sábado, 31 de dezembro de 2016

A última carta do ano

E como não poderia deixar de ser, a última carta do ano será escrita para você!

A história desse ano começou bem antes de 2015 acabar, bem antes mesmo. Na verdade, ainda na metade do ano passado eu já começava a dar indícios, leves, do que viria a acontecer comigo nesse ano. Não houve, porém, um início exato onde tudo se desencadeou, e se houve eu não consigo precisar quando foi. Só sei que, em dado momento daquele ano, eu me vi completa e perdidamente apaixonado por você...

Meu primeiro erro.

Ter permitido que algo tão absurdo assim crescesse dentro de mim foi o primeiro dos meus erros, e depois desse seguiram-se muitos outros ainda. Mas aconteceu. Fui arrogante em pensar que poderia te conquistar e com isso colhi os frutos amargos do meu plantio. Não pensei na diferença de idades, eu com 20 anos, você com 14, mas tudo o que eu conseguia era me deslumbrar cada dia mais com sua beleza idílica. E como se isso não bastasse, sua personalidade mostrou-se ainda mais cativante que sua beleza. Impossível seria se eu não me apaixonasse!

E eu me aproximava cada vez mais, ficava mais perto, mais íntimo, e nossa amizade crescia. Isso me deixou feliz. Mas desde o princípio eu sabia que isso não poderia ir mais longe.

E então quando tive a oportunidade de ir para longe, eu fui, eu fugi na primeira chance que tive de nunca mais o ver. Acreditava que dessa forma seria mais fácil de matar em mim o que sentia por você. 

Meu segundo erro.

Acreditava que a distância poderia sufocar o amor que a cada crescia e tomava mais espaço em meu peito. Mas o tiro saiu pelo lado errado. Cada dia mais distante eu só me sentia mais infeliz, e a distância passou a não ser apenas física, sentia que nossa amizade esfriava também.

Ainda me lembro quando retornei, para passar as férias com meus pais, e te vi pela primeira vez em tantos meses. Foi como não se houvesse passado um dia sequer, o sorriso e o abraço que me deu foram os mesmos de tempos atrás, nem posso narrar o quanto me senti feliz naquele dia, e provavelmente foi ali, naquele dia, que o veneno que me destruiu foi injetado de vez em meu coração.

Depois daquele dia, eu continuava acreditando que nada poderia mudar meu destino, e que nunca ficaríamos juntos, e tinha razão, e o destino reservava para mim uma surpresa. E eu vi uma luz no fim do túnel... Uma pessoa que, surgindo do nada, se tornou meu tudo. Ele começou a dividir com você os espaços do meu coração e dentro de mim eu já acreditava que ele era a solução para os meus problemas.

Mergulhei então de cabeça naquela relação que, num primeiro momento, me pareceu um presente de Deus. Na minha cabeça, ainda tão fechada em si mesma, aquela era a chance que eu tinha para ser feliz, e eu a agarrei com todas as minhas forças.

Meu terceiro erro.

Acreditando que com ele eu poderia me esquecer de você, eu abandonei tudo, os sonhos que eu tinha, meu futuro, tudo para ficar ao lado dele. E ele logo me deixou. Mas você conhece bem essa história. E sabe também o quanto ela me destruiu. 

E foi assim que eu fui da completa felicidade ao fundo do poço. Aquele abandono destruiu em mim tudo o que eu tinha, tudo o que eu era, e tudo o que eu sabia, como se minha existência até ali não tivesse sido mais do que uma casca. Depois dela, essa casca caiu e revelou o monstro grotesco que por baixo dela se escondia.

E então. já sem forças para resistir, pois todas as minhas muralhas tinham sido postas ao chão, eu acabei sendo acorrentado pelos sentimentos que tinha por você.

Eles cresceram, evoluíram de tal forma que já não podia mais controlar, tudo o que havia dentro de mim era rancor pela felicidade que me escapara, e amor por você, o mesmo amor o qual durante muito tempo eu fugi e me escondi, até mesmo na clausura de um convento, e que agora me acorrentava e urrava em minhas entranhas. E foi quando eu, já sem mais forças para resistir, abri a você meu coração.

Meu quarto erro. 

Aos poucos fui dizendo e demonstrando que os meus sentimentos tinham evoluído. Você os notou. Já sabia, sabia e fingia não saber, dos meus olhos, olhos que guardavam maldade e ambição.

Você disse que me amava. 

Eu sorri e meus olhos se iluminaram mais do que o sol a iluminar o mundo.

Mas não era da mesma forma como eu o amava...

Se antes eu havia chegado ao fundo do poço, agora eu tinha conseguido uma pá com minha grande amiga Samara e cavado ainda mais fundo, só para ali, naquela lama, eu enfiar a minha cara e chafurdar minha alma e meu coração na imundície do pensamento humano. 

Já não sabia, ou não queria, distinguir o certo do errado. E me entreguei completamente a todos os prazeres que há muito eu já havia dominado dentro de mim.

Meu quinto erro.

Acreditar que já tinha tudo sobre controle foi talvez o meu maior erro pois, o orgulho me cegava de tal forma que eu não percebia que cada vez mais eu jogava na lama as vestes brancas que eu tinha. Mas eu não queria saber de nada disso, e me entreguei a todos, acordando a fera que adormecia dentro de mim e a libertando de todas as suas amarras.

Conheci ainda uma terceira pessoa também esse ano. Provavelmente a melhor pessoa que conheci nos últimos tempos, e a única que realmente se importou comigo. Ou ao menos demonstrou, e tem demonstrado isso. Mas ele também não conseguiu fazer com que eu fosse capaz de te esquecer...

Nesse ponto, já havia chegado ao meu limite. Minha mente foi levada ao extremo dos extremos, não era mais capaz de suportar nada, nem mais uma luta sequer. E eu já estava prestes a cometer um erro irremediável, pois tudo o que eu queria era fugir de você.

Mas a vida nunca se cansa de nos surpreender, e foi ai que ela me enviou dois anjos, que me salvaram, e mesmo sem querer ou perceber, conseguiram me arrastar para longe de toda aquela escuridão. Eles mergulharam fundo no poço onde havia caído por conta de meu orgulho, e me puxaram para fora. Se não fosse por eles, muito provavelmente não estaria escrevendo essa carta agora. Devo a eles minha vida, sem mais.

No entanto, meu sentimento não morreu. Por certo ainda não, mas eu o aprisionei. Finalmente me dei conta do quão mal ele me fez nos últimos tempos, muito embora também pensar no seu sorriso fosse uma das coisas poucas que ainda me fazer ter vontade de viver. 

Viver.

Esse ano eu não vivi. Apenas me contentei com uma existência vazia e sem sentido que quase culminou na minha morte...

Mas eu vou voltar a viver. 

Eu vou sobreviver. 

E mesmo que daqui alguns anos eu continue amando você, eu já não viverei só por você, viverei por mim também, viverei de verdade, sem meias felicidades, sendo feliz por completo. 

Te agradeço por não ter me abandonado, mesmo quando eu merecia. Te agradeço por ainda ser meu amigo. Te agradeço por tudo e mais um pouco. Mas as coisas já não serão mais como antes. A partir dos próximos dias, um novo eu irá surgir e, mesmo sem saber onde essa nova existência irá me levar, eu quero acreditar que será melhor viver lá do que aqui.

Um feliz 2017!

Do homem que te ama. 

Do louco que te ama.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Luz, trevas e esperança

Luz

Ora, ora, ora... Será essa a última bad do ano? Ou 2016 se forçará até o último segundo como um ano de profundas coisas ruins?

Olha só pra mim agora... Quem diria que aquele garotinho contente do final do ano passado estaria no estado em que eu me encontro agora? Em pleno reerguimento depois de passar pelo pior inferno que eu poderia imaginar...

Agora eu me vejo aqui, não reerguido ainda, no alto da montanha, mas de pé, de frente para o lamaçal imundo por onde chafurdei nos últimos meses. Acho que ficar de pé já me ofereceu uma visão clara do lugar horrível onde estava. Quanto alívio encontro agora liberto daquelas amarras que me prenderam por tanto tempo...

Claro, não estou completamente livre delas ainda, mesmo que as correntes tenham caído ao chão, as marcas que elas deixaram no meu corpo ainda doem. São as cicatrizes da prisão onde estive, que continuarão ainda a me lembrar por muito tempo de toda a dor pela qual passei.

