sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Los lobos

"Em uma noite escura, de amor em vivas ânsias inflamada" um jovem se encontra completamente perdido ao acordar num lugar escuro e desconhecido. A sua volta apenas consegue sentir uma mata fechada, iluminada pela luz da lua deixando seus arredores com uma aura sobrenatural e bruxuleante que lhe arrepiava a espinha.

Sua primeira reação foi sentir medo, e dentro de si lhe vinha uma poderosa raiva que aos poucos tenta va tomar conta de sua carne e o fazia tremer até o tutano. Não conseguia se lembrar do porquê de estar ali naquela floresta, não conseguia sequer se lembrar de seu próprio nome. 

Ao forçar sua mente perturbada pelo medo e pela raiva inexplicável, tudo o que lhe veio a mente foi o rosto de uma pessoa. E ao contemplar em sua memória aquele rosto, ele sentiu um calor se apoderando de seu corpo. Esse calor mesclou-se ao ódio e ao medo que ele já sentia e essa cornucópia de sentimentos o deixou estranhamente eufórico.

Deitado no chão frio, ele sentiu as folhas secas embaixo de seu corpo enquanto olhava atentamente a lua brilhando gloriosa no céu acima dele. Usando aquela raiva que lhe subia pelo tronco e culminava em sua garganta ele resolveu se levantar e tentar buscar uma saída daquele lugar. 

Ficando de pé, buscando ouvir atentamente o mundo a sua volta, ele percebeu que não estava sozinho naquele lugar assustador. O som de folhas e gravetos se quebrando indicavam que muitas coisas podiam se esconder por entre a grossa vegetação. Mas ao longe ele ouvi algo mais, como o som estridente de trombetas a anunciarem a chegada de um rei.

O medo mais uma vez lhe congelou os membros, e tentando andar, ele conseguiu apenas lançar-se ao chão, assustando-se com o som provocado pelo impacto de seu corpo no terreno coberto de folhas secas. Sua mão bateu numa pequena pedra pontiaguda e agora dela escorria uma fina linha de sangue, brilhando num carmim poderoso, na escuridão da noite. 

Em seu coração a imagem daquela pessoa se tornava mais nítida e cada vez mais forte...

Alguns metros de onde ele estava, alguma coisa pisava lentamente na escuridão, em sua direção. Seria um predador? Algum animal sedento por sangue e carne que naquela escuridão encontrava num jovem franzino e perdido a presa perfeita para uma noite de lua cheia? 

Usando toda a coragem que conseguiu reunir dentro de si ele olhou para trás, mas nada viu, e logo ouviu a sua frente o som claro de passos quebrando gravetos. Olhando novamente para frente ele se congelou ao ver ali parado o homem que em sua mente vira desde que acordara. 

O susto o deixou completamente paralisado, e tudo o que ele conseguia fazer era observar aquela figura que a sua frente se mostrava imponente. 

Era um rapaz pequeno que o observava. Usava vestes brancas e tinha uma expressão de calma no rosto. E que rosto! Aquele era sem dúvidas o rosto mais belo que o jovem perdido podia imaginar existir. Tinha feições delicadas, profundos olhos escuros e brilhantes e cabelos negros que brilhavam em contato com a luz prateada da lua. Algo nele exalava uma aura de poder e mistério, e ao abrir a boca, nenhum som saiu, mas parecia dizer algo importante.

Sem pensar, e sem perceber, o jovem respondeu ao seu visitante sobrenatural, pois a essa altura já acreditava que se tratava de um fantasma. Mas novamente nenhum som saiu da boca daquela figura enigmática. 

Atrás dele, o som da coisa que se aproximava se tornava mais forte, e novamente ele tornou a olhar, apenas para, em completo desespero, conseguir ver vários pares de olhos brilharem na escuridão. Não sabia dizer se eram lobos ou alguma outra coisa, mas certamente eram incrivelmente grandes. Novamente olhando o pequeno rapaz de branco a sua frente ele buscou ajuda com o olhar, quando o rapaz se virou e, sorrindo, fez sinal para que o seguisse.

Um passo de cada vez ele começou a seguir aquele anjo da noite, mas ele andava rápido demais mesmo naquela escuridão, sem tropeçar ou sem se importar com os muitos galhos que quase o acertavam na face. Alguns minutos depois ele se viu correndo por entre a mata, quase perdendo o anjo de vista, que corria sem sequer levantar uma folha do chão onde passava.

A cada passo que ele dava, aquele calor que sentira ao ver o rapaz pela primeira vez aumentava, e mesmo sem saber quem era, ele desejava com todas as suas forças alcançar aquele anjo. Desejava mais uma vez olhar aqueles olhos negros e desejava tocar aqueles cabelos que pareciam tão finos e delicados, e acima de tudo, desejava sentir o toque daquela pele morena que o encantava. Ele não sabia quem era aquele anjo, duvidava inclusive de sua existência, mas sabia que o desejava, o desejava tanto quanto alguém deseja lutar pela própria vida. 

Já sem fôlego de tanto correr, ele acabou tropeçando num tronco e caindo num pequeno morro. Depois de levantar, bastante atordoado, ele olhou em volta, e sabendo que o anjo não parara por conta de queda, calculou que ele já estivesse longe a essa altura. Ao olhar para trás ele percebeu que não eram os únicos a correrem pela floresta naquela noite. Aqueles olhos estavam próximos dele ainda, se escondendo na escuridão, revelando apenas sombras de enormes criaturas que pareciam sedentas por seu sangue. O barulho de sua respiração e de seus passos abafaram o som dos predadores que o seguiram, mas ali, naquele silêncio, ele podia ouvir também a respiração pesada daqueles monstros colossais e ainda ouvia as trombetas ao longe.

