todo transportador de carga quer ter seu admirador, mesmo o mais orgulhoso dos homens, o filósofo, pensa ver por todos os lados os olhos do universo telescopicamente em mira sobre seu agir e pensar.”

Friedrich Nietzsche

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

De um sonho acordado

Não custa sonhar não é mesmo? 
Que talvez o céu azul claro que eu vejo 
pela janela do meu quarto 
seja sinal de que as coisas vão melhorar... 

Talvez eu possa sonhar 
que um dia se tornará realidade, 
e eu estarei deitado em algum lugar, 
olhando para esse mesmo céu azul claro, 
e ele estará ainda mais bonito do que hoje...

 Não custa sonhar. 

Não custa sonhar 
que o mundo seja maior 
do que a paisagem que eu vejo pela minha janela. 
Não custa sonhar que possa então ser maior 
do que possa contar as possibilidades de ser feliz. 

Talvez haja, em algum lugar aí fora, 
uma dúzia de pessoas me esperando para caminhar 
ao seu lado, 
assim como agora eu espero alguém para caminhar 
e olhar o céu comigo. 

Não custa sonhar, 
que um dia talvez eu possa 
beijar sua boca e acariciar seu corpo, 
como sua imagem acaricia minha mente 
cada vez que eu o vejo sorrir para mim. 

Não custa... 

Não custa sonhar com suas mãos 
firmes sobre mim, 
com seu hálito em meu pescoço, 
sua voz doce em meu ouvido. 

Não custa, 
por uma noite, 
só por uma noite, 
acreditar 
que ele possa ser meu 
e de mais ninguém. 

domingo, 1 de setembro de 2019

Conhecer

Amizade é querer as mesmas coisas e rejeitar as mesmas coisas. Foi o que disse o filósofo. Se ele tinha razão eu estou muito, muito distante disto. 

O que vocês amam? 
O que rejeitam? 
O que seriam capazes de sacrificar por aquilo que amam? 
O que seriam capazes de fazer em nome daquilo que acreditam? 
Quais são seus limites?

É uma missão complicada, quase impossível. Mas eu vejo pessoas que tem sim muito em comum entre si. Estou rodeado por elas, na verdade. Mas não tem muito em comum comigo. Não amam e não rejeitam as mesmas coisas que eu. Na verdade por esse lado eu sou único. Eu sou único ou só não encontrei pessoas semelhantes ainda? 

Talvez possa estar confundindo o ser com o conhecer. 



Como as flores

Somos como as flores naqueles simples florais,
Mesmo longe, a distância entre meu ser e você diminui uma vez mais.
Sendo que ser é ter...
Ter paz
Ter calma
Ter fé
Ter alma, 
Ou seja, ser a paz, a calma, a fé, alma
é esperar todos os dias, é lembrar da saudade até mesmo com o cheiro do café.
O cheiro te lembra o campo, o campo paz e a paz, é la.

Talles Caiubi

A dicotomia de um tratamento psiquiátrico

Vivendo, ou seria melhor subsistindo, sobrevivendo, nessa intensa relação cíclica da qual me tornei refém. Até que ponto posso priorizar minha saúde mental em detrimento de outras saúdes? Penso ser pertinente essa reflexão dado que nem só de tarja preta o homem viverá. 

Parece que tenho de fazer uma escolha: ou o mínimo de disposição ou a paz de não sofrer mais com as crises que me destroem. Os remédios que o psiquiatra parecem me manter sob certo controle, embora as paranoias ainda continuem parece que nenhuma tem o poder de desencadear uma crise grande. Em contrapartida esses remédios minaram a minha já pouca disposição para a vida. Tenho me sentido cada vez mais distante, às vezes até em estado quase catatônico, mas sem crises. Isso tem me afastado das pessoas, claro. O pânico social já não me afeta, mas a falta de disposição sim. 

Se não os tomo todo aquele horror das crises retornam, com mais força do que antes. Se não estou dopado até as situações mais bobas são suficientes para desencadear uma crise daquelas, que me deixa de cama por dias, ou pior, com marcas de cortes pelo corpo e uma profunda sensação de medo da existência. 

Com efeito eu não tenho estado em crise já há vários dias. Mas também não tenho tido disposição pra nada. Vou dormir às 22 horas e ainda assim acordo cansado, é como se meu corpo estivesse tendo sua vontade sugada. Chego cedo do trabalho e tenho disposição pra pouca coisa além de comer e dormir. Nem mesmo a leitura tenho conseguido fazer, e tem dois livros há mais de um mês na minha cama que provam isso. Nem sequer tenho conseguido escrever. Nada me vem a mente, tudo vazio, mas não aquele vazio angustiante, aquele sufocante, pesado, dessa vez é só isso, vazio. E nada mais. 

Devo fazer uma escolha? Não quero voltar aquelas crises, tenho estado bem demais para isso, e é algo que não quero arriscar por nada. Mas, por outro lado, também não quero essa sensação constante de esgotamento que tenho experimentado. É como se nada no mundo fosse brilhante o suficiente para me atrair a atenção ou para me fazer querer sair da cama. Temo que isso se torne outro problema, afinal o mundo continuará girando se eu ficar aqui deitado sem fazer nada. O tempo passará e então, eu me sentirei culpado por ver minha vida passando enquanto fico em estado letárgico em minha cama, ocupado demais em respirar mas não em viver.