sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Lábios ensanguentados

Hoje não consegui me controlar, infelizmente, e as lágrimas que há muitos dias eu vinha segurando e contendo seguramente dentro de mim acabaram caindo pesadamente sob a minha face.

Você veio falar comigo, e eu não suportei a emoção que, de tão grandiosa dentro de mim, fez meu coração entrar em ebulição e transbordar mais uma vez em suspiros por ti.

Eu havia dito que não iria mais chorar, que nunca mais iria sofrer, não por você. Mas que tolo eu fui em acreditar que seria capaz de tal feito... Chega a ser engraçado, tragicamente cômico na verdade.

Enquanto nos falávamos, minhas forças foram tiradas de mim, e como Ícaro minhas asas foram derretidas por seu calor e fui lançado ao chão pela imponência de sua presença. Não conseguia mais controlar meus braços, me sentei para não cair, não suportaria ficar de pé num momento como aquele. Não sei como consegui continuar escrevendo, entre lágrimas e acenos de um grito de fúria que há muito vem se refugiando no meu peito... E a cada palavra sua era como seu eu fosse atingido por rápidos e poderosos golpes no estômago, que me tiraram o equilíbrio, o foco e a razão. 

A noite de hoje me trouxe a certeza de que meu amor por você continua poderoso dentro de mim. Hoje foi a prova concreta disso. A forma como me abalei ante a sua presença me fez pensar em várias coisas. 

Te agarrar e não mais soltar. 

Correr e nunca mais olhar para você. 

Me ajoelhar e chorar aos seus pés implorando pelo seu amor. 

Seu amor...

Seu amor...

Seu amor...

Só o que queria era, o seu amor...

Por ele eu tenho vontade de gritar.

Por você eu tenho vontade de morrer.

Somente com você ao meu lado eu tenho vontade de viver.

Sem isso, eu sou apenas uma casca vazia, sem razões para continuar a existir.

Cada uma daquelas palavras penetraram minha carne como uma lança incandescente, um dardo inflamado em fogo abrasador, levando meu coração aquele antigo e já conhecido estado, de chama viva de amor¹. 

Meus sentidos foram retirados de mim um a um, como naquela noite escura, que de amor em vivas ânsias inflamada², a alma se coloca numa fuga em busca do amado. Mas onde é que te escondestes, ó meu amado, e me deixastes com gemido?³

Não estou triste, mas também não estou feliz. Estaria triste, aos prantos, se me dissesse que não me quer por perto. Estaria feliz se dissesse que me ama como eu o amo. Mas não posso dizer que minhas lágrimas irromperam mais fortes, quando me disse que para você, minha consideração e minha amizade te bastavam, quando comparado com todos os outros que o abandonaram. Quanto júbilo e alegria senti naquele momento...

Não preciso reafirmar que minha consideração não mudará. Estaria sendo repetitivo se o fizesse, pois bem sabeis que eu jamais hei de deixar de te amar, e digo isso com a certeza de alguém que não ama conforme os parâmetros dos outros de amor. Não. Eu amo apaixonadamente, e o amor que sinto é maior e mais forte que qualquer outro sentimento que eu seja capaz de sentir. 

Te amo, com amor eterno, pois tenho certeza que, mesmo depois de minha morte, que não tardará a vir, eu espero com grande ansiosidade, ele ainda sobreviverá, nem que seja na poeira das estrelas do universo, onde com meu próprio sangue escreverei que um dia, na terra, eu amei você, com o mesmo amor que uma mãe ama seu filho, a ponto de desejar perder a vida por ele. É assim que me sinto, gostaria de perder minha vida pela sua, e mais, se não posso possuí-lo ao meu lado, gostaria de perder a vida assim mesmo, pois não há sentido nenhum em viver sem você.

Nenhum.

Sem você a vida não tem sentido algum...

Mas eu não podia me entregar completamente, deveria segurar o máximo que pudesse as lágrimas e o desespero. 

Mordi os lábios.

O sangue logo aqueceu e escorreu pelo canto da boca e eu percebi que a dor era capaz de aliviar o pânico, e assim o fiz. Mesmo querendo sair e gritar ao mundo até perder a voz, eu só fiquei aqui, sangrando, e chorando, enquanto lia o que você me dizia... 

Imaginando como seria se tudo fosse diferente, diferente de toda essa dor.

~

Notas: 1. Referência a Chama viva de amor - Poema e livro de São João da Cruz, presbítero e Doutor da Igreja. 2. Referência a Noite Escura - Poema e livro também de São João da Cruz. 3. Referência a Cântico Espiritual - Outro poema e livro de São João da Cruz, o último a ser citado nesse texto.

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