segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Último dia

É o último dia do ano, e é impossível não pensar em tudo o que se passou, em todas as coisas que aconteceram. E verdade seja dita, apesar de terminar o ano com um absoluto pessimismo no peito, é inegável que coisas boas também aconteceram. 

Mas é que meu poeta interior não consegue olhar para o sol nascente ou para uma bela rosa iluminada pela manhã sem com isso recordar não algo bom, senão que usar essas imagens como fundo para o mais tristes dos cenários. 

Vejo que algumas pessoas ao meu redor são indiferentes a passagem do ano, como meus pais que nem ligam pra isso e sempre dormem cedo para não serem incomodados pelos fogos, mas outras estão sempre animadas, como se a perspectiva de mudança pudesse de fato mudar alguma coisa. Eu não consigo me animar como essas pessoas, longe disso, só consigo pensar na quantidade de Rivotril que eu preciso tomar pra não ouvir nenhum fogo estourando durante a noite. 

O ano se foi, e eu queria deixar a dor nele, mas infelizmente ela vai comigo. Começo o novo ano com novas cicatrizes, brilhando vergonhosamente no meu braço. Não consegui enterrar nenhum de meus fantasmas, e todos eles me assombrarão no ano que vem. 

Trago comigo a certeza de que sou um incômodo na vida daqueles que mais amo, e que meu amor não é nada comparado ao amor dos outros. Trago comigo a certeza de que, na vida do homem que amo, não sou senão um estranho, alguém que sequer deveria ter a coragem de dizer que o ama. Trago comigo a certeza de que ele encontrou na pessoa que eu mais odeio a sua realização. 

Esse ano me destruiu ainda mais, e cheguei a pensar que poderia ser o meu ano, o ano do amor, o ano em que as coisas dariam certo. Mas não, eu nem sequer desejo que o ano acabe, mas que tudo acabe. Que esse último dia de 2018 seja realmente o último!

domingo, 30 de dezembro de 2018

Quase Ano Novo

É quase Ano Novo, e eu estou aqui deitado, pensando no que vou fazer daqui pra frente, e chegando a conclusão de que não tenho ideia de como será meu futuro. É quase Ano Novo, e se for como no Natal eu temo por outra crise numa noite solitária, e se me arriscar assim pode ser que eu não saia de alguma dessas crises. 

É quase Ano Novo, e eu vejo que não fiz nada nesse ano, senão que me debrucei sobre mim mesmo e escrevi páginas e mais páginas sobre ele, sobre como me sentia com relação a ele, sobre meus sentimentos para com ele, sobre o que se passou com a gente e sobre como acabou. 

É quase Ano Novo e eu ainda não consigo escrever sobre outra coisa, como se somente ele habitasse minha mente. Ele roubou até a poesia que havia em mim. É quase Ano Novo, e eu não consegui me livrar dessa corrente ainda. É quase Ano Novo e eu já prevejo entrando no novo tempo preso a ele. É quase Ano Novo mas as prisões são velhas, e os pesos que trago comigo também. 

É quase Ano Novo mas eu só queria sentir a leveza de um novo amor. É quase Ano Novo e eu só queria poder olhar a janela e sentir a brisa amena sem que isso me traga lembranças dolorosas. Só queria poder dormir com um sorriso doce, sem as constantes lágrimas de pesar, sem as lembranças a apertar a garganta, sem a dor do abandono a me desconsolar. 

É quase Ano Novo e eu só queria ter certeza que não perdi a capacidade de amar. 

sábado, 29 de dezembro de 2018

Dor, torpor e agulhas

Minhas mãos tremem, e meus olhos custam a ficar abertos. A luz ainda que seja fraca, penetrando pelas frestas da cortina que não consegui tapar, machuca minha visão, e a escuridão se torna estranhamente acolhedora... O vento machuca as folhas das plantas no quintal, e os cantos da casa gritam em protesto. O barulho da chuva vem e vai, como ondas impetuosas de um mar, que as vezes se quebram violentamente contra a praia e às vezes chegam a ela de forma calma, quase como uma carícia de amor.

Meu braço arde, como se dele minha pele se desprendesse, como se a carne deixasse os meus ossos e aos poucos o brilho fosse deixando minha existência. Linhas finas brilham num escarlate como agulhas carmesim, o ardor me lembra que ainda estou vivo. Eu me machuquei mais uma vez, na esperança de assim esquecer a dor que fazia arder o meu peito. Engano meu! A dor se transformou num torpor, que me envolveu em seus tentáculos gelados como a frialdade da terra, e dele não pude escapar, senão que mostrei ao mundo uma face fria da qual eu não me orgulho. 

Quando finalmente pude me deitar, o sono não esperou sequer que fechasse os olhos, antes disso, me dominou como um leão feroz ao devorar a sua vítima, como ele devora minha força, como ele devora meu ser, deixando apenas os restos a serem devorados pelos vermes. E então adormeci, um sono profundo que, no entanto, não durou para sempre.

Droga! Quantas vezes adormeci na esperança de que não acordasse mais, quantas vezes adormeci na esperança de conseguir fugir do pesadelo que sou obrigado a viver todos os dias, quantas vezes adormeci na esperança de que ao acordar vesse uma mensagem me esperando, e dizendo que tudo o que vivemos não passou de um teste, uma mentira...

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Do desespero

Nada

Morte

Horror

Solidão

Frio

Abandono

Vazio

Fogo

Torpor

Cinzas

Nada

Eu menti, para mim primeiramente, quando disse estar enfrentando a morte de frente, encarando-a face a face, sem medo. Não poderia estar mais enganado. Eu estou com medo, aterrorizado, absolutamente e completamente paralisado pelo medo de ser deixado, abandonado, trocado, por aquele que mais amo.

É um medo tão grande e tão poderoso que todos os aspectos da minha vida foram por ele dominados. Meu corpo, minha mente, minha alma. Tudo se encontra em trapos graças a esse medo. O que, no entanto, não compreendo é que já deveria ter me acostumado, afinal já fui de fato trocado, deixado, abandonado. 

Eu apenas aguardo pelo veredito oficial, uma vez que a sentença já foi aplicada. Eu apenas aguardo pela palavra que declare a minha morte, uma vez que já estou morto de verdade. 

A imagem do exército é a mais viva em minha mente nestes dias. O exército alto, forte e poderoso que marcha impiedosamente sobre mim, e eu, fraco, pequeno e indefeso, sem conseguir levantar sequer a voz para me defender dos ataques cruéis e desumanos que sofro. 

Não sou um oponente digno, senão que sou uma criança brincando de soldado, mas que volta para casa chorando ao ralar os joelhos nas pedrinhas do chão. No entanto, dessa vez, não enfrento inimigos imaginários, mas um exército de verdade, um inimigo verdadeiro, um inimigo que não posso vencer. 

Seria então fraqueza de minha parte, ou pura covardia, poupar o esforço de ser morto pela lança do inimigo e transpassar eu mesmo o meu próprio coração com um punhal? Estaria eu sendo um covarde? Mas convenhamos, eu sou um grande covarde!

Em mim restou a respiração arrastada, de quem se esforçou além do limite, de quem não aguenta mais correr. Minhas mãos tremem e meus olhos estão vidrados e cheios de lágrimas, numa estranha combinação de ausência e desespero. Talvez tenha me fechado em meu próprio enquanto ele é destruído pelas chamas, consumido pelas cinzas, reduzido a nada, o mesmo nada ao qual eu serei lançado. 

As trombetas do apocalipse ressoam pela minha mente até os cantos mais obscuros da minha alma. A tuba gloriosa vai convocando os mortos que habitam em mim para se apresentarem perante o trono do Rei, implorando clemência, implorando para que não sejam jogadas no fogo ácido, e nem no limbo do nada, onde nada acontece pela eternidade. 