O saldo desse ano? Uma franja, três tatuagens e uma depressão. Provavelmente passarei uns bons anos ainda na terapia pra conseguir entender bem o que foi que me aconteceu, mas uma certeza eu tenho: não pretendo voltar mais para aquele inferno!

Nem tudo está resolvido, pelo contrário, somente comecei a resolver minha cabeça. Os últimos dias tem servido justamente para me ensinar isso, que ainda existem muitos monstros dentro de mim que merecem atenção. Meu exército interior ainda deverá lutar muitas e muitas guerras sangrentas. Será difícil, tenho certeza disso.

Mas o que vem a minha mente hoje é a dificuldade de viver e compreender o outro. Somos tantos e tão diferentes, e os embates entre nossos sensos de certo e errados são quase sempre dolorosos e sangrentos, o que é tão triste. Aqueles que deveriam guiar apenas conseguem se mostrar verdadeiros ditadores. Não passam disso.

Atualmente eu tenho encontrado dificuldade em insistir demais nas pessoas. Particularmente eu insisti tanto em pessoas que nenhum pouco se esforçaram por minha causa que não acredito mais que existam pessoas merecedoras de meu esforço novamente. Posso estar muito errado, e amanhã posso mudar de ideia, mas hoje, é assim que as coisas são.

Se quiser ir, vá. 

Se quiser voltar, também. 

Estão todos livres, e o meu amor continuará aqui, mas ele não mais irá sair o mundo correndo atrás de quem ele ama. Tudo muito complexo, admito, mas tenho tentado simplificar ao máximo.

Acontece que eu errei tremendamente quando forcei minha mente ao limite em insistir em coisas que não dariam certo. Um namoro que fracassou tragicamente, uma paixão não correspondida de anos atrás me levou ao completo caos mental, e toda uma complexa rede de relacionamentos complicados na igreja que levaram o limite da exaustão.

As crises se tornaram cada vez mais frequentes. Nessas crises, choro, desespero e o ar que me fugia dos pulmões. No papel, uma folha de diagnóstico onde se lia "Distúrbio Misto de Depressão e Ansiedade." Que coisa linda, não? Esse foi o resultado, o resultado de um exagero, são os frutos que hoje coleto da minha alucinada insistência.

Por isso de agora pra frente eu preciso ir mais devagar. E diminuir a velocidade foi o que eu fiz, pois já não era capaz de continuar daquela forma. Agora eu entendi que preciso pegar leve. Preciso ir com calma em tudo o que faço, pois qualquer coisa que eu faça com exagero pode significar o fim de minha mente que debilitou-se por culpa de meu desvario. Ela merece isso. Merece que eu dispense a ela um pouquinho dos cuidados que neguei durante tanto tempo, e que agora já sinto os resultados em meu corpo.

Mas em toda luz há também escuridão, nem tudo são flores, nem tudo são amores, e eis que o pêndulo do grande relógio do destino continua a bater, e com isso, o mundo continua a girar e as coisas, tanto as boas quanto as ruins, continuam a acontecer.

Escuridão.

No fundo da minha alma eu ainda escuto aquela fera que habita dentro de mim. O pavor, o desespero ainda quer sair, quer se libertar.

Dentro de mim ainda há algo que anseia pela dor, pela desesperança, pela morte. Mesmo que lute contra isso eu ainda desejo o medo, eu quero desesperança, eu quero voltar ao nada. 

E então minha consciência se tornou o campo de batalha de dois dragões. Um deles quer a vida, quer continuar a lutar e a crescer. O outro quer desistir, quer morrer. E eu não sei qual dos dois tem ao certo poder sobre mim. Ora é um, ora é outro. Mas ainda há sombra e trevas dentro de mim. Não há como negar essa realidade e fazer isso seria outro erro, dessa vez fatal.

Passei então a me policiar mais, evitar ocasiões em que o dragão negro possa ficar mais forte, fazendo com que eu tome alguma decisão precipitada. 

Busquei mudar minha forma de viver. A partir de agora, como tudo se tornou cansativo e perigoso, eu tenho buscado me refugiar em algum campo, ou porto seguro, onde mesmo passando por fortes tempestades, consiga sobreviver. 

Sobreviver...

Nunca me agarrei a uma palavra tanto quanto a esta. Antes estava preso a palavra "Amor" mas acho que já vimos bem onde isso me levou. Agora preciso apenas sobreviver. Continuar a viver, sem permitir mergulhar novamente naquele oceano em que estava. 

Quem sabe se continuar a lutar eu consiga voltar a voar para aquele céu estrelado com que um dia eu tanto sonhei...

Preciso continuar a viver. 

Preciso continuar a existir. 

Preciso continuar a ter esperança!

Esperança!

Créditos na Imagem

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Até quando?

E quando você já se cansou de ficar explicando para todo mundo os motivos pelos quais você não está bem? 

Você já está cansado de ficar repetindo que ansiedade e depressão são DOENÇAS, e que ninguém escolhe ser assim, muito menos continuar assim... Há quem pense que isso são sentimentos exagerados, mas sendo uma doença, precisa ser tratada, no médico, e com medicamentos. 

Palavras nem sempre ajudam, mas quase sempre pioram. E pioram muito!

As vezes não precisamos ouvir "Não fique triste, seja mais feliz..." ou coisas do tipo, mas sempre precisamos de uma conversa bacana, um papo simples, sobre qualquer coisa. As vezes precisamos de um amigo bobo, que mande nudes, que mande áudio de 4 segundos dizendo nada com nada, que deixe a conversa fluir pra falar desde a epistemologia da matemática até os looks da Anitta, que sorria por conta de piadas bobas. Ser amigo e conversar com um amigo não é uma entrevista pra um emprego ou numa rádio política, é ser dinâmico, espontâneo. Ta feliz? Bora compartilhar! Ta triste? Bora dividir, tentar se ajudar... Ser amigo é mandar foto do que ta comendo, ser idiota as vezes, deixar transparecer seus preconceitos, seus medos... 

Mas parece que as pessoas não estão mais dispostas a serem amigas. Não tem mais interesse.

E é ai que a gente, que transpira interesse no mundo, encontramo-nos entristecidos por vivermos num mundo onde somos chatos demais. Acabamos virando pessoas grudentas, carentes, só porque as outras pessoas não querem mais se interessar em nada.

Ninguém mais manda mensagem idiota de madrugada, com uma enxurrada de emojis só pra perturbar, porque quer ver o outro sorrindo ao saber que pensamos nele aquela hora.

Ninguém mais reage. Se puxamos assunto, a conversa flui, mas se por um momento esquecemos, deixamos pra lá, deixamos de ser importantes.

Acontece que nem sempre estamos dispostos a ir atrás. As vezes somos a pessoa sentada numa pedra na praia, olhando a lua bater no mar e tomando uma coca gelada. Mas não queremos ficar ali, sozinhos com a luz, queremos alguém pra dividir a coca na luz da lua. 

Não precisa ser um namorado fofo, nem um amante fogoso e incessante. Precisa ser apenas amigo, companheiro, irmão. 

Passamos o ano inteiro pisando uns nos outros. Falando mal uns dos outros. Desejando o mal uns para os outros. E aí, ficamos de abraços e desejos de "felicidades" nas confraternizações. Não quero esse tipo de amizade, não desejo ficar perto desse tipo de pessoa. Se eu não gostava de você em agosto, não vou gostar de você agora, e não vou querer me confraternizar com você, tampouco. Igualmente, se gostava de conversar contigo até as 4h da madrugada de fevereiro, ainda vou querer fazer o mesmo, ainda que tenha de levantar cedo amanhã. Ah, vamo virar logo de uma vez, ai depois a gente toma um red bull e segue o dia!

Podíamos viver o ano todo como se fosse dezembro, pensando nas coisas erradas, tentando melhorar no futuro, sem esperar 12 meses para isso.

Até quando vamos continuar falando só quando algo nos interessar numa pessoa? É um saco só poder falar com quem se quer pegar. Isso é irreal, pois quando passa a pegação, não sobra amizade, não sobra mais nada.

Onde foram parar as pessoas que reclamam do calor como se você pudesse fazer algo para melhorar? Onde estão as pessoas que querem ir pra praça falar bobagens as 23h de uma quarta? Onde foram parar as pessoas que querem se divertir, conversar e brincar, sem necessariamente querer te beijar e te levar pra cama? Será que nos esvaziamos tanto que nos reduzimos a caçadores de sexo? 

