sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Percepção

Minha mente se desprendeu das amarras que a retinham nessa realidade fria e dura... Como um espectro fantasmagórico eu flutuei para perto de você, e foi ali, numa fenda entre o real e o imaginário, que eu passei a noite.

O mundo com o qual eu sonhei não era tão cheio assim de detalhes como esse em que vivemos, mas pelo contrário, tudo o que nele tinha era um brilhante céu estrelado, não poluído pelas milhares de luzes da cidade, e os seus braços. Você era a peça central dessa minha cornucópia imaginária e assim se manteve durante todo o tempo em que estivemos juntos.

Os astros não giravam em torno de uma grande estrela tampouco, não precisavam do calor de um sol para sobreviver ao redor do sistema, mas a vida era mantida pela sua existência. O seu calor era o que permitia a vida existir.

E ali, como que num grandioso templo, somente eu e você tínhamos acesso aos mais complexos conhecimentos do universo, mas nada disso tinha importância, pois eu tinha a você ali comigo, e isso era mais importante que qualquer sabedoria humana. 

Eu tinha você ali comigo...

Nos seus braços eu me acheguei naquela noite iluminada pela luz prateada da lua que em procissão com as estrelas formavam um cortejo único, que brilhava apenas para iluminar o nosso amor. Essa era a visão idílica do paraíso, do céu, daquele útero primitivo que perdemos muito tempo atrás. Aquele momento, em que nossos corações se tocaram através da força de um abraço, aquele vazio que existe bem no âmago de nossos corações desde o primeiro pensamento do homem foi preenchido. Finalmente não havia mais vazio, não havia mais o nada, não havia mais dor e nem sofrimento. 

Finalmente havíamos compreendido o que o homem buscara todo esse tempo. 

Não, está errado. 

Finalmente eu havia compreendido o que eu buscara todo esse tempo.

Eu buscara você. Sempre foi você. Todo esse tempo eu busquei por um companheiro perfeito que completasse o que faltava dentro de mim. E esse alguém era você, de olhos brilhantes e alegres e cabelos negros a serem iluminados pela lua. O reflexo das luzes que batiam nas águas e refletiam na sua pele deixaram você com uma aparência divinal difícil de esquecer, e o contraste entre a frieza da sua imagem e o calor que emanava do seu corpo era ainda mais curioso. Mas era assim. Você parecia frio como gelo, mas seus braços me aqueciam com o calor do fogo que me brasava em chamas vivas de amor. 

Ficamos ali, naquela "noite escura, de amor em vivas ânsias inflamada", sem mais recebermos influência do tempo, esse senhor que dá a vida e a toma instantes depois. Poderiam ter se passado séculos, sem que nos movêssemos. Já não existia eu ou você, éramos apenas um. Apenas uma única existência perfeita, existindo pela eternidade a contemplar a imensidão da criação. 

Dali, nossos olhares eram capazes de observar tudo o que existia, e até mesmo podíamos ver aquilo que já não mais existia, ou que ainda seria chamado a existência. E embora pudéssemos observar todo o conjunto da criação, a única coisa que importava era que possuíamos um ao outro. 

Aquele templo da criação se tornou o templo do nosso amor. Onde a nossa união se estreitou ainda mais, e onde nós mostramos ao mundo o quanto dois amantes podem se tornar próximos. Ensinamos as criaturas o significado de amor e união e aprendemos dele o significado de eternidade. 

Mais uma vez a lua iluminou a sua imagem, e eu tive a certeza de poder observar a mais perfeita das criações de Deus. Seus braços torneados em prata, seus cabelos gotejando do mais fino perfume, seu corpo brilhava com o suor ao mesmo tempo em que o leque dos cedros o refrescava.

E eu me esqueci de tudo o que um dia podia ter significado a minha infelicidade. 

A solidão. 

A tristeza. 

A doença.

Nenhuma dessas coisas existia ali, pois você estava ali. 

Todas essas coisas sumiram como fumaça no momento exato em que você apareceu.

Com o rosto reclinado sobre o seu peito forte eu delineei sua forma com a ponta dos dedos. Seus lábios macios e cor de rosa, como se tivessem sido pintados pelas mãos dos anjos que durante éons contemplaram a beleza divinal do criador e imprimiram em você um reflexo dessa existência perfeita. Se hálito doce me aquecia de dentro para fora cada vez que ouvia sua voz firme ou cada vez que me presenteava com um de seus beijos, que tenho certeza, liberavam em mim tanta explosão de energia, que naqueles instantes novos e gigantescos universos eram criados.

E aos poucos eu me perdi nos detalhes do seu corpo. Fechei os olhos sob seu toque enquanto ouvia o canto que saia de seus lábios...

E tudo se desfez como fumaça ao meu redor quando eu finalmente acordei desse sonho, sendo tragado pela frialdade inorgânica da realidade com a qual me choquei. Estava eu de volta ao calor da minha cama, mas sozinho. 

Nela não havia você, não havia conhecimento, não havia nada. 

Somente as lembranças, ainda turvas pelo sono, que aos poucos se extinguiam afugentadas pela dor que a percepção de sua ausência me causou.

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