Nada

Morte

Horror

Solidão

Frio

Abandono

Vazio

Fogo

Torpor

Cinzas

Nada

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Depois da guerra

Não imaginava que dentro de mim houvesse tamanha altivez, com efeito, para alguém que está prestes a ser morto e abandonado aos vermes por quem mais amo, estou de cabeça erguida e com um impassível sobre a face. Na verdade, acho que já me acostumei com a ideia de ter o peito transpassado por uma lança empunhada pelo meu amado. Já me acostumei com o fato de que ele escolheu a ela e não a mim para seguir os seus dias. Aceitei que não há nada que meu amor possa fazer, e que não há nada mais a lutar, senão que minha batalha já foi perdida, e eu me encontro derrotado, mas não caído ao chão, de pé e ensanguentado, mas olhando de cabeça erguida a vitória de meu inimigo mais cruel.

Minhas mãos estão machucadas, e o aço frio da espada arde nas feridas abertas por empunhar com força a arma que usei para tentar tirá-lo das garras do dragão. No meu peito, a lâmina da lança quebrada atravessa meu coração e uma brisa fria faz o cheiro do meu sangue inebriar o ar. Meus olhos não choram, minhas lágrimas secaram, e a única coisa que escorre pelo meu rosto é o líquido vermelho e quente de minha vida que aos poucos se esvai, fluindo como uma fonte, pingando lentamente na terra. 

Das gotas de meu sangue no chão uma rosa nascerá. Quando eu já não mais estiver pisando ali, quando eu já tiver sido devorado pelos monstros das ruínas. Essa rosa se erguerá solitária em direção ao sol, e em uma de suas pétalas haverá uma gota de sangue, uma única gota, que como numa poesia declarará que meu amor para sempre habitará este solo por onde andei, onde lutei, onde fracassei. 

terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Espírito de Natal - Pt. 2

O efeito do benzodiazepínico veio lentamente, como uma névoa, sobre mim na noite de ontem, e me envolvendo num abraço acolhedor e letárgico me fez relaxar. Acordei menos tenso e felizmente, para meus amigos e família, intacto. 

Não é segredo que pensei coisas terríveis durante essa que, embora repleta de luzes coloridas, foi uma noite de profunda escuridão. Não é segredo que queria que essa foi a última noite de triste Natal, não é segredo que pensei muito em fazer com que ela fosse a minha última noite de Natal. Fui salvo por 6mg de bromazepan e pelo temor de magoar aqueles que amo, mas também fui salvo pela minha covardia. 

Muito embora esteja razoavelmente melhor quando comparado com o estado absolutamente lamentável de ontem a noite, eu ainda sinto um gosto ruim na boca, algo metálico, como sangue, como um prenúncio. As palavras dele ecoam pelo meu corpo e me fazem arrepiar, a lembrança de seu toque, seu abraço, me enchem os olhos de lágrimas. Aquele abraço me destrói, pois me faz desejar ficar ali para sempre. No último abraço eu o segurei, com força, porque queria que durasse para sempre, mas tivemos que nos separar, e ele teve que ir embora. Não. Isto está errado, ele não teve de ir embora. Ele quis ir embora. E eu andei na direção oposta, sem força, sem ânimo, como tem sido os últimos dias de minha vida. 

Me deitei no sofá, na penumbra da sala iluminada apenas pelas luzes da rua que insistiam em entrar pelas frestas das janelas e cortinas apesar de meus esforços em cobri-las. Os primeiros compassos da Sinfonia N° 6 do Tchaikovsky "Patética" logo me fizeram mergulhar num mundo só meu, muito embora a voz preocupada de minha mãe constantemente tentasse me arrastas de lá. Deus sabe o que poderia ter acontecido se ela não o tivesse feito. Fiquei pensando no quanto aquela música diz sobre mim. Quando, finalmente, morrer, estará nela a minha carta de despedida, ela contém a verdade de minha vida, e cada um de seus movimentos é como uma declaração precisa da minha existência. Nada que eu escreva me descrevera melhor do que a música do mestre russo...

O espírito de Natal que me possuiu foi o da melancolia, que me fez deitar e chorar por um alguém que longe daqui sorria, provavelmente de contentamento por saber o quanto sofro por ele. 

E como na sinfonia, meus compassos vão aos poucos diminuindo, depois de explosões de fúria, depois de sonhos inebriantes, depois de valsas repletas de nostalgia. Diminuindo num lamento solitário, abandonado, até chegar ao seu inaudível fim... 

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Espírito de Natal

O espírito de Dezembro que me perdoe, mas minha noite de Natal será regada pelas lágrimas que escorrem de meu coração. 

Lágrimas vermelhas, lágrimas de solidão. 

Quando nos vemos, nos abraçamos, e o seu abraço tem mais poder sobre mim do que mil bombas atômicas. Quando então damos as costas e nos despedimos, fingimos que não existimos, é como se fôssemos dois completos estranhos. 

Nessa noite de Natal o meu espírito se quebrou, e eu pressinto a morte lenta se aproximando ladeada pelo fantasma do abandono que foi quem preparou a minha alcova. Não me mate lentamente, dê apenas um golpe, não seja cruel. Mas parece que você gosta de me torturar, e mesmo dizendo que não vai me deixar, sabe que se escolher ela, é isso que estará fazendo, pois não pode ter a ela e a minha amizade ao mesmo tempo, e eu não significo nada para você a ponto de que com isso você queira me escolher. 

Meu Natal será na solidão da noite escura de meu quarto. Com meus gemidos sendo abafados pelo som de seu sorriso, que passará esta noite ao lado de quem ama, e não serei eu. 

Meu Natal será chorar sobre as feridas que você deixou abertas em meu coração, onde você grosseiramente salgou com seu abraço. 

Meu Natal será fazer sair pelos meus pulsos o sangue do coração que bateu por você. 

Meu Natal será chorar a tristeza que é saber que não me ama, e que pra você deveria ser apenas mais um estranho no meio da multidão. 

Meu Natal será chorar o amor que sente pelas mulheres, e que eu nunca poderei tocar...

O espírito de Dezembro que me perdoe, mas minha noite de Natal será regada pelas lágrimas que escorrem de meu coração. Lágrimas que escorrem lentamente pela minha pele, fazendo arder os cortes que tracei para expurgar minha dor, fazendo com que me lembre que essas lágrimas são as lágrimas de um homem que vive contra sua vontade, amando sem ser amado pelo amado, derramando lágrimas de sangue pela sala.

Lágrimas vermelhas, lágrimas de solidão. 

Do fim e de sorrisos

Já há alguns dias que eu olho no espelho, e vejo que preciso mudar algo. Fazer a barba, que há semanas não aparo, cortar o cabelo que já começou a perder a forma, ou simplesmente colocar um sorriso que seja. Isso já faria muita diferença. Mas não consigo.

Não tenho disposição pra isso, mesmo sabendo que seria bom pra mim, mas não, só quero continuar aqui, existindo, sem precisar comer ou dormir, sem precisar fazer nada de útil, sem fazer nada, apenas existindo esperando pelo dia que seja convidado a deixar da fazê-lo. Essa tem sido minha rotina. 

Eu olho no espelho e não reconheço o homem que aparece lá. Ele me parece triste, o rosto macilento e a pele oleosa mostram o descuido com o corpo, reflexo de um interior que já se cansou, de tudo. 

E é isto, tenho até sorrido, quando estou com meus amigos, o que tem sido meus únicos momentos de alegria, mas depois disso, sou tomado pelo mais absoluto vazio, e pintado pela escuridão mais profunda, e uma voz que sussurra que meu fim está próximo... Mas se ainda estou aqui, tirando forças sabe-se lá de onde, é porque eles estão comigo, e porque sei que mesmo depois de um dia cheio e cansativo, eles ainda estarão lá, comigo, abafando os sussurros da morte com o seu sorriso, e me fazendo sorrir, e me dizendo que não, meu fim não está próximo, minha alegria sim!

sábado, 22 de dezembro de 2018

Alegria de Natal

São quase três da manhã, e as gotas esparsas da chuva escorrendo pelo telhado fazem um barulho engraçado na janela do meu quarto. Estou quentinho aqui dentro, mas o meu cabelo brilha com a umidade que me atacou quando fui abrir o portão agora a pouco. São quase três da manhã e eu acabo de fechar a porta depois de meus amigos terem ido embora, mas ele deixaram uma coisa comigo: seus corações.