Vejo mais prazer numa companhia verdadeira. Se acontecer algo, beleza, mas não é minha prioridade.

As vezes a gente ta tão cansado dessas convenções sociais que nos deixam abobados frente um mundo de interesses, que parecemos nos afastar de tudo e de todos... Claro! É compreensível que num mundo de pessoas superficiais, aqueles que vivem nas profundidades do sentimentos ficarem de fora...  

Mas precisamos mudar isso, e rápido, ou corremos o perigo de nos tornarmos pessoas frias e vazias, que na internet compartilham momentos felizes e alegres, mas que na realidade vivem mergulhadas num pântano de dor e tristeza, e isso não é vida!

Preguiça

Orgulho

Gula

Luxúria

Ganância

Ira

Inveja

Preguiça


"A Igreja Católica apresenta a preguiça como um dos sete pecados capitais, caracterizado pela pessoa que vive em estado de falta de capricho, de esmero, de empenho, em negligência, desleixo, morosidade, lentidão e moleza, de causa orgânica ou psíquica, que a leva à inatividade acentuada. Aversão ao trabalho, frequentemente associada ao ócio, vadiagem. Do latim prigritia."¹

A preguiça é  comumente vista como um pecado que não causa males. Geralmente atribuída apenas ao ócio, a preguiça é considerada mais "leve", do que os outros. No entanto, depois de conhecer mais a fundo esse pecado, percebi que ela é sim, tão horrível quanto qualquer um dos outros, não deixando nada a dever para a Ira, por exemplo.

Ela é vista (por mim) como um grande homem, forte e vigoroso, mas que se recusa a mover-se em qualquer direção. A preguiça é o pecado da comodidade, seja física ou espiritual, que nos impede de qualquer ação por conta do medo da reação que terá nossa movimentação.

Por conta dela os espirituais não conseguem evoluir, por acreditarem já estarem bem adiantados na fé e por isso não precisam mais evoluir. Qualquer coisa que vá além do seu habitual já é considerada um esforço demasiadamente grande demais para surtir qualquer efeito em troca, sendo portanto melhor, mais cômodo, mais agradável, permanecer onde se está.

Num primeiro momento, a preguiça pode ser vista como um pecado que induz a imobilidade, mas não o é de fato. A preguiça na verdade nos leva de volta ao ponto de partida, não para nos permitir um recomeço, mas apenas para ali nos acorrentar, nos impedir de caminhar e evoluir.

É o pecado da carne, da comodidade, da névoa, da corrente.

Ela inebria nossos sentidos com uma visão entorpecida de que continuar do jeito que está é melhor e com isso deixamos as oportunidades, as graças, passarem. E depois que começamos a perder, ela começa a se alimentar daquilo que já havíamos conseguido. Se antes dormíamos oito horas, agora dormimos dez, e ainda achamos pouco. Com frequência ela domina seus servos de tal modo que eles morrem de fome por não mais conseguirem se levantar. É o que ela faz a todos que a ela se entregam.

Visualmente menos mortal do que a ira, ou a luxúria, por exemplo, mas tão devastadora quanto elas, por ser silenciosa. É com efeito o mais silencioso dos pecados, pois mata vagarosamente sua presa. Mas não o menos cruel.

Assim, aquele grande homem controla uma névoa poderosa, que domina suas vítimas, impedindo as de se moverem, por não saberem mais onde estão, nem para onde se vão. Depois disso, ele as acorrenta, impedindo assim que ela saiam por ai, tateando as cegas. Quando finalmente conseguem se livrar dos efeitos entorpecedores da névoa, se vem aprisionados em grossas correntes, que os torna incapazes de se mover ou de darem qualquer passo que seja.

Já não conseguem mais andar ou comer aqueles que foram capturados pela preguiça. Se tornaram seus escravos. E se tentam escapar de suas grossas correntes, são por elas grossamente golpeados, e retornam ao desmaio de seus sentidos.

A preguiça avança silenciosamente por debaixo dos pés sem que ninguém note sua presença. É próprio dela agir sem que percebam, e quando percebem, já estão completamente dominados, não tendo mais chances de escapar.

A preguiça mina as forças, podendo seu alvo ser o mais forte ou o mais veloz dos homens, que mesmo assim, cairá antes seus pés adormecido, frágil e incapaz de voltar a lutar. É por isso um pecado de incapacidade.

Incapacidade...

Aqueles dominados por ela já não se sentem mais capazes de realizar nada. Apenas querem continuar deitados, esperando o momentos de suas mortes, aguardando o momento em que finalmente poderão descansar eternamente. É um pecado triste, pois olhamos o mundo e temos vontade de conhecê-lo, mas já não temos mais as forças necessárias para isso. Olhamos aqueles que se deixaram dominar e vemos que já não tem mais disposição para viverem. É triste.

Não tem mais força pois aquele gigantes as sugou para dentro de si, sendo assim incapaz de gerar novas forças por vontade própria.

Quando tentamos escapar, é que ela mostra sua verdadeira força. Aquele grande homem que esteve parado até agora se mostra terrivelmente forte, capaz de imobilizar mil leões de uma só vez. É também capaz de correr mais rápido que qualquer homem, pois aqueles que quase conseguem fugir são rapidamente capturados por ela e postos de volta a suas prisões.

É o pecado que aprisiona o homem dentro de si mesmo, transformando-o numa pedra. Sem vontade de viver, de divertir-se, de realizar. Apenas quer descansar, sem saber que na verdade caminha para uma morte lenta e cruel.

~

Nota: 1. Fonte: Católico orante

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Ira


Orgulho

Gula

Luxúria

Ganância

Preguiça

Inveja

Ira

Segundo uma definição que encontrei na internet, "a Ira é o intenso e descontrolado sentimento de raiva, ódio, rancor que pode ou não gerar sentimento de vingança. É um sentimento mental que conflita o agente causador da ira e o irado. A ira torna a pessoa furiosa e descontrolada com o desejo de destruir aquilo que provocou sua ira, que é algo que provoca a pessoa. A ira não atenta apenas contra os outros, mas pode voltar-se contra aquele que deixa o ódio plantar sementes em seu coração. Seguindo esta linha de raciocínio, o castigo e a execução do causador pertencem a Deus."¹

Partindo então dessa definição eu hoje escrevo como um homem que deixou-se controlar toda e completamente pela ira.

Tudo estava silencioso. Mas o silêncio não era sinônimo de calmaria, pelo contrário, guardava em sua névoa ensurdecedora um grito poderoso, capaz de acordar até mesmo as mais assustadoras feras que se escondiam nas profundezas do ser e do pensamento.

E aquela fera adormecida, que jazia esquecida pelo mundo, agora uma vez acordada, somente irá se satisfazer quando destruir tudo aquilo que um dia perturbou o seu sossego.

Um urro fantasmagoricamente ressoou por toda a terra, abalando as montanhas e causando maremotos que destruíam a costa. 

Os gritaram de pavor. As mulheres em desespero caíram em prantos. As crianças paralisadas de medo eram as únicas que olhavam atentamente a temível criatura enquanto ela destruía a tudo e todos que encontrava pela frente.

Seus dentes dilaceravam a carne das pessoas que atormentadas pelos uivos de dor de seus parentes e amados não conseguiam se mover. Todas eram apenas presas fáceis aquele monstro violento e poderoso que subjugava a todos com sua fúria.

Em poucos minutos cidades inteiras foram cobertas de sangue, os gritos deram lugar aos gemidos dos poucos sobreviventes que esperavam a morte enquanto jorravam a cor púrpura pelas ruas.

Deixando um rastro de destruição por onde quer que passasse, tudo o que resultava dali era o medo, a dor e por fim, a morte.

Depois de uma longa noite de dor e tormento, a criatura aos poucos foi sentindo-se sonolenta e frágil. Aos poucos recobrava a razão e abandonava seu lado animalesco, voltando aos poucos a sua forma humana...

Uma vez recuperado de seu desvario, ele olhou para trás e ao se assustar com a visão aterradora da destruição, olhou para suas próprias mãos, cobertas de sangue ainda quente.

Ele fora a causa de toda aquela dor, de todas as vidas que se foram como nada. Ele fora a causa de todas aquelas mortes.

