Pois bem, por onde devo começar? Alguns dias sem escrever me
dão a impressão de que perdi uma habilidade há muito adquirida com custos, como
um hábito que demorou anos para se formar, mas que se perdeu com uma
reviravolta que me fez esquecer o que fazia constantemente e apaixonadamente.
Não é o caso, de qualquer forma, já que não tenho feito uso
da escrita por motivos que transcendem até mesmo minha própria capacidade de
expressá-los por meio da mesma. O fato é que tenho sido acometido por uma grave
enfermidade: a falta de vontade, ou como prefiro chamar: preguiça existencial.
Sabe quando o simples trabalho de respirar ou fechar os
olhos para dormir torna-se um fardo pesado demais para carregar? Minha mente
tem lidado com o peso que é simplesmente existir, ainda que seja vegetando por
sobre uma cama sem fazer nada de útil ao meu país.
Me mudei recentemente, para um bairro que fica no lado
oposto da cidade, e mesmo sabendo que deveria me ocupar em organizar as coisas
que por si já estão caóticas, eu simplesmente venho procrastinando. Eu vejo as
coisas bagunçadas e jogadas de qualquer jeito, e não consigo reunir o mínimo de
força para fazer nada. Poderia dizer que me sinto assim por conta do cansaço
físico e da fadiga que o esforço da mudança exige, mas não tenho feito nada
para me cansar de fato. Até mesmo os compromissos da Igreja eu tenho cumprido
apenas pela formalidade social de não abandonar algo que comecei, mas o faço no
modo automático. Não tenho encontrado prazer sequer nas coisas que antes me
faziam sorrir: gastei horrores em maquiagens que há dias não uso nem em
ocasiões que normalmente o faria, não tenho me empolgado com as músicas novas
que me aparecem, e nem com as pessoas ao meu redor. Com efeito, a exceção de
meus amigos mais próximos da banda, não tenho nenhum contato com as outras
pessoas além do estritamente necessário...
Acho que estou passando por uma fase difícil. Parece muito
um período de interiorização, e bem que poderia sê-lo, mas o fato é que quando
fecho os olhos, não me vem nada a mente, senão que figo vagando por lugares
distantes, aleatórios até adormecer e acordar novamente com o mesmo sentimento
de vazio com que fui dormir.
Daí chamar essa enfermidade de preguiça existencial.
Experimento uma sensação insípida de não desejar nada. De não saber o que
querer, de deixar as coisas fluírem da forma que quiserem, sem que tenha de
controlá-las para seguirem o caminho que espero, porque não espero nada.
Não tenho sentido mais a necessidade sequer de prender
algumas pessoas em minha vida, senão que tenho percebido que seria bem melhor
se de fato se afastassem de mim. Querem ir? Que partam logo! Querem ficar juntos? Que
fiquem, e que sejam felizes no inferno bem longe de mim!
Mas eu sei que não deveria ser assim, sei que não deveria
ter se apagado em mim a chama, o gosto, pela vida. Mas olhando com cuidado
dentro de meu peito eu não vejo mais uma centelha de vida, senão que vejo um
abismo, onde minha voz já não reverbera mais pelos paredões de rocha fria, pois
já não grito e nem choro, apenas fico ali, contemplando o abismo, enquanto ele
também olha para mim.
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