Há muito, muito, não sentia esse calor no meu peito. Há muito não sentia essa sensação, de que há uma razão para estar aqui. 

Fizemos uma Cantata de Natal num comércio aqui da cidade, o que foi muito divertido, e pouco depois viemos aqui pra casa, como é de costume. Cantamos, brincamos, sorrimos, conversamos, e foi isso, apenas isso, capaz de acender de novo a fagulha que dentro de mim havia se apagado. E mesmo com a chuva forte chapinhando na janela e o vento uivando com o poder de um temporal de primavera o calor aqui dentro ainda me faz feliz. Eu sorrio aqui, sozinho no escuro do meu quarto iluminado pela tela do notebook, que também preenche o ar com o som doce e alegre de Kana Nishino. Alegria simples, alegria de Natal. 

Mesmo tendo motivos pra isso, não senti vontade de chorar, e sequer lembrei dele nessa noite, coisa que até pouquíssimo tempo me era impossível. Mas não, não foi preciso eu sonhar com ele me fazendo feliz porque eu já estava ali, feliz! E isso me basta!

O choro e o abismo

Você é frio como as paredes de um abismo, onde reverberam os sons dos gemidos de meu choro mais sincero e sentido. Você é assustador como a escuridão desse mesmo abismo, que em seu silêncio sepulcral e ameaçador que apenas a morte pode ser achada neste oceano de escuridão que é seu coração. A luz não chega lá, o amor não consegue te tocar e, no fim, restará somente o chão brutalmente duro de sua expressão de absoluto desprezo por mim.

Que lutei, que tentei te fazer feliz, que a você me dediquei mais do que deveria, mais do que seria absolutamente correto fazer. E ainda assim não foi suficiente. Eu não mereci sequer um pedido de desculpas, eu não mereci um olhar compadecido, não fui digno sequer daquele olhar de compaixão que você daria a um cão ferido prestes a morrer. Para você, sou menos do que aquele cão.

Para nunca mais

Eu olho para ele indo embora agora, e não me levanto para correr atrás e impedir que se vá, antes disso, eu apenas observo, sem reação. Não vou chorar, não vou chamar por seu nome, não vou gritar. Eu não vou me mover daqui a menos que seja para percorrer meu próprio caminho.

Que vá embora, que vá com os diabos para o inferno! A distância que tanto amaldiçoei é agora a que me consola, estando longe não pode me fazer nenhum mal. Estando longe eu posso ver o que antes não podia por estar cego, por estar preso.

Você já tomou meu coração para si, o quebrou, reduziu meus sonhos a pó e os lançou aos quatro ventos. Você me despedaçou em tantos pequenos pedaços que não sou mais do que um pedaço de homem agora. E você sorriu. Sorriu da minha dor, sorriu do meu sangue derramado, sorriu do meu ser desnudado diante de ti. Você me incendiou, me transformou em cinzas, me soprou para longe, e depois se virou como nada ali existisse.

Portanto que se vá, que se vá sem se despedir, que se vá sem pestanejar, eu só peço que deixe o que restou de mim aqui, para que de alguma forma eu possa me reconstruir. Abandone-me, e me deixe só, como tantas vezes o fez, mas agora não volte para me humilhar mais uma vez. Que vá como se eu não existisse porque sei que para você eu nunca existi de verdade. Vá para nunca mais voltar!

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Desprazer

Pois bem, por onde devo começar? Alguns dias sem escrever me dão a impressão de que perdi uma habilidade há muito adquirida com custos, como um hábito que demorou anos para se formar, mas que se perdeu com uma reviravolta que me fez esquecer o que fazia constantemente e apaixonadamente.

Não é o caso, de qualquer forma, já que não tenho feito uso da escrita por motivos que transcendem até mesmo minha própria capacidade de expressá-los por meio da mesma. O fato é que tenho sido acometido por uma grave enfermidade: a falta de vontade, ou como prefiro chamar: preguiça existencial.

Sabe quando o simples trabalho de respirar ou fechar os olhos para dormir torna-se um fardo pesado demais para carregar? Minha mente tem lidado com o peso que é simplesmente existir, ainda que seja vegetando por sobre uma cama sem fazer nada de útil ao meu país.

Me mudei recentemente, para um bairro que fica no lado oposto da cidade, e mesmo sabendo que deveria me ocupar em organizar as coisas que por si já estão caóticas, eu simplesmente venho procrastinando. Eu vejo as coisas bagunçadas e jogadas de qualquer jeito, e não consigo reunir o mínimo de força para fazer nada. Poderia dizer que me sinto assim por conta do cansaço físico e da fadiga que o esforço da mudança exige, mas não tenho feito nada para me cansar de fato. Até mesmo os compromissos da Igreja eu tenho cumprido apenas pela formalidade social de não abandonar algo que comecei, mas o faço no modo automático. Não tenho encontrado prazer sequer nas coisas que antes me faziam sorrir: gastei horrores em maquiagens que há dias não uso nem em ocasiões que normalmente o faria, não tenho me empolgado com as músicas novas que me aparecem, e nem com as pessoas ao meu redor. Com efeito, a exceção de meus amigos mais próximos da banda, não tenho nenhum contato com as outras pessoas além do estritamente necessário...

Acho que estou passando por uma fase difícil. Parece muito um período de interiorização, e bem que poderia sê-lo, mas o fato é que quando fecho os olhos, não me vem nada a mente, senão que figo vagando por lugares distantes, aleatórios até adormecer e acordar novamente com o mesmo sentimento de vazio com que fui dormir.

Daí chamar essa enfermidade de preguiça existencial. Experimento uma sensação insípida de não desejar nada. De não saber o que querer, de deixar as coisas fluírem da forma que quiserem, sem que tenha de controlá-las para seguirem o caminho que espero, porque não espero nada.

Não tenho sentido mais a necessidade sequer de prender algumas pessoas em minha vida, senão que tenho percebido que seria bem melhor se de fato se afastassem de mim. Querem ir? Que partam logo! Querem ficar juntos? Que fiquem, e que sejam felizes no inferno bem longe de mim!

Mas eu sei que não deveria ser assim, sei que não deveria ter se apagado em mim a chama, o gosto, pela vida. Mas olhando com cuidado dentro de meu peito eu não vejo mais uma centelha de vida, senão que vejo um abismo, onde minha voz já não reverbera mais pelos paredões de rocha fria, pois já não grito e nem choro, apenas fico ali, contemplando o abismo, enquanto ele também olha para mim.

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Sabotagem

Meu corpo tenta aos poucos se recuperar da última crise. Há dias que não consigo me concentrar em nada, e há dias que meu sono tem sido minha única companhia. Odeio dias assim, pois me sinto fora de órbita e as pessoas falam comigo exigindo o mínimo de atenção, e tudo que eu consigo é contemplar a imensidão de um abismo que há dentro de meu próprio peito. 

Por indicação de uma amiga eu fui fazer uma entrevista de emprego num colégio no município vizinho, e fui chamado para dar uma aula experimental no dia seguinte, sob a supervisão da coordenação pedagógica.

Como alguém que gosta de falar em público, e que tem uma razoável capacidade de expressão, eu não me senti pressionado com isso, mas o fato de estar sob olhares de julgamento me deixou completa e absolutamente aterrorizado. 

Um verdadeiro vendaval surgiu dentro de mim, e a ansiedade atingiu níveis alarmantes. Como resultado eu fiquei praticamente de cama, incapaz de ter qualquer contato com o mundo exterior.

Preparei as aulas, com uma crescente insegurança, e passei a questionar a minha capacidade mesma de dar aula. Por outro lado me recordava dos anos de faculdades, dos muitos livros e cursos que fiz para me capacitar cada vez mais, mas ainda assim passei a crer que seria insuficiente.

Passei a ter a certeza de que não conseguiria. Passei a crer na minha completa incapacidade de fazer aquilo que passei 5 anos me preparando para fazer. Mesmo sabendo da incapacidade de grande parte das pessoas em julgar o que digo e penso, mesmo sabendo ser superior eu temia o julgamento daqueles que eu sabia que não iriam me compreender.