De joelhos ao chão ele se deu conta de seu erro, de deixar-se dominar por seus instintos... Tendo agora controle sobre seu próprio corpo, ele poderia usar sua garra para algo melhor do que seria tirar todas aquelas vidas. De uma vez por todas ele poderia fazer algo bom. 

Usou suas garras para destruir sua própria garganta. Caiu sobre o chão frio, aquecendo-o com seu próprio sangue, que turvando sua visão de vermelho agora preenchia seu coração de satisfação, ao saber que não mais causaria dor a ninguém.

A ninguém.

A ira é a cor vermelha que domina a carne e a visão. Na verdade se baseia na carne para cegar a visão, como a maiorias dos outros pecados. Mas a Ira é absurdamente destrutiva. Enquanto a Luxúria e a Inveja destroem o homem de dentro para fora, a ira o faz partindo de fora. Faz com que a fera adormecida do homem desperte e assim destrua tudo a seu redor. 

Uma vez dominado pela ira ele mata a todos, sem mesmo se dar conta de que os ama. Apenas quer sentir a carne sendo dilacerada por suas garras e presas. No entanto, quando acorda de seu sonho ele percebe o que fez. Percebe a destruição que causou e se desespera. E nesse desespero a destruição que ele causou ao mundo volta-se completamente contra ele mesmo em seu interior, devastando assim onde suas garras não conseguiram alcançar.

Aqueles dominados pela ira se tornam um mostro sedento por sangue e acaba destruindo aos outros e por fim, a si mesmo. É o pecado da dor, da destruição, do horror. É o pecado dos monstros que matam até mesmo aqueles que amam. É o pecado das atrocidades, das aberrações.

A ira é a destruição que, dominando o homem, o faz objeto de sua própria força destrutiva. E a ira é aquela que, destruindo a tudo, por fim, encontra em seu receptáculo seu último alvo, destruindo por fim aquele que um dia destruiu em seu nome. 

Dies iræ! dies illa
Solvet sæclum in favilla
Teste David cum Sibylla!²
~

Nota: 1. Fonte: Católico orante. 2. Trecho inicial do Dies Irae, hino do séc. XIII usado na liturgia da Missa de Requiem. Tradução: "Dia da Ira, aquele dia, volverá o mundo em cinza fria,(será) David com a Sibila por testemunha!"

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

O mundo, meu mundo

Fechando os olhos e viajando para um mundo de fantasia... Um universo de sombras, cores e luzes escondido dentro de mim. Um lugar onde as pessoas comuns não podem entrar, um lugar onde somente a imaginação movida pelo coração pode dar acesso. Um lugar onde nada faz sentido, mas que não precisa de sentido para existir...

Ao abrir os olhos depois de uma breve viagem atravessando os umbrais que separam a realidade da minha fortaleza do coração eu me deparo com um mundo incrível. As coisas não possuem apenas as formas a que estou acostumado, apesar de que podem possuir, se assim eu desejar, mas essa não é a regra, e essa é a sua principal característica: não há regras, eu sou a regra! Aqui é um mundo onde a minha vontade é o limite universal para todas as coisas existirem. 

Posso criar um mundo tão complexo e vasto quanto a terra em que verdadeiramente habito ou reduzir toda a existência a apenas um átomo do infinito. 

Esse mundo, o meu mundo, é também marcado por essa dicotomia, por essa antítese, por esse paradoxo eterno. Ao mesmo tempo em que esse mundo existe apenas no âmago da minha alma, na profundidade do meu pensamento, esse mundo é tão real ou mais real do que a própria realidade, afinal, se minha mente é capaz de concebê-lo dessa forma e ele sendo limitado apenas por essa vontade, posso desejar que ele assim o seja.

Esse também é um mundo que muda constantemente. Não evoluindo. É muitas vezes destruído, 

remodelado, 

reiniciado, 

renascido, 

retocado. 

Nunca permanece o mesmo, muito embora exista por várias eternidades. Cada uma de suas existências pode durar um tempo infinito, ou pode não durar nada. 

Quem define isso também sou eu. 

Esse mundo é então também o lugar para onde os amplexos da minha consciência fogem para não se soltarem jamais. Lá, aqui, posso meditar sobre as desgraças e guerras do mundo, e também posso contemplar os quadros pintados por minha imaginação. Aqui, a cada novo amanhecer a minha mente se encontra em busca de uma beleza diferente. Assim como no mundo aqui de fora estamos sempre em busca de novas belezas e experiências que elevem nosso pensamento. Essa busca aqui só se diferencia por não estar presa aos limites naturais.

Posso me ver como o jovem franzino que sou. Como um valente guerreiro a lutar por sua amada ou como uma criatura mítica que vive as eternidades para atrair os homens distraídos que por aqui passem. Posso até me ver como uma entidade coletiva, sendo o conjunto de todas as existências que possa imaginar ou apenas não ser nada.

Aqui pode ser um lugar único, cheio de palácios de cristais rodeado por nuvens púrpuras onde o sol nunca se põe. Ou um templo grandioso onde possa olhar para sempre o brilho das estrelas no céu numa noite estrelada que nunca é ofuscada pelo brilho do sol, uma noite bela que nunca tem fim.

Mas as vezes esse mundo também entra em colapso. As vezes não consigo me adentrar dentro dele, isso porque não consigo perceber que já estou dentro dele. As vezes o exterior me aprisiona de tal maneira que não consigo entrar nele, mas quando percebe, já me perdeu para ele muito tempo atrás.

Aqui sempre encontro, no entanto, aquilo que quero. Muito embora o embate entre os lados da muralha, o lado de fora e o de dentro, as vezes me arranquem de forma violenta desse meu sonho. Um sonho de uma noite verão. Ou de uma tarde. Ou de uma manhã.

Gosto de fechar os olhos, ouvindo uma melodia suave e encontrar na minha frente uma tela que não poderia ter sido pintada nem pelos grandes mestres das artes. Uma realidade mais bela, mais perfeita que nenhum artista seria capaz de plasmar através das técnicas de criação do homem. 

E mesmo sendo um mundo inteiro de delícias, deleites e belezas, essa terra é apenas um rosto, uma expressão, uma pessoa.

Oh, muito suspiro por ti ao ver-te nessa imagem do universo. Mesmo sabendo não ser o real, mas apenas uma versão que habita os jardins do meu pensamento. Aqui corremos pelos montes com os filhotes de gazelas sentindo o ar fresco das montanhas em nossas faces, coradas pelo Amor. Aqui o Amor não é um sentimento, é uma pessoa, e habita este lugar desde muito antes de sua existência. 

Esse amor, esse amado, aqui existe, nesse jardim fechado, nessa fonte secreta, escondida de todo o mundo, sendo no entanto só em si mesma um grande e infinito mundo. 

Esse mundo é as vezes um único sorriso. Um gesto simples, porém de grande sentido. Outras vezes é um abraço tímido, que quase sempre indica um choque e um rompimento na muralha que separa esse do outro mundo, do mundo exterior.

Quando desse breve momento, os dois mundos se tocam, e numa fração de segundos eles se encontram, rompendo assim as regras que dizem respeito ao que existe ou não aqui ou no mundo lá fora. 

As vezes eu me pego caminhando aqui sozinho, olhando ao meu redor os belos montes cheios de campos floridos e belas montanhas repletas de pomares onde as vinhas em flor refletem sua beleza dentro de mim.

As vezes uma voz me questiona, ao me perguntar sobre aquele que reina soberano nesse mundo:

"Que é esse teu amado, mais que os outros?"

Não respondo por meio de palavras, pois num mundo onde a expressividade só é limitada pela minha vontade, posso me calar e mostrar esse mundo a voz do exterior que me pergunta isso.

É ai que faço que entendam como ele é único tanto aqui, quando no mundo de fora. Pois assim ele (não sei quem) consegue vê-lo (o meu amado) da forma que eu o vejo.

É só então quando o véu desse soberano é tirado. E sua beleza passa a resplandecer por sobre o horizonte do mundo, e sua luz chega a aquecer até mesmo os confins do meu ser. 

O mundo, esse mundo, não foi criado por ele, ele não é o criador, mas é o fim da criação, o mundo foi criado para ele. E ao contemplar sua beleza, o mundo se ajoelha aos seus pés, também admirado por tão grande beleza.

Por entre as nuvens púrpuras surge então o sinônimo da perfeita criação (minha). Aquele cuja beleza eu jamais conseguiria criar com minha imaginação. 