Levantando-se lentamente ele pensou em correr novamente, mas percebeu que caíra numa armadilha.

Caira não num barranco, mas num enorme buraco, e agora se vira rodeado pelos animais que, aos poucos, saíam das sombras da floresta para a luz do luar, revelando-se lobos de pelos pretos e presas brancas, assustadoramente afiadas.

O calor que sentia em seu peito aumentava e ainda era maior que o medo que o possuía, no entanto esse último o impedia de correr, ou gritar, pois sabia ser inútil. 

O anjo deveria ser um artifício sobrenatural da floresta para alimentar os seus filhos, pois ele o conduzira até ali. E ele teve certeza disso ao olhar para cima ver o pequeno anjo de vestes brancas sentado num grande galho de uma imponente arvore, ao lado de um dos lobos, o maior deles, que certamente era também o mais poderoso, e o mais faminto.

O seu medo desapareceu completamente naquele momento, pois fora dominado pelo calor que agora abrasava seu peito e trasbordava de seu corpo na forma de grossas gotas de suor. Ele deu um passo em direção a árvore onde estava o anjo, e um dos lobos rosnou bravamente.

Parou por um instante e olhou em volta. Realmente estava cercado. Mas aquilo não o impediria de avançar pois ele só pensava no anjo, que agora lhe olhava com um doce sorriso no rosto. Deu outro passo. O rosnado agora viera de trás, enquanto os lobos da frente deram um passo em sua direção.

Outro passo e dessa vez dois lobos uivaram ainda mais alto. O som das trombetas agora estava ainda mais próximo e mais alto, e ele sabia que não se tratava de nenhum cortejo real, mas sim de outro artificio sobrenatural da floresta, mas que ele não compreendera.

Avançou mais um passo e um dos lobos, uma enorme criatura, se pôs a sua frente, a poucos passos de distância. O anjo se colocara de pé, como que para observar curioso até onde aquele jovem iria para se aproximar dele, algo em seu olhar o desafiava a fazer isso. E foi o que ele fez, avançando mais um passo, e parando ao ouvir o rosnado de todos os lobos. 

Aquele som deveria ter congelado todos os seus membros, mas teve nele o efeito contrário. O calor de seu peito logo o dominou completamente, e com os olhos brilhando como a luz da lua e deu passos largos e rápidos em direção ao anjo, quando um dos lobos se lançou certeiramente sobre seu pescoço.

Como era de se esperar, a enorme criatura tinha o peso de um tanque de guerra e lançou o jovem ao chão com extrema facilidade, e ele já sentira o sentidos falharem, enquanto o seu sangue jorrava quente de sua garganta. Enquanto alguns ainda rosnavam, outros se lançaram sobre ele, um agarrando-lhe o braço e outro dilacerando-lhe a perna. 

Erguendo a outra mão ele pediu ajuda ao anjo que sorria para ele como se observasse filhotinhos a brincar com uma bola de lã. E abrindo novamente a boca, ele disse as mesmas palavras que dissera lá atrás, mas que de alguma forma agora se fizeram ouvir até mesmo por sobre os rosnados altos dos lobos e o som das trombetas que ecoavam alto, tão alto que bem poderiam vir de uma orquestra que assistia ali seu massacre. 

"Finalmente ficaremos juntos."

E o som dessas palavras fez com que o mundo parasse, e ele se lembrou.

Lembrou do homem que ele amava, aquele anjo, por quem se apaixonara anos atrás, e que tinham ficado juntos por um curto período de tempo, até que ele decidira ir embora sem mais explicações, o deixando numa vida de dor e amargura.

Se conheceram num dia de sol e calor, andando pelo mercado da pequena vila. Num lugar onde todos tinham cabelos dourados, um jovem de cabelos negros se destacava na multidão. Mesmo tendo de tomar coragem ele foi falar com aquele belo rapaz que logo se tornou seu amigo, e depois seu amante.

Entregaram-se um ao outro de corpo e alma. Inteiramente um se tornou do outro e eram felizes assim.

O rapaz que aparecera do nada na vila lhe conquistara de uma forma tão profunda que ele mesmo já planejava fugir dali com suas economias para um lugar onde pudessem se amar sem medo, longe de tudo e de todos.

Mas tão logo eles começaram a se amar o misterioso rapaz desapareceu sem lhe deixar notícias.

Aquela partida foi para o nosso herói um golpe covarde que o fez vacilar e por vezes desejar a própria morte. Já não tinha mais forças ou motivos para viver sem aquele homem, e sua via se resumiu a uma existência vazia e sem nenhum sentido. 

Num certo dia, quando já não mais suportava a dor em seu peito, ele correra para a floresta, onde desejava ser devorado por algum animal e assim pôr fim de uma vez por todas ao seu sofrimento.

Seus devaneios foram interrompidos por um dos lobos que lhe arrancara um grande pedaço de carne de seu lado. Gritou de forma a cortar o próprio ar e se entregou ao destino que desejara. Foi devorado lentamente pelos animais, até que a luz da lua se apagou ante seus olhos.

Mas o som das trombetas aumentava cada vez mais...

Já não sentia mais dor. 

Sabia que seu corpo fora inteiramente devorado. E o som aumentava cada vez mais, se tornando mais próximo e mais estridente. Se ainda tivesse braços, taparia seus ouvidos, mas apenas ficou ali, esperando enlouquecer com aquele som, sem entender o motivo de ainda ouvir alguma coisa estando ele já morto. 

E foi quando o som das trombetas cessou, eu seu auge, e naquele silêncio ensurdecedor ele ouviu mais uma vez a voz do anjo, a voz do seu amado, a lhe dizer: 

"Finalmente ficaremos juntos."

"Para sempre!"

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