Na noite antes do dia marcado eu saí com uma amiga, e por alguns momentos consegui me distrair, enquanto apreciava as musicas de uma apresentação da banda sinfônica da Escola de Música de Brasília. Mas a ansiedade não tinha passado, apenas estava se preparando pra me dar o bote. 

Tentei conversar, mas procurei a pessoa errada. Ele não me entendeu, ele não me ouviu, ele novamente me ignorou e isso é claro que me abalou. Se já estava vulnerável depois de falar com ele a ansiedade encontrou espaço dentro de mim.

Ela cresceu e me dominou novamente. As dores se espalharam pelos braços e pernas. Meu estômago fechou. Só consegui dormir porque o cansaço físico dessa mesma crise foi tão grande que eu certamente teria apagado em qualquer lugar. 

No outro dia acordei, mas exausto é pouco pra descrever o que sentia. Algo me apertava o peito e a garganta. Meu estômago revirava. Não podia fechar os olhos pois mergulhava num abismo de escuridão e terror. Não conseguia parar de tremer, não conseguia comer. 

Chegando lá eu tive de esperar. E esperar. E pra um ansioso isso é a pior coisa que pode acontecer. 

Mas tudo isso era uma sabotagem. E das grandes. Eu mesmo me sabotei... 

Claro que quando eu realmente precisei enfrentar a aula, tudo transcorreu na mais tranquila ordem, afinal não é minha primeira vez dando aula. Depois, quando cheguei em casa, o peso foi tirado de cima de minhas costas, e eu capotei, dormi o dia inteiro, numa evidente necessidade que meu corpo tinha de descansar...

Acho que essa é minha pior e mais destrutível mania: me destruir mesmo quando as coisas são apenas como são. Eu me saboto, a minha cabeça é a minha prisão, eu sou meu maior inimigo. Eu vejo, tantos aspectos de minha vida que poderiam ser melhores se eu não tivesse esse péssimo costume de me sabotar. 

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

O início da inexistência

Eu tentei, eu tentei mesmo, com todas as minhas forças, com tudo que tinha em mim. Cada fibra do meu corpo, cada parte do meu ser, tudo lutou, e eu vejo hoje que não fui um covarde. Eu não fugi, eu fiquei e enfrentei mesmo quando o inimigo se colocava em cima de mim e me machucava profundamente, mesmo quando o sangue caía em meus olhos e me tapava a visão, eu continuava tentando me levantar, tateando às cegas, indo contra os protestos de cada músculo que gritava para que não mais me levantasse, para que ficasse ali deitado, esperando a morte... 

Estou agora prostrado novamente, com estranho riso no rosto, de quem não se rendeu mas que sabe que logo o inimigo se aproxima para dar o derradeiro golpe. Engasgo com o sangue de minha garganta cortada, e meu pulmão em chamas clama pela gula da terra, que logo me destrua. Não sinto minhas mãos, e meus pés estão em carne viva. Não tenho mais forma humana, senão que sou uma garatuja, um não sei quê que ainda por pouco respira, um coração que bate em meio a carne que já começa a apodrecer. Sinto fome, mas meu corpo não aceita mais alimento, meu corpo já se decidiu pela morte.

O que sinto já não é mais dor, mas é o início da inexistência. O que sinto é o meu corpo se desfazendo em meio ao veneno do ar que respiro. Veneno este que foi preparado pelas rosas que me atraíram com sua beleza, para então me corroerem até os ossos para então ser devorado pelos vermes que habitam suas raízes. 

domingo, 9 de dezembro de 2018

Ganhos

Sabe, eu podia me sentar aqui e escrever de novo sobre ele, sobre o quanto o amo, sobre tudo que sinto quando penso ou o vejo, sobre o quanto fico triste ao saber que fui trocado ontem de novo por ela. Podia dizer o quanto meu coração se entristeceu ao vê-los juntos. O quanto quis gritar, bater, chorar... Mas pra quê? 

O que eu ganho me derramando mais uma vez, chorando mais uma vez, sangrando mais uma vez em nome de um amor que só existe na minha cabeça? O que eu ganho colocando um sorriso falso no rosto para os meus amigos, enquanto minha mente vaga triste e distante, tão distante quanto ele?

Mas isso não é uma declaração de superação, não, antes é apenas um peso que não aguento mais carregar, mas do qual eu não consigo me livrar senão que serei levado ao fim por ele, esmagado por uma corrente de amor e ódio que não pode ser quebrada.

É uma luta que não posso lutar, uma batalha que não posso ganhar. 

Inferno Particular

Outro dia, outra sabotagem.

Sentado no escuro, absolutamente dominado pela carência, depois de uma noite de Lexotan e tequila, pensando nele e sabendo que ele não pensa em mim. Sim, sei bem que o que tenho dito não varia muito. Sei que não sou dos escritores mais habilidosos, afinal as minhas palavras giram em torno de um tema bem específico: meus relacionamentos fracassados, frutos da minha capacidade sempre impressionante de me apaixonar por quem nunca conseguirá corresponder o que sinto. 

De qualquer forma eu já me acostumei com essa realidade, e se a boca fala daquilo que o coração está cheio, de que outra coisa poderia falar, senão que de minhas mágoas? 

Como costumo dizer: hoje é um dia daqueles! E meu corpo já começa a protestar, desejando um outro alguém. A ansiedade que ontem me atingiu forte na cabeça hoje deu espaço para a carência me abraçar, e os tentáculos gelados dela já começar a rodear a minha mente e meu coração. 

Choro por qualquer coisa. 

A chuva me faz lembrar dele. 

As flores me fazem lembrar dele. 

O céu escuro me faz lembrar dele.

As estrelas me fazem lembrar dele.

Minha cama vazia me faz lembrar dele. 

Meus braços soltos me fazem lembrar dele. 

Tudo me faz lembrar dele. 

E eu sei que ele nem sequer se lembra de mim.

Novamente um sorriso irônico surge em meu rosto. Acho que é um costume estranho o que adquiri, o de rir de minha própria desgraça. O de rir mesmo em meio as lágrimas que me surgem ao pensar que ele pode deitar-se com outra nessa noite, entregando seu corpo a um alguém qualquer, enquanto sozinho eu penso nele, em como gostaria de tê-lo ao meu lado. E então eu fecho os olhos, e aos poucos aqueles sentimentos vem me dominando aos poucos.

O medo. 

A solidão.

A angústia crescente.

O desejo pela morte.

As cicatrizes de meu braço ardem, clamam para serem reabertas, para que possa sair por ali a dor que em meu peito transborda. Os pensamentos que há muito venho combatendo ganham força. Deveria continuar existindo? Deveria continuar insistindo nessa vida patética, sofrendo por quem sequer pensa em mim senão como algo menos importante do que um inseto? 

Como nos compassos de uma marcha fúnebre eu sinto o meu fim se aproximando. E a cada dia eu me convenço mais de que serei eu mesmo o meu carrasco. 

A risada do demônio desconstróis os temas da minha alegria pregressa. E tudo retorna ao nada. E tudo vai desmoronando, e eu mais uma vez mergulho no meu inferno particular, dentro dos recessos da minha própria mente. 

sábado, 8 de dezembro de 2018

Tudo isso

O meu corpo está cansado, das atividades, dos compromissos, dos problemas, das noites sem dormir direito. A minha mente está contente, pelos meus amigos, pelas risadas, pelas brincadeiras. O meu coração está triste, pelo abandono, pelo silêncio, pela razão. 

Como pode alguém viver em realidades tão distintas? Como posso viver com essa confusão dentro de mim? 

Eu olho ao meu redor, e vejo o quanto algumas pessoas me tem em mais alta conta, e ao mesmo tempo percebo que para outros, ocupo o mais desprezível dos lugares. E adivinha qual deles permito que me afete? 

É com um sorriso irônico no rosto que escrevo, e que penso ao fechar os olhos, que quanto mais desejo que pensem em mim, quanto mais desejo que me amem, quanto mais espero que me desejem, mais desprezível me torno aos seus olhos. E o mais que faço não vale nada, porque a minha existência não vale nada. 

Observo meu passado e vejo o quão desprezível tem sido minha caminhada por esta terra, e não fosse o sorriso dos meus amigos mais chegados já teria colocado eu mesmo um fim a esta existência patética.