Depois de vê-lo, o mundo não mais consegue discutir comigo, nem torna a me perguntar:

"Que é esse teu amado, mais que os outros?"

Mas, pelo contrário, o mundo passa a compartilhar comigo desse amor. 

O mundo já o ama como eu o amo, e o mundo passa então a querer destruir a muralha que o separa de si. Já não quer mais que exista apenas na minha mente, no meu mundo, mas o quer para si, muito embora o tenha aqui, 

E então esses exércitos de loucos invadem o meu mundo e o tomam de mim. 

Mas eles não puderam perceber que não podem tomar o que pertence a esse mundo. Ao sair de minha presença, desfaz-se em areia este que existe apenas para mim, e o mundo não pôde tê-lo, não pode compreendê-lo. Ele volta para o meu lado, retorna para o meu mundo, onde, novamente coberto por seu véu, senta-se em seu trono para lá de cima observar a minha criação por toda a existência, por toda a eternidade. E daqui debaixo eu o observo. 

O observo sendo rei, 

sendo único, 

sendo belo, 

sendo amor, 

sendo meu.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Trocando coisas de lugar

"Nasceu-nos hoje um menino,
E um filho nos foi dado.
Grande é este pequenino,
Rei da paz será chamado.
Aleluia, aleluia."

(Hinário Litúrgico da CNBB - Nasceu-nos hoje)


Ah o Natal... época de alegria e renovação... Pra mim é sempre um tempo de repensar na vida... 

Como começamos as nos preparar para ele através do Advento, eu também começo a me preparar para o próximo ano numa reflexão mais pessoal. Não que eu acredite que realmente algo irá mudar magicamente apenas com a mudança dos números do calendário, mas é certo que de tempos em tempos temos temos o dever de nos reavaliar e mudar algumas coisinhas não é mesmo?

Pois bem, e é isso que tenho feito nos últimos dias, claro, com muito custo, afinal, mudar não é fácil, exige esforço e paciência, e nem sempre conseguimos mudar para melhor, ou não alcançamos os objetivos que tínhamos inicialmente. Mas é assim, nem tudo ocorre da forma como planejamos, mas gosto de pensar que tudo sempre ocorre da forma como deveria acontecer.

Não costumo fazer uma lista de planos para o próximo ano, pois me conhecendo bem eu sei que não a cumpriria de forma alguma, mas algumas coisas eu defino como prioridade. 

Por exemplo, a primeira mudança que entendi ser de grandiosa importância na minha vida é a de voltar a dar atenção a minha espiritualidade. 

Acho que, o tempo que passei no convento e a minha saída abrupta fizeram com que eu me afastasse da igreja. Não fisicamente, pois isso não mudou, mas espiritualmente. Eu estava lá, de corpo presente, como costumamos dizer, mas minha alma não estava, e não sei sinceramente por onde andou minha alma durante todo esse ano. 

Mas eu pude retornar aos pouquinhos, e a experiência de voltar de corpo e alma para minha mãe foi incomparavelmente a maior e mais importante de todas as mudanças que julguei serem necessárias. Eu percebi que já havia me esquecido. Me esquecido do significado da liturgia e do santo sacrifício do altar, me esquecido da Eucaristia e de sua graça santificadora, me esquecido da Penitência e da sua graça salvífica. Retornar, ao menos um pouco, à ascese que antes eu possuía e que havia perdido abriu-me as portas para as outras mudanças.

A segunda, e também profundamente significativa é justamente aquele que venho tentando fazer no meu interior, no tocante ao meu lado afetivo. Tenho tentado reorganizar a casa, como diz minha terapeuta. E pra isso, preciso trocar algumas coisas de lugar, jogar outras fora e ainda adquirir algumas novas. Isso significa experimentar, não novas experiências, no sentido estrito da palavra, mas experimentar novas formas de ver o mundo, a vida e as pessoas. 

Preciso então aprender, e essa mudança, fruto da primeira, é quase tão complexa quanto ela. Mas é necessário que eu consiga me rearranjar de uma forma que possa viver, mas viver bem, e não da forma grotesca em que me encontrava.

Quero dizer que preciso entender como sentir as coisas sem que isso atrapalhe minha vida. Amar sim, mas de forma saudável, e também racional, sem me deixar levar pelos agrestes escarpados e desconhecidos que me conduziram aos campos escuros e cheios de criaturas malignas a me espreitar. em que eu me encontrava, de onde agora procuro fugir.

Preciso entender e aceitar a complexidade dos meus sentimentos. Entender que nem tudo precisa ser conceituado para ser sentido. Amor, amizade, paixão, em seus conceitos são todas coisas diferentes, mas uma amizade pode conter muito de paixão e muito de amor, bem como podemos confundir a paixão com o amor... Dessas confusões nos vem os sofrimentos, e essa reeducação sentimental, por assim dizer, é uma das minhas prioridades.

Em comparação a primeira mudança essa é ainda mais difícil, pois trata-se de encontrar algo que ainda não sei o que é, enquanto na primeira, trata-se de retomar um caminho que já trilhava anteriormente. E eu já vejo os primeiros sinais de rejeição a essa mudança, bem como seus primeiros frutos.

Como disse, mudar requer esforço, e a rejeição a mudança é inevitável pois costumeiramente tememos o desconhecido. 

No sábado mesmo, véspera de Natal, eu passei muito mal quando dei de cara com aquela pessoa que ainda mexe muito comigo. Como somos amigos, não poderia de forma alguma me afastar, então dei início a minha reeducação sentimental ali. O resultado foi imediato, meu corpo se recusou terminantemente a encará-lo como um amigos apenas, e todos aqueles conceitos, amizade, amor e paixão, se chocaram violentamente entre si dentro de mim. Quase tive uma síncope. O ataque de pânico foi inevitável, bem como as lágrimas. Por sorte alguns amigos que estavam por perto se aproximaram a me ajudaram a recuperar a razão.

Não vejo isso como algo ruim, ou preocupante, mas algo bom. É sinal de que as coisas estão se realinhando. Ora, para se reorganizar a casa é preciso fazer o esforço de empurrar alguns móveis.

Isso é apenas o começo, das muitas coisas que ainda terei de aprender, mas já é um começo. Antes ter começado tarde do que tê-lo feito, acredito eu. 

E também não estou só nessa batalha. Isso pude notar também. Existem pessoas que se preocupam comigo e que mesmo sem querer ou perceber acabam me ajudando. E isso muito me alegra, ou ao menos conforta minha mente que tanto se sentia solitária.

Ainda não enxergo a luz no fim do túnel, por assim dizer, mas já não continuo parado no escuro, e mesmo que as apalpadelas, eu continuarei a caminhar. 

"Eu não vou ficar inquieta quando o chão me faltar,
Em meio a tantas lutas um pequeno lugar,
Pra me esconder do escuro quando a vela apagar..."

(Ir. Kelly Patrícia - Caminhar e cantar)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Lábios ensanguentados

Hoje não consegui me controlar, infelizmente, e as lágrimas que há muitos dias eu vinha segurando e contendo seguramente dentro de mim acabaram caindo pesadamente sob a minha face.

Você veio falar comigo, e eu não suportei a emoção que, de tão grandiosa dentro de mim, fez meu coração entrar em ebulição e transbordar mais uma vez em suspiros por ti.

Eu havia dito que não iria mais chorar, que nunca mais iria sofrer, não por você. Mas que tolo eu fui em acreditar que seria capaz de tal feito... Chega a ser engraçado, tragicamente cômico na verdade.

Enquanto nos falávamos, minhas forças foram tiradas de mim, e como Ícaro minhas asas foram derretidas por seu calor e fui lançado ao chão pela imponência de sua presença. Não conseguia mais controlar meus braços, me sentei para não cair, não suportaria ficar de pé num momento como aquele. Não sei como consegui continuar escrevendo, entre lágrimas e acenos de um grito de fúria que há muito vem se refugiando no meu peito... E a cada palavra sua era como seu eu fosse atingido por rápidos e poderosos golpes no estômago, que me tiraram o equilíbrio, o foco e a razão. 

A noite de hoje me trouxe a certeza de que meu amor por você continua poderoso dentro de mim. Hoje foi a prova concreta disso. A forma como me abalei ante a sua presença me fez pensar em várias coisas. 

Te agarrar e não mais soltar. 

Correr e nunca mais olhar para você. 

Me ajoelhar e chorar aos seus pés implorando pelo seu amor. 