Minhas vitórias são risíveis, minhas batalhas pífias, minhas lágrimas injustificáveis, minhas poesias são areia ao vento, se desfazendo no ar sem deixar uma marca. As únicas marcas que ficaram foram aquelas deixadas pelos outros, e não deixei nada em seus corações. Não há nada de bom em mim que possa servir ao outro, e prova disso é o absoluto desprezo que recebo daquele que amo. 

Mas e então, se minha continuidade é apenas para não deixar os outros tristes, mesmo estando triste sabendo que quem amo não me ama. Será que é só isso? É pra isso que eu vim ao mundo? 

E todo esse amor que há dentro de mim? Pra que serve essa porcaria? O que devo fazer com algo que tenho de monte mas que ninguém quer? De que adianta tudo isso? 

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Marcas

Algumas coisas deixam cicatrizes em nós. Algumas pessoas deixam cicatrizes em nós. Marcas tão profundas que chegam a queimar a carne e os ossos. Marcas que talvez nunca nos deixarão.

Eu olho para algumas marcas do meu corpo. Algumas eu fiz para marcar um tempo de vitória, como as tatuagem, e outras para marcar uma dor. Algumas eu só posso ver ao olhar para dentro de meu próprio coração, e outras eu vejo no meu corpo um retrato do que se passou na minha alma. 

Eu vejo que algumas marcas já sangraram muito, mas que hoje são apenas uma leve mancha na pele, ou no coração. Servem pra me lembrar das coisas que se passaram, mas não doem mais. Outras marcas ainda sangram, e sinto dor só de lembrar o quanto doem. 

Eu vejo as marcas que quase desapareceram, e que hoje são uma lembrança distante, e vejo que outras nunca sumirão. Vejo que algumas dores eu carregarei pra sempre comigo, e vejo que algumas feridas nunca vão se fechar.  

Estamos no último mês do ano, e eu consigo ver um pouco as marcas que os últimos meses deixaram em mim. Algumas eu sinto que já começaram a se fechar, mas outras, ainda sinto como se tivessem sido abertas nesse exato momento. As dores desse ano me marcaram, e essas marcas eu levarei comigo pra sempre. Algumas pessoas me queimaram e abriram feridas com lanças e punhais, e eu sei que essas cicatrizes ficarão pra sempre aqui

Mas outras eu sei que é possível colocar um curativo. Algumas coisas eu sei que é possível remediar e as vezes até operar. Algumas vitórias eu sei que posso buscar. 

Algumas coisas deixam marcas em nós. Algumas pessoas deixam marcas em nós. Marcas que talvez nunca deixarão de existir. 

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Tumbling down

Acredito que possa dizer que eu sou a prova viva, ma non troppo, do quanto uma pessoa pode ser prejudicial a outra, mesmo sem querer. Estou nesse momento deitado, depois de dormir quase 12 horas seguidas, ainda cansado do fim de semana que, excluindo minha batalha pessoal foi corrido como tantos outros. 

O que me deixa cansado não é a correria que todo fim de semana sou obrigado a suportar, não, a essa já estou acostumado. O que me cansa é o estresse que a presença dele me causa, o que me cansa é o fluxo ininterrupto de sentimentos poderosos que tenho quando estou perto dele, ou quando sei que terei de vê-lo. 

Deitei ontem a tarde, e em poucos instantes meu corpo se entregou ao cansaço que já vinha se anunciando por tantos sinais. A voz gasta, os olhos fundos, os reflexos atrasados. Tudo indicava que a fadiga já estava cobrando de mim uma certa taxa de vida. E mesmo deitando não consegui descansar completamente. Senti como se uma grande bola de ferro fosse retirada das minhas costas. Quando me deitei, era como se tivesse me tornado uma massa, disforme, sem membros ou ossos. Apenas estava ali, a espera de sabe-se lá o quê. A impressão que tinha era de que havia perdido os contornos da minha existência, e assim estava me transformando em outra coisa.

Até mesmo agora, sinto meu corpo pesado, e dores por todo lado. A ansiedade é uma vilã cruel, que sem nenhuma misericórdia faz com que eu sinta que estou deixando de existir. Ela faz com que eu não reconheça o que vejo no espelho, ela faz com que eu já não saiba mais quem sou, perdido em meio a dor. 

Isso me coloca num estado obsoleto, de uma inutilidade generalizada, onde sou completamente incapaz de fazer qualquer coisa. Não consigo comer, nem estudar e nem sequer conversar direito. Que poder é esse, que me reduz ao pó, que me faz pensar que sou um nada? O que é isso que ele faz comigo, que me destrói com mais força do que tentam meus próprios inimigos? 

Não consigo dar forma a esse texto, não consigo sequer reconhecer minha própria forma. Não consigo fazer mais do que continuar existindo. E então retorno ao início, onde disse ser eu a prova viva do quanto alguém pode ser prejudicial a outra. Quando me perguntam como estou, respondo sinceramente que estou vivo, e isso é o máximo que posso dizer de mim mesmo. 

Continuo existindo, e nada mais. 

E tudo retorna ao nada, e tudo vai desmoronando, desmoronando, desmoronando...

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

O véu do céu

Um poeta como eu encontra inspiração até mesmo quando não o quer. Saía de casa há alguns minutos, para uma ida rápida a farmácia, e por acaso olhei para o céu enquanto passava a chave no portão. Pronto, estava dada a inspiração.

O céu estava de um azul profundo, mais escuro conforme se aproximava a linha do horizonte e o centro, o lugar para onde olhava ao erguer a cabeça, parecia um veludo salpicado de estrelas. Os pontinhos brilhantes se misturavam com as nuvens compridas, que por sua vez estavam de um roxo escuro. Que belo quadro esse, certamente pintado pelos anjos, servos do deus do Amor que especialmente inspirados pela sua divindade o pintaram como um presente a humanidade. Esse véu do céu me encantou, e meus olhos brilharam! O azul está entre minhas cores favoritas, e tem um significado especial para mim. 

O azul é a cor favorita de uma pessoa, e talvez por isso eu disse que não queria essa inspiração. Ao menos não essa que me fez pensar nele no exato momento em que elevei meus olhos ao céu. Onde será que ele está, embaixo desse mesmo véu? 

Caminha por alguma estrada de terra com sua bicicleta, enquanto sente a brisa fria em seu rosto, brisa que ele tanto ama? Ou será que está em aula, com a mente distante de mim e o olhar fixo em alguma garota? 

Não há como controlar o fluxo de pensamentos que vem dessa paisagem. A valsa das flores que aleatoriamente começou a tocar também não ajuda. O player precisava indicar uma música romântica logo agora? Mas sob o compasso dessa dança o meu coração pula, e meus olhos se fecham enquanto suspiro, suspiro de amor, e sorrio, mesmo sabendo que não há motivos para sorrir se ainda penso nele. 

Mas de qualquer forma o céu tinha uma beleza ímpar, e isso aqueceu meu coração, e independentemente do calor que está fazendo isso é uma coisa boa!

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Do bom senso que se foi

O mundo está cheio de pessoas baixas. O mundo está cheio de pessoas idiotas e eu estou cercado por elas. A cada dia eu vejo mais gente se afundando em suas próprias opiniões estúpidas e eu, que tenho convicções, sendo obrigado a fingir que nada disso me atinge profundamente, para não ferir o orgulho delicado de almas tão frágeis. 

Onde foi parar o bom senso? Se perdeu em meio ao concreto das fundações de nossas relações, pautadas no egoísmo e no puro desejo de não conhecer nada? Onde foi parar o bom gosto, onde foi parar o belo, onde foi parar o justo? Parecem ter se perdido em meios ao livros de história da arte, que trazem estampadas em suas páginas o retrato de um povo distante, que um dia foi capaz de amar o que é bom, o que é belo e o que é justo, mas que hoje ama apenas a miséria da própria humanidade.

A lixeira da podridão humana está estampada nas paredes dos museus como se fosse o que de melhor temos a oferecer. E talvez não seja o melhor, mas é provável que seja a única coisa que temos a oferecer. A voz do homem é mais importante que as cores que Deus pintou no mundo.  A confusão que veio do homem que se colocou no lugar de Deus e nem percebeu é notável. O sorriso de descaso é a véspera do escarro. A mão que te afaga é a mesma que apedreja, disse Augusto dos Anjos, e até ele se colocou no lugar de Deus. Os poetas foram os primeiros a colocarem suas palavras no lugar de Deus, fazendo de seu discurso a única ordem da existência. A eles se seguiram os cientistas, os políticos, e por fim, o homem mais baixo e comum, o provinciano, que pensa que o mundo se mede pela sua província, mas que Deus se mede pelos padrões de sua mente distorcida.

O homem não é mais capaz de levantar o olhar ao seu redor e perceber que deve voltar-se para o céu que o horizonte nos aponta. O homem abaixa sua cabeça para assim contemplar os próprios pés, e assim saber para onde vai. Vai para longe de tudo quanto deveria se aproximar! E se assim se esvaziam, e no vazio se angustiam, disse Pe. Zezinho, mas até ele colocou as próprias opiniões no lugar de Deus.

Eu vejo isso, e isso me revolta, me faz subir o sangue. Mas eu vejo que as coisas que eu digo, são como as deles, e que coloquei os meus pecados no lugar de Deus. Não tenho o direito de condenar a ninguém, antes disso, tenho de lutar para não ser eu mesmo condenado.

Não me refiro a condenação dos homens, oh não, dessa não poderei escapar. Desses eu serei presa fácil. Dos pobres que não enxergam um palmo do mundo a sua frente, desses eu ouvirei a risada, rindo-se de minha busca pela verdade, mas tudo bem, em vista do mundo que agora se abre para mim sua risada não passa de palha a queimar no vento, logo se esvai.

Esse pensamento faz com que eu me acalme, e isso é bom. Fecho os olhos, contemplo paisagens distintas, medito uma ou outra obra de fato digna de apreciação e de atenção, coisa que não posso dizer das pessoas boçais que me cercam. As vezes funciona, mas admito ainda distante de uma meditação eficiente. O meu sangue ferve, e eu sonho com cabeças rolando ante meus pés. O silêncio daqueles que um dia me feriram com palavras, suas adagas afiadas.

O que me consola é saber que buscarei o que sonho almejar, enquanto eles caminham para um morte silenciosa e que em nada contribuirá para o mundo senão com o peso de seus cadáveres podres, um simbolo perfeito de suas existências podres, provocando em mim uma convalescença leve e demente em fazer xixi em seus túmulos. 

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Resenha - A Brief Inquiry Into Online Relationships

O texto a seguir é a resenha, ou quase isso, de um álbum. Não é bem uma resenha porque eu coloquei aqui mais do que a minha opinião, mas fiz uma incursão, uma imersão no universo que a música me propôs. Talvez seja mais correto dizer que o que eu escrevi foi o registro da experiência de apreciação de uma obra, sim, isso me agrada mais. Como o texto foi copiado de uma conversa de WhatsApp pode parecer que as vezes estou falando com alguém, mas é porque de fato estava, isso é só pra justificar uma possível aura esquizofrênica aqui e ali. Enfim, é isso:

Sobre a obra trata-se do álbum A Brief Inquiry Into Online Relationships da banda inglesa The 1975. 

Quanto a intro e a primeira faixa eu gostei muito. Realmente a guitarra deu um certo desconforto. Mas eu teria achado isso se você não tivesse comentado? Nunca saberemos. De qualquer forma gostei da sensação nostálgica que senti com a melodia, aliás, senti que essa será a proposta aqui. Foi uma viagem a uma noite escura, mas brilhante pelas luzes dos postes na estrada e barulhenta pelo som do carro que corria estado a fora. Sabe quando estamos com alguém que nos faz perder a noção do tempo e do espaço? Isso.

Se a primeira foi uma viagem na estrada a segunda quase foi uma viagem lisérgica. Mas não chegou a tanto. Diria que é uma viagem na cerveja, quando o álcool entorpece as extremidades, e o riso vem espontaneamente sozinho. Gosto disso, gosto como uma companhia pode nos fazer sentir bêbados assim, e posso dizer que também gosto de lembrar que já me senti assim, o que acho que foi a impressão principal aqui.

How to Draw/Pretrichor - Também ficou no quase lisérgico, e eu estou encarando isso como um cenário. Agora estamos parados numa caminhonete, em algum lugar, deitados. As estrelas nos levam ainda mais longe, o que é isso que vagamente se delimita no horizonte? Imagens do passado, sonhos do futuro, se mesclam misturando suas cores. Lágrimas escorrem, a batida disfarça os gritos que vem da verdade pintada no coração. As mentiras não podem se repetir.

Eu comecei a ler agora o que você mandou, e a primeira linha de Love It If We Made It confirma que acertei em minha interpretação.

A verdade que se revelou a nós na música anterior agora se deixou marcar profundamente em nosso corpo. A agulha da heroína é uma boa imagem pra mostrar a verdade que entra e que transforma. E qual a verdade? Olhamos ao redor e vermos que estamos próximos uns dos outros, mas isso só serve pra mostrar o quanto somos ruins, de que adianta contemplar de perto um quadro que só nos causa arrepios? Assim é se aproximar do outro. Seria um sonho conseguir ver algo de bom não seria? Eu adoraria se conseguíssemos.

By My Mistake mostra a solidão. Alguém se sentou na traseira na camionete, pegou o violão e olhando pra fogueira pensou nos erros que cometeu, das lembranças boas que teve ao lado de alguém. Ele lamenta pelo futuro que foi apagado pelos seus erros, e se entristece até pelas piadas que não mais vai ouvir. 

A ironia está na primeira frase e em toda a aura da faixa seguinte, Sincerity Is Scary. Gostei da forma como o instrumental nos deu a sensação de uma cara compreensão. É uma pessoa que com humor ri das próprias desgraças. Mostra um grau elevado de dor, o homem que já não vê saída senão no desespero que é usar a própria desesperança como força de seus objetivos. 

I Like America & America Like Me - Voltamos a viagem lisérgica, já beirando a sobriedade quem sabe, ou a completa loucura. É difícil de precisar se estamos drogados, loucos, desesperados ou se isso já é a antessala da morte, cujo contemplar nos transcende a capacidade descritiva por meio de meras palavras.

Já não sabemos mais quem somos, o que somos. Isso é fogo? Eu sou só um mentiroso? As vezes os conceitos são imprecisos demais pra mostrar qualquer coisa além da completa falta de compreensão do mundo que nos cerca. 

Agora percebemos que até aqui a viagem que fizemos foi um caminhar para a morte. Já estava prenunciado? Estávamos num sonho, mas não um sonho qualquer, um sonho do passado que se mesclou num sonho do futuro no prólogo da morte. Inception. Sozinho em seu quarto, abandonado pelos seus amigos imaginários (online) ele morreu, na parte mais afastada do mundo.

De que adiantou tudo isso? De que adianta ter a mente aberta ao mundo, se ninguém pode compreendê-la? De que adiantou você ter compartilhado com o mundo todo se isso ainda não nos faz entender o que se passa dentro da sua mente? 

Ponto pacífico que até aqui compartilhamos as impressões sobre um mundo, com um mundo que não pode nos entender. A percepção dessa verdade se culminou nessa faixa It's Not Living (If It's Not With You). Ele disse com todas as letras o que antes estava dado subjetivamente ma non troppo. Me fez questionar todo o tempo que fiquei aqui, de frente pra uma tela com a figura do mar, enquanto as ondas se quebravam as minhas costas.

Nem todos morreram, alguns ainda lutam, mesmo que isso signifique que outros ainda cairão e que teremos de assistir. Alguns ainda tem de ficar de pé. Quantas pessoas travam suas batalhas diárias, à beira da desistência ou da morte, à beira da derrota. Muito embora seja um tipo de canção de reabilitação, Surrounded by Heads and Bodies mostra o campo de batalha do ponto de vista da fraqueza.