Seu amor...

Seu amor...

Seu amor...

Só o que queria era, o seu amor...

Por ele eu tenho vontade de gritar.

Por você eu tenho vontade de morrer.

Somente com você ao meu lado eu tenho vontade de viver.

Sem isso, eu sou apenas uma casca vazia, sem razões para continuar a existir.

Cada uma daquelas palavras penetraram minha carne como uma lança incandescente, um dardo inflamado em fogo abrasador, levando meu coração aquele antigo e já conhecido estado, de chama viva de amor¹. 

Meus sentidos foram retirados de mim um a um, como naquela noite escura, que de amor em vivas ânsias inflamada², a alma se coloca numa fuga em busca do amado. Mas onde é que te escondestes, ó meu amado, e me deixastes com gemido?³

Não estou triste, mas também não estou feliz. Estaria triste, aos prantos, se me dissesse que não me quer por perto. Estaria feliz se dissesse que me ama como eu o amo. Mas não posso dizer que minhas lágrimas irromperam mais fortes, quando me disse que para você, minha consideração e minha amizade te bastavam, quando comparado com todos os outros que o abandonaram. Quanto júbilo e alegria senti naquele momento...

Não preciso reafirmar que minha consideração não mudará. Estaria sendo repetitivo se o fizesse, pois bem sabeis que eu jamais hei de deixar de te amar, e digo isso com a certeza de alguém que não ama conforme os parâmetros dos outros de amor. Não. Eu amo apaixonadamente, e o amor que sinto é maior e mais forte que qualquer outro sentimento que eu seja capaz de sentir. 

Te amo, com amor eterno, pois tenho certeza que, mesmo depois de minha morte, que não tardará a vir, eu espero com grande ansiosidade, ele ainda sobreviverá, nem que seja na poeira das estrelas do universo, onde com meu próprio sangue escreverei que um dia, na terra, eu amei você, com o mesmo amor que uma mãe ama seu filho, a ponto de desejar perder a vida por ele. É assim que me sinto, gostaria de perder minha vida pela sua, e mais, se não posso possuí-lo ao meu lado, gostaria de perder a vida assim mesmo, pois não há sentido nenhum em viver sem você.

Nenhum.

Sem você a vida não tem sentido algum...

Mas eu não podia me entregar completamente, deveria segurar o máximo que pudesse as lágrimas e o desespero. 

Mordi os lábios.

O sangue logo aqueceu e escorreu pelo canto da boca e eu percebi que a dor era capaz de aliviar o pânico, e assim o fiz. Mesmo querendo sair e gritar ao mundo até perder a voz, eu só fiquei aqui, sangrando, e chorando, enquanto lia o que você me dizia... 

Imaginando como seria se tudo fosse diferente, diferente de toda essa dor.

~

Notas: 1. Referência a Chama viva de amor - Poema e livro de São João da Cruz, presbítero e Doutor da Igreja. 2. Referência a Noite Escura - Poema e livro também de São João da Cruz. 3. Referência a Cântico Espiritual - Outro poema e livro de São João da Cruz, o último a ser citado nesse texto.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Névoa e chamas

O que está acontecendo comigo hoje? Donde me vem toda essa sensação ruim, toda essa angústia?Como posso me sentir tão mal assim sem nem ao menos conseguir entender o que tem me deixado assim?

Hoje não acordei bem. Como costumo dizer, hoje é um dia daqueles... Simplesmente não acordei bem e isso continuou dentro de mim durante todo o dia. Um sensação de algo ruim está acontecendo, ou que ainda vai acontecer. Mas não consigo precisar bem o que pode ser. É simplesmente um não sei quê que tem me afligido. 

Penso se possa ser a solidão. Talvez seja isso, pois quando fecho os olhos tudo o que me vem a mente são imagens de pessoas distantes. Sei bem quem são, mas não tenho contato e por isso não entendo porque elas ficam aparecendo na minha cabeça... 

Dos outros eu só quero distância. Por algum motivo só em pensar em ter de ver alguém eu já me sinto mal e automaticamente já começo a fazer planos para não ter de ver ninguém. Quero ficar sozinho. Mas não estou sozinho, ainda tem muito barulho na minha cabeça, ainda tem muita gente ao meu redor. Ainda não consigo pensar com clareza.

Se fecho os olhos, só consigo visualizar uma névoa a minha frente. Mas não é uma névoa comum, que apenas me impede a visão. É uma névoa de sangue, que me envenena e me mata lentamente. Mas ao mesmo tempo que essa névoa me mata, sou eu quem a produz, pois sinto que o sangue me intoxica é meu próprio sangue, que sai de mim pelos poros minúsculos de minha pele e se põe a rodear minha cabeça, me asfixiando e me levando a inconsciência.

Nos últimos dias isso tem se repetido muito. Paro para pensar e quando dou por mim, perdi a consciência, estou sentado em algum lugar da casa, sem saber como cheguei ali ou o que estava fazendo antes. Se tento me lembrar de algo, só consigo pensar na tal névoa vermelha. Não um branco, como acho que normalmente acontece com os loucos, mas vermelho, como o sangue.

Não consigo entender sequer do porquê tenho pensado tanto em sangue nos últimos dias. Sei que ele é um simbolo da vida, da informação da alma, e também da morte, quando derramado. No entanto, na minha mente, o sangue sempre teve ligação com o veneno. Acho que porque penso que meu sangue seja venenoso, o que explicaria o afastamento das pessoas de mim. Mas até quando eu serei obrigado a ver isso sem compreender?

Talvez minha mente só finalmente tenha entrado em estado catatônico e eu não tenha me dado conta disso. 

Particularmente acho que enlouqueci de vez pois, não consigo falar sobre essas coisas com ninguém, e quando me perguntam algo, só digo que estou com sono. Falar sobre isso é algo difícil, primeiro porque sei que ninguém vai entender, segundo porque não consigo encontrar palavras para falar com tanta facilidade quanto encontro para escrever. Claro, aqui é meu canal de escape diário, então acho que seja natural achar mais fácil me expressar por aqui do que por via oral.

Enfim, acabei fugindo do que falava, me perdendo em pensamentos, como sempre acontece. 

Me perdendo...

Assim é como me sinto hoje, perdido, sem rumo, sem saber para onde ir ou o que fazer. Só sei que não quero ficar parado, mas andar também me causa repulsa. Não sei então o que eu devo, ou posso fazer. Só sei que não me sinto bem e isso não é bom. Me sinto sufocado, abafado, esmagado por algo que nem sei o que é. Como se uma chama me consumisse sem que eu conseguisse ver de onde ela vem.

Afinal, onde eu estou? Como vim parar aqui e como foi que fiquei assim?

Será uma noite escura? Pois ao mesmo tempo que me sinto sozinho, sinto como se tivesse algo maior me levando a ficar assim, como se estivesse sendo conduzido a isso. Também sinto um calor no peito, que pode significar se tratar sim de uma noite escura, ou de uma purificação menor, pois não acho que esteja pronto para a noite, mas que tenha os mesmos princípios de purificação. Será? 

Isso explicaria a sensação de aridez e o desconforto constante que só desaparece em pequenos momentos de oração e ascese.Talvez o seja de fato... Não sei ao certo.

Essa sensação também desaparece em dados momentos, mas esses eu costumo evitar. É quando paro para pensar em algumas pessoas, no entanto, por experiência própria sei bem que nunca é bom usar desse artifício para fugir do desconforto dessas chamas e do sufoco dessa névoa. Pois logo quando cessa por um período maior essas aflições, a minha alma se apega a essas pessoas de uma forma nada saudável, e isso só me resulta em outros desconfortos ainda maiores e um sofrimento do qual eu ainda não estou pronto para passar novamente. Não estou pronto para tornar a me apaixonar.

Mas a névoa continua a me cercar. E ela entra pela minha pele e queima o meu pulmão. Fico então como se todo o meu interior estivesse em chamas intensas, e essas chamas me consomem de dentro para fora, me deixando num estado de torpor e alucinação por conta da dor constante e cada vez maior que vai se espalhando. 

Não sei até quando isso continuará a queimar dentro de mim. Não sei também até quando conseguirei eu resistir a não enlouquecer por conta disso. 

Não sei até quando continuarei vivendo assim...

As vezes me pego pensando que essas são as duas únicas opções para mim: morrer ou enlouquecer. 