Que bela imagem Mine nos mostra. Um bar, na madrugada vazia, onde o som nos remete a realidades distantes, quase etéreas. As notificações chegam, o passado volta no acender de luzes de um celular. A beira da praia o ar salgado entra pela porta e se mistura com o gosto amargo da bebida abandonada. O sax nos faz derramar uma lágrima, a lembrança nos faz desejar jogar longe o celular, ou chorar amarga e silenciosamente enquanto na superfície a expressão séria contempla a escuridão de um ponto qualquer da parede.

Somos levados logo a próxima parada com I Couldn't Be More in Love. Alguém subiu no palco, e com extrema destreza disse em voz alta tudo o que estávamos escondendo no íntimo. A bebida acabou, a alegria também. O gosto amargo se mescla ao sangue. As notificações acabaram. Só nos resta fechar os olhos e assentir com o que ouvimos. Mas e então, o que fazer com esses sentimentos que há em nós?

E chega a hora de ir embora. Já vimos o quanto alguém destruiu a si mesmo iludindo-se com a sensação de aproximação que não aproxima realmente. Já vimos alguém lutar apenas com a força de um espírito partido. E nos perguntamos se queremos seguir o mesmo caminho, ou se não, que caminho queremos? As vezes só queremos morrer. É o que a constatação desse mundo frio nos faz desejar. O dia amanhe, e o sol quente aos poucos inunda o bar em que dormimos. Na rua, sentimos o calor, mas nada que possa voltar a aquecer a alma. E então há uma batalha, a última, entre a escuridão que brota no íntimo e a esperança que nos é impelida pelo sol. Qual haverá de ganhar?

The end, I guess.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Sacrifícios e desejos

Vamos falar sobre a insanidade nossa de cada dia? Sobre isto que nos foz olhar ao redor e perguntar se todos que nos cercam estão loucos, ou se na impossibilidade desta, os loucos seriam nós?

Eu vejo o quanto me distancio das pessoas, mesmo daquelas que sou mais próximo, e a cada dia parece que estamos em planos de pensamento completamente distintos. Enquanto eu passo horas e horas animado com uma aula sobre as Categorias de Aristóteles, as operações do intelecto e uma crítica a ciência moderna, vejo que não tenho com quem partilhar as experiências que aos poucos vou adquirindo. E se compartilho de alguma forma das descobertas que fiz, seja pelo estudo aplicado ou pela mera observação, sou tomado como louco e potencialmente ofensivo. A convivência com os outros me obriga a sacrificar o que há de mais especial em mim, e como não posso fazê-lo me obriga ao menos a supressão do que sou e de quem sou no âmbito público, para então ser eu mesmo apenas quando outros não estiverem por perto.

A incapacidade de comunicação, a insuficiência de linguagem, o inferno são os outros. Cada vez mais essas expressões se deixam profundamente me meu ser, e cada vez mais a solidão deixa de ser uma inimiga assustadora, se tornando lentamente numa amiga, a única capaz de compreender o que eu quero. 

Não se pode fazer omelete sem quebrar alguns ovos. O progresso não é obtido sem algum tipo de sacrifício. Para obter algo, outra coisa de valor equivalente deve ser oferecido. Mas como fazer pra calcular o que vale a pena ser sacrificado pelo que vale ser conquistado? 

Talvez eu esteja na antesala da questão ética mais antiga dos homens: o que me é permitido e o que me convém? Pra ser sincero não sei se essa é bem a questão essencial para mim. Indo um pouco mais fundo no meu pensamento percebo que a pergunta verdadeira é: o que eu quero para mim? 

As vezes, quando fico absorto numa aula ou leitura, sinto que desejo a vida intelectual, e que anseio o conhecimento mais do que a qualquer outra coisa. A sensação de compreender, ou de me deparar com uma questão que pode render anos de investigação me deixam excitado antes as possibilidades. Elas me deixam perplexo, o que, segundo Aristóteles, é o primeiro passo pro conhecimento. 

Mas ao mesmo tempo eu me vejo naquele cenário, onde o mundo vazio e sem ninguém é meu maior pesadelo. Esse cenário de horror me faz buscar uma companhia humana, alguém que nesse mundo frio possa me oferecer o calor de sua companhia. Mas essa companhia é feita não sem muitos espinhos, e a dor me faz querer o afastamento, que por sua vez me coloca novamente ante ao conhecimento que posso adquirir sozinho. Me sinto preso no ciclo infernal, no ourobouros do meu peito. 

Se fechar os olhos e pensar no que desejo, às vezes quero uma coisa, e às vezes quero outras. Infelizmente essa dualidade ainda batalha ferozmente dentro de mim, como dois animais brigando por um pedaço de carne. 

Desejo a sabedoria do céu ou a companhia da terra? Busco no campo a força merecida ou no alto a sabedoria da vida? 

domingo, 25 de novembro de 2018

Laranja

Nós andamos com nossos ombros lado a lado
Rindo de coisas que não importavam enquanto olhávamos adiante para o mesmo sonho
Se eu escutar cuidadosamente, ainda posso ouvi-la
Sua voz, tingindo a cidade de laranja

Quando você não está por perto, fico tão entendiado
Mas quando digo que estou solitário, você simplesmente ri de mim
Eu só fico conferindo as coisas que ainda tenho
Que brilham reluzentes e nunca desaparecerem

Como o céu depois que a chuva passa... como se limpasse o coração
Me lembro do seu sorriso; ele aparece em meus pensamentos e não consigo deixar de sorrir
Certamente, assim como éramos naquele dia... como crianças inocentes
Vamos correr através das estações se passando, vendo cada um dos nossos muitos amanhãs

Sempre que eu estava sozinho e começava a me sentir incomodado
Em noites que eu não queria dormir, nós ficávamos conversando

Me pergunto para onde você olhará a partir de agora
E o que eu vou ver daqui
Vou tentar confiar minhas lágrimas
A esta cidade onde o sol poente tinge tudo de laranja

Esse único amor nasceu em meio a milhões de raios de luz
Mesmo que você nunca mude... mesmo que você acabe mudando... você é você, então não estou preocupado
Algum dia, nós dois vamos virar adultos e conhecer pessoas maravilhosas
Neste momento, espero que consigamos trazer nossas famílias insubstituíveis e nos encontrar aqui novamente

Como o céu depois que a chuva passa... como se limpasse seu coração
Me lembro do seu sorriso; ele aparece em meus pensamentos e não consigo não sorrir
Esse único amor nasceu em meio a milhões de raios de luz
Nós corremos através das estações se passando, vendo cada um dos nossos muitos amanhãs
Escolhendo de cada um de nossos muitos sonhos

(Tradução de ORANGE do 7!! Seven Oops)

Um novo lugar

Ah o cansaço, nem mais pergunta se pode e já vai entrando em minha vida, como um velho conhecido. Já se deita em minha cama, e me impede de levantar antes da completa recuperação. Acontece que meu cansaço físico não pode passar enquanto o cansaço mental não se for, e esse meus amigos, ah, esse parece que nunca vai embora. 

Claro que os longos momentos deitado são uma fonte rica de reflexões, mesmo quando o que eu mais queria era que não o fosse, afinal, eu só queria descansar. 

Me recordo de um momento de descontração ontem, em meio um compromisso e outro. Consegui deitar por alguns minutos depois de um banho quente e ficar sentindo a brisa fria da chuva pela janela, enquanto ouvia uma playlist especial. Fechei os olhos e minha mente estava em paz. A imagem mental de uma praia num dia nublado, mas não triste, apenas tranquilo, sem a força da tempestade e a realeza do sol. 

Esse momento se rompeu com a chegada de um certo alguém, que por alguns instantes fez com que eu me sentisse bem. Ele ficou ali, com o violão de nosso amigo, arriscando algumas notas. Reconheci uma música ou duas, e tentamos cantar juntos algumas vezes. Eu fechei os olhos, e a paisagem continuou, bela e intacta. 

Mas tudo isso mudou com a adição de uma terceira figura, e depois uma quarta, e depois outra e mais outra... E a minha presença desapareceu. Em uma noite a minha história se repetiu, minha figura se apagou. Mas isso foi um erro de raciocínio. Minha figura não se apagou, ao menos não completamente, mas foi ele que deixou de vê-la, e eu por pautar minha percepção na dele, também deixei de perceber. 