E eu sinto que me aproximo de uma delas, só não sei dizer ao certo de qual...

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Convicção paradoxal

"Em uma noite escura, 
de amor em vivas ânsias inflada, 
ó ditosa ventura, sair sem ser notada, 
já estando minha casa sossegada." 

Por algum motivo, enquanto buscava uma forma de começar hoje, começou a tocar a versão musical dessa poesia de São João da Cruz na minha playlist e então tive um insight do quanto ela se parece com o atual momento de minha vida. Atual mesmo, pois me refiro a essa noite em particular.

Hoje foi um bom dia. Cinema, Santa Missa. Nenhuma decepção em particular. Mas por algum motivo não foi um dia feliz, tampouco tem sido uma noite feliz. Na verdade, gostaria muito de apagar e só acordar amanhã, mas estou tentando diminuir as doses de tarja preta por motivos óbvios. Claro que isso significa ter de ficar acordado e sóbrio, pensando em um monte de coisa que não gostaria.

Nem sequer consigo dizer ao certo o que está me chateando... 

Só estou chateado. 

Sem motivo algum, parece.

Quero ficar aqui, sozinho no escuro, pensando no amor que inflama as minhas feridas e esquecendo de viver...

Ironicamente ao mesmo tempo que eu quero ficar só, sem falar com ninguém, ouvindo música baixinho, o meu coração grita louca e desesperadamente por companhia. 

EU QUERO VOCÊ, AQUI COMIGO!

EU PRECISO DE VOCÊ DO MEU LADO!

PRECISO DO SEU OLHAR, DO SEU SORRISO, DO SEU AMOR...

DO SEU AMOR...

AMOR...

ONDE ESTÁ VOCÊ AMOR?

AONDE ESTÁ VOCÊ, QUE PROCURO E NÃO VEJO?

Mas eu não quero as companhias que o meu coração deseja! Elas me fazem mal, elas me intoxicam, me envenenam... 

E de veneno, o meu sangue já está cheio.

Tenho a certeza de quero ficar sozinho, mas também tenho a certeza de desejar uma companhia do fundo de meu coração. O que fazer então com essa estranha convicção paradoxal que esmaga o meu coração e me deixa tão aflito? 

Acho que só posso ficar aqui, chorar, e esperar que logo passe. Talvez se conseguir dormir apenas com o fitoterápico que tomei, a noite não seja assim tão longa e eu consiga sobreviver a ela. 

Mas só talvez.

O óbvio aqui é que eu não sei o que eu quero. Só sei que eu quero alguma coisa. Um não sei o quê que deve ser muito importante para mim. Essa incerteza não é só frustrante, mas também irritante. Querer algo e se irritar por isso. 

Pedi para ficar sozinho, sozinho eu estou, mas continuo infeliz, o que me falta então?

A única certeza que eu tenho é de que eu não tenho certeza do que eu quero. Quero voltar a ser como antes, e muitas vezes fingir ser feliz para mascarar a infelicidade que lateja em meu peito? Ou quero continuar assim, gritantemente infeliz? 

Ironicamente nesta empreitada não há uma terceira possibilidade que se abra a minha frente com um portinha pintada de azul bebê escrita "felicidade". 

Seria mais simples, não?

Mas talvez, só talvez, a vida não seja tão simples assim, afinal, nem sequer consigo dizer o que eu quero para ser feliz... 

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Interior e exterior

Bom, realmente quando algo muda dentro de nós, se torna ainda mais óbvio quando conseguimos externar essa mudança. O exterior costuma refletir o que sentimos no interior, e também o influencia. Costumo pensar que existe uma constante troca entre o exterior e o interior, um influenciando sobre o outro e transformando a totalidade de quem nós somos.

Eu me sinto mudando. Não que já esteja mudado, mas sinto como se passasse pelo fim de um grandioso processo de significativas transformações que já vem durando alguns meses. E isso já vem começando a refletir no meu exterior. 

Não que minha aparência em si tenha mudado, continuo com a pele ruim e com o cabelo por crescer, mas aos poucos, ao me olhar diariamente no espelho, me sinto diferente. As vezes mais bonito, as vezes não, quase sempre mais velho. 

Acho que estou começando a me dar conta da minha idade. Já não sou mais um menino de 15 anos. Tenho 21 (sic!) uma idade que nunca desejei. Nunca quis passar dos 17, e sinceramente, continuo desejando voltar pra casa antes dos 20. Mas isso não é possível. Mudar é inevitável, e eu estou mudando, goste disso ou não!

As vezes me olho no espelho e gosto do que vejo. Percebo que meu cabelo está quase do jeito que quero, que as vezes consigo deixar meus lábios do jeito que acho bonito. Me sinto satisfeito ao me ver e me achar bonito. Outros dias, claro, não gosto do que vejo e sequer saio do quarto por isso. Mas como disse, acho que nesses dias, apenas o meu interior é que não está muito bonito e isso acaba se refletindo no meu exterior. 

Algumas mudanças são propositais. O batom vermelho, as unhas grandes que causam repulsa e estranheza... Por algum motivo ambos são para mim libertadores. Acho que porque me libertam das pessoas que ficam ao meu lado por conta da aparência. E como acho bonito em mim mesmo, continuo usando, ainda que a contragosto da grande maioria. 

Outras são menos perceptíveis, mas eu notei por exemplo que sempre fui muito sensível as pessoas que me cercam, e isso também me fazia mal em muitas, muitas ocasiões. Aprendi que algumas pessoas tem o poder de despertar em mim o meu pior lado, ou que deixam em mim marcas profundas de dor. Essas eu tenho buscado evitar. Me afastar para proteger o meu frágil coração que ainda se encontra em reconstrução. Pode parecer um exagero de autocompaixão mas, se eu não me preocupar com meu reerguimento, o mundo não o fará por mim. 

Também tenho buscado notar quem são os verdadeiros amigos perto de mim. Aqueles que realmente me consideram importante, e não os que apenas me toleram. E ah, quantas descobertas eu tenho feito! Claro, me sentido mais sozinho também, mas ainda assim, mais livre das pessoas que para mim eram importantes mas que para elas eu era apenas um incômodo. Melhor para elas e para mim também. 

Tudo isso são mudanças. 

Aos poucos minha aparência vai se transformando, o cabelo vai crescendo, mais algumas tatuagens vão aparecendo, vou me afastando de algumas pessoas, conhecendo outras. E a vida vai seguindo seu fluxo misterioso. 

Pode ser que amanhã eu decida cortar o cabelo e as unhas, não mais usar roupas coloridas e ir atrás de quem me abandonou, isso também seria uma mudança. 

Mas hoje não, só por hoje eu quero ficar sozinho, pensar em mim e cuidar de mim, coisa que o mundo não fez. Hoje quero ficar aqui quietinho, ouvindo Beethoven e tomando chocolate quente mesmo.

Acho que mereço um pouco de mimo e também mereço aprender que, não preciso me sentir culpado por fazer algo por mim, não é egoísmo, apenas estou tentando evitar que o mundo me mate mais uma vez.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Florinhas mimosas

"Eu quisera, Jesus adorado,
Teu sacrário de amor rodear
De almas puras, florinhas mimosas,
Perfumando teu Santo Altar."¹

Há mais ou menos 1 ano, eu ouvi pela primeira vez a música "Eu quisera" na voz do Eugênio Jorge, num evento da diocese. Me lembro que na ocasião, fiquei encantado com a letra pois falava de um carinho e de uma dedicação enorme ao Santíssimo Sacramento...

Desde o começo do meu serviço ao altar, eu sempre busquei o máximo de respeito possível com a Eucaristia. No seminário, quando as vezes eu distribuía a comunhão nas missas públicas, eu me perguntava se era digno de tal coisa. E sempre soube que não. 

Mais do que ser indigno de servir o altar, como o faço, também não sou digno de receber Jesus em meu coração. 

Retornei a comunhão há poucos dias, depois de muitos meses afastado. Desde a Páscoa para ser mais preciso, e olha que já estamos no fim do Advento. A sensação de retornar para a mesa da Eucaristia foi ao mesmo tempo maravilhosa e extremamente dolorosa, pois eu sei que, continuo sendo o mesmo pecador de antes, e com as mesmas tendências ao pecado, mas que necessita desse alimento para conseguir, com muita graça, resistir. 