Os outros me mostraram que era diferente. Eu continuava existindo, e continuava sendo importante pra eles, ainda que não o fosse pra ele. Qual é o meu lugar? Eu me localizei em relação a ele, e por isso estou sempre no canto, à margem, mas e quando os outros me mostram que meu lugar é ao lado de todos, e não atrás como ele me mostra ser? 

Isso revela que preciso mudar a forma como me vejo em relação ao mundo que me cerca. 

E assim termina a percepção de hoje, seca como uma folha que caiu no chão e se quebrou, mas que um dia se transformará em outra vida, crescendo novamente e se tornando ainda maior do que o que era. 

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Com carinho, Biel

Minha mente não quer se concentrar em nada. Passei o dia inteiro procrastinando em meio ao caos, sem conseguir fazer isso ou aquilo direito. Passei o dia buscando alguma coisa, procurando um sentido, uma razão, algo que me prendesse a atenção e nada, nada fez com que eu conseguisse pensar numa só coisa por mais de alguns minutos. 

Como resultado: fiquei impaciente. E quando isso acontece, eu acabo descontando em quem mais amo. Minha mãe não merece a forma como eu a trato. Ela mesmo cansada, com fortes dores, ainda faz o que pode pra me ajudar. Costura o que eu preciso, se preocupa com minha alimentação, lava e guarda minhas roupas... E eu, como um inválido de corpo perfeito mas de mente destruída assisto a tudo isso como se não tivesse nada a ver comigo. 

Eu sou um lixo. Não mereço as pessoas que me cercam. Não mereço um pai que tanto se esforça pra me dar tudo que preciso, não mereço os amigos que largam tudo pra ficar ao meu lado quando num surto eu penso em tirar a vida, não mereço a mãe carinhosa que pensa em mais do que pensa em si mesma. Não mereço nenhum deles.

Isso me destrói. Eu queria ser bom pra eles também. Queria saber e poder fazer mais do que o nada que faço. Mas eu não consigo, estou paralisado antes meus próprios medos, esmagado pelos minhas paixões, acorrentado em minha própria casca de  existência patética. Eu sou um peso morto, pra todos eles. E seria ainda melhor se estivesse de fato morto. Mas não o faço, e não o farei, pois sei que seria apenas mais um incômodo, a minha morte não traria nada de bom a eles, que tanto fizeram por mim. 

Mas eu gostaria que cada um deles soubesse, que se hoje estou aqui, e que se ainda sou capaz de acordar a cada manhã e sorrir, é porque cada um deles está ao meu lado! Se ainda consigo ficar de pé e cantar, ou cerimoniar uma Missa, é porque eles não me deixaram desistir. São aquela luz no fim do túnel, quando tudo parece escuro e frio. São o sorriso em meios as lágrimas. São a cor em meio ao arco-íris cinza. Eles são presença de Deus na minha vida, são um presente que nunca poderei pagar senão com meu mais puro e genuíno abraço eterno. Todas as vezes que eu achava que nada mais podia dar certo, vocês me mostravam que já tinha dado certo, vocês estavam comigo, e eu os amo infinitamente por isso!

Muito obrigado Mãe, muito obrigado Pai, muito obrigado família Kadosh/Bellfa! 

Com carinho, Biel. 

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Convite

Eis o melhor e o pior de mim
O meu termômetro, o meu quilate
Vem, cara, me retrate
Não é impossível
Eu não sou difícil de ler

Será que você tem coragem, de me encarar de frente, e ver o que há em mim, de mais belo e também de mais torpe? Você não se assustará, ao ver que a aparência doce esconde uma víbora perigosa, que minha boca é cheia de veneno mas que meu coração ainda tem muito amor? 

Faça sua parte
Eu sou daqui, eu não sou de Marte
Vem, cara, me repara
Não vê, tá na cara, sou porta-bandeira de mim
Só não se perca ao entrar
No meu infinito particular

Cuidado, muitos se assustaram ao ver o que não queriam. Eles se foram, fugiram de mim, e de meus gritos. Mas eu garanto, que se olhar de perto, as paisagens do meu eu vão te fascinar, mais do que qualquer coisa nesse mundo. O meu mundo, é maior, mais brilhante e mais fascinante que qualquer mundo!

Em alguns instantes
Sou pequenina e também gigante
Vem, cara, se declara
O mundo é portátil
Pra quem não tem nada a esconder
Olha a minha cara
É só mistério, não tem segredo

Sinto-me como um livro que nunca foi aberto, que nunca foi lido como deveria. Muito de mim ainda está por ser descoberto. Quem ousará transpor os umbrais de minhas consciência? Quem se atreverá a romper o selo do meu peito e ver o meu coração? 

Vem cá, não tenha medo
A água é potável
Daqui você pode beber
Só não se perca ao entrar
No meu infinito particular

Eu te convido, a me abrir, a me contemplar, a ver o que há dentro de mim. Posso me derramar em você? Você pode ver quem sou e o que sou, sem se assustar?

Cansaço e metamorfose

Eu preciso de um porre, de pelo menos uns dois dias. Na boa, aguento mais não. Fisicamente exausto e mentalmente destruído. Sei bem que algumas épocas na Igreja são mais pesadas do que outras, mas sinceramente, esse meu fim de ano está absurdamente complicado, minha agenda nem é mais organizada por dias e sim por horas, e toda hora vai me aparecendo algo novo pra fazer. 

As pessoas exigem demais de mim. O mundo exige demais de mim. Eu sinto que não consigo atender as expectativas de todos. Não consigo planejar todas as missas do mundo, não consigo pensar com antecedência todas as reuniões do mundo. Não consigo conferir a documentação de todas as crianças da catequese do mundo. 

Sinto como se aos poucos fosse chegando ao fim. Digo, tenho me doado tanto, e me entregado tanto a tudo que faço e a todos que me cercam que parece que logo não terei mais nada para dar. E quando isso acontecer me tornarei o quê? Um inválido que não será mais do que um peso pra todos? 

Terminei a leitura de A Metamorfose, de Kafka, ontem pela manhã. Um amigo queria conversar sobre e então me dispus a ler para que pudéssemos refletir juntos. No livro, o personagem principal que antes sustentava sua família se vê transformado num inseto gigantesco, ao que sua família reage isolando-o no ostracismo. O homem passou a ser um fardo, um incômodo aos seus familiares que chegaram a desejar que ele tivesse o bom senso de ter ido embora por conta própria. Ele foi condenado no exato momento em que deixou de ser útil, e sinto que o mesmo vai acontecer comigo, se deixar de servir aos caprichos de todos quanto em mim se apoiam. 

Eu não posso dormir, não posso apagar, porque algo acontece e alguém precisa de mim. Mas se isso continuar eu vou ficar doente e aí, nem que eu queira poderei ajudar. Claro que ninguém vê isso, e claro que quando viram e me avisaram, eu ignorei. Então não é como se eu pudesse dizer que estão jogando tudo em cima de mim, eu fiz todo mundo se acostumar com isso. 

Por isso tô precisando de um mega porre de Rivotril. Pelo menos uns dois dias dormindo sem saber nem o meu nome! É disso que eu preciso... Descansar. Descansar das pessoas, do mundo que me cerca, de todas as obrigações, de todo o peso que me aprisiona, que me faz infeliz. 

As vezes eu olho pra minha vida e me pergunto, quais os motivos que me levam ser assim? E talvez a resposta esteja no fato de que, quando estou na correria, eu consigo ficar sem pensar. Sem pensar nos meus fantasmas, sem pensar nas coisas que me assustam, nas verdades que me machucam. Talvez seja um lugar seguro, onde possa fugir de tudo quanto ameaça a minha existência. Mas isso funciona? 

Acho que nem sempre, visto que não raramente eu entro em crise mesmo com a correria. Nem mesmo quando tudo parece me oprimir eu ainda encontro lugar para pensar, naquilo e naquele que não deveria. 

E então isso acontece: eu fico cansado demais pra escrever alguma coisa de realmente útil e só derramo essas impressões aqui, na esperança de que isso faça algum sentido um dia. Ou não né, sei lá!