Eu bem sei que posso cair novamente, e sendo fraco como sou, é bem provável que eu caia, sei bem disso, e Deus o sabe melhor ainda do que eu, mas ele também sabe que é somente através da Eucaristia e da Penitência que poderei continuar a lutar, por isso ele continua me aceitando, mesmo sendo dos seus filhos, o pior.

Essa musica então me faz recordar da pecadora que, pondo-se aos pés de Jesus, lavou-os com suas lágrimas, secou-os com seu cabelo e derramou nele o melhor perfume que pôde comprar. Ela deu o seu melhor, mesmo sendo pouco, a Jesus. De igual forma, a adoração é o pouco, mas o melhor que podemos fazer.

E tem sido com esse pensamento que eu continuo servindo ao altar durante todos esses últimos anos. Sei que ainda estou muito longe de ser um bom servidor, ainda há muito o que aprender, muito o que entender para conseguir amar a Eucaristia da forma como ela merece. Sei também, que se tivesse um pingo de vergonha na cara, jamais ousaria colocar os pés no presbitério, mas preciso dessa proximidade para entender melhor o mistério da justiça divina na minha vida.

Sei que é muita pretensão de minha parte dizer algo desse tipo, mas não é de hoje que Deus escolhe os piores para os serviços mais sublimes. Ora, até mesmo Pedro, o pescador simples foi escolhido para ser o primeiro Papa da igreja, e não Paulo, o pregador que convertia multidões. 

Mas eu não sou São Pedro, nem me aproximo de suas virtudes, por isso, tento a cada dia, amar um pouco mais o serviço que recebi. Alguns dias sei que consigo, ao menos me aproximar da beleza e reverência que o santo serviço do altar me exigem, outros não, mas não quero desistir.

E para melhor ainda conseguir servir, tanto mais eu preciso amar e receber com reverência o mesmo Jesus que há poucos centímetros de mim é consagrado a cada Santa Missa. Não podia ter ficado tanto tempo longe dele, meu serviço se tornou mecânico, e embora feita de solenes aparentes repetições, a liturgia não é jamais mecânica, pelo contrário, é sempre viva. 

Quero e preciso aprender a me purificar a cada dia mais, para melhor recebê-lo em meu coração. Assim como na música, rodear o sacrário do meu coração de florinhas mimosas, e dessa forma adorá-lo da forma digna com que ele é adorado pelos santos e anjos. 

Será que conseguirei?

Sozinho tenho certeza que não. Mas não estou só nessa caminhada. 

Ao meu lado tenho a sempre Virgem Maria, que foi o sacrário mais perfeito que já recebeu Jesus. Nenhum sacrário, de nenhuma catedral da Terra é tão belo e tão ricamente adornado como foi o ventre de Nossa Senhora ao receber o Filho de Deus, logo, quem melhor para me ensinar como fazê-lo?

Sei que, minha caminhada apenas começou, e me encontro ainda numa grande noite escura, iluminada apenas pela luz que arde em meu coração, e estou sujeito a muitas quedas e tropeços, mas o primeiro passo eu já dei, e uma certeza eu tenho hoje comigo: não quero mais voltar atrás!

Eu o abandonei uma vez, e como recompensa pelo meu desvario, fui abandonado logo em seguida, assim aprendi minha lição. Agora, como um cãozinho sujo, retorno a casa de meu senhor, e por ele fui recebido. Preciso então mostrar-me de fato arrependido, mostrar que aprendi a lição e que, as cicatrizes do meu coração sirvam justamente para me lembrar do meu pecado, de forma que eu não mais volte a pecar da mesma forma.

Demorei a entender, sou um jovem burro, não há como melhor descrever, e minha ignorância é tão grandiosa que ainda me julgava inteligente. Não compreendia que meu pecado era a fonte do meu sofrimento, e que minha dor, era causada pela minha tendência a esse pecado. Posso me livrar do pecado, já o fiz, no tribunal da penitência, mas não da tendência, com ela posso aprender a fugir do pecado, através da graça. 

Percebo agora que nada posso fazer sozinho, pois o que fiz só, foi tomar uma decisão que me levou ao sofrimento absoluto. Necessito da ajuda e da graça, para só então, conseguir ir em frente.

Eu o abandonei, e agora volto arrependido, indigno de ser recebido de volta, mas assim o fui. Mais uma vez sendo esmagado pela força do amor que me criou e que eu abandonei.

"...Mas olhando em meus olhos somente me amou.
E ao me beijar, me acolheu num abraço de pai..."²

~


Notas: 1. Trecho de "Eu quisera" de Maria do Rosário. 2. Trecho de "Abraço de Pai" de Walmir Alencar.

domingo, 18 de dezembro de 2016

Primeiro passo

Mudar percepções é algo realmente fantástico... A vida, muito embora dura em sua pedagogia, de fato, tem sempre a delicadeza de nos mostrar onde erramos e como podemos reparar. 

Também Deus, em sua infinita bondade, e justiça, nos mostra como voltar ao seu caminho, novos, purificados, renovados e assim, depois de experimentar sua graça divinal, reestruturar a vida e quem sabe, dar outros passos em direção ao céu. 

Esses dois dias foram para mim de grande aprendizado, e acho que posso resumi-lo numa única palavra: 

Humildade. 

Eu percebi o quanto orgulhoso eu era (sou) e o quanto isso me causava sofrimento. O conhecimento que tenho não era, e não é, capaz de me dar a satisfação que tanto procuro pois não é em nenhuma sabedoria humana que se encontra a felicidade, eu tenho conhecimento, mas não era feliz. E a felicidade também não significa também a falta do sofrimento. Os dois podem coexistir pacificamente, e acredito eu, a felicidade é ainda maior quando coexiste com o sofrimento, pois só assim damos a ela seu devido valor.

Nesse caso, o sofrimento a que me refiro não é o provocado pelo pecado, este deve sim ser extirpado de nossa existência, mas o sofrimento natural da vida, aquele do qual ninguém tem culpa, e que costumamos creditar a Deus e sua maldade. Mas até desse sofrimento, Deus consegue nos ensinar a felicidade. 

De nada adianta todo conhecimento do mundo se eu não tiver amor. Ele apenas se reduziria a orgulho e vaidade, e disso já minha já estava cheua, e por isso sou infeliz.

A felicidade que encontrei nos últimos dias consiste no perceber que pessoas mais novas do que eu podem possuir a verdadeira sabedoria que eu não consegui adquirir nos livros, não que soubessem mais do que eu, mas porque sentiam o que eu não conseguia sentir: o Amor. E esse amor, o verdadeiro, não este imperfeito baseado nas minhas experiências humanas fracassadas, é capaz de dar o sentido verdadeiro da minha sabedoria.

Não me prometeram o fim do meu sofrimento. Me prometeram que eu seria incrivelmente feliz, incrivelmente satisfeito, e que eu haveria de sofrer muito ainda. Nada de felicidade gratuita. Edward Elric disse que "as pessoas não conseguem aprender uma lição sem dor e sofrimento, isso porque elas não são capazes de obter nada sem oferecer nada em troca." Por isso, para se obter algo, deve se oferecer em troca uma coisa de valor equivalente, essa é uma das leis máximas da vida, a chamada Troca Equivalente.

Mas eu não tenho nada. Portanto devo sofrer na carne e na minha vida o que for preciso para conquistar a felicidade. Não a passageira e fugaz que o mundo me oferece. Mas sofrendo na carne e me unindo ao sacrífico de Cristo na cruz podemos chegar a alegria eterna. 

E de nada adiantava meu orgulho. 

Não serei medíocre dizendo que a partir de hoje não mais serei assim, estaria mentindo se o dissesse. Mas, para se chegar a qualquer lugar é preciso dar um primeiro passo, e esse sim, eu acredito ter dado, mesmo depois de tanto tempo. Finalmente consegui voltar a caminhar, mas já não caminho sozinho, tem alguém que me segura pelas mãos e que me guia, e me guiando, me levará com ele onde quer que ele for. Ele vai para a cruz, disso eu sei, e com ele eu irei, e de lá iremos juntos ao túmulo, mas com ele também eu ressuscitarei ao terceiro dia. 

Minha vida espiritual estava morta. Eu vivia apenas do modo automático, sem sentir mais nada verdadeiramente. Hoje, ao contrário, eu pude sentir em mim algo que já não sentia há tempos, algo que não vem de mim, mas algo que é capaz de me transbordar e de me levar adiante, onde eu jamais estive.

Obrigado por essa experiência.