terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Espírito de Natal - Pt. 2

O efeito do benzodiazepínico veio lentamente, como uma névoa, sobre mim na noite de ontem, e me envolvendo num abraço acolhedor e letárgico me fez relaxar. Acordei menos tenso e felizmente, para meus amigos e família, intacto. 

Não é segredo que pensei coisas terríveis durante essa que, embora repleta de luzes coloridas, foi uma noite de profunda escuridão. Não é segredo que queria que essa foi a última noite de triste Natal, não é segredo que pensei muito em fazer com que ela fosse a minha última noite de Natal. Fui salvo por 6mg de bromazepan e pelo temor de magoar aqueles que amo, mas também fui salvo pela minha covardia. 

Muito embora esteja razoavelmente melhor quando comparado com o estado absolutamente lamentável de ontem a noite, eu ainda sinto um gosto ruim na boca, algo metálico, como sangue, como um prenúncio. As palavras dele ecoam pelo meu corpo e me fazem arrepiar, a lembrança de seu toque, seu abraço, me enchem os olhos de lágrimas. Aquele abraço me destrói, pois me faz desejar ficar ali para sempre. No último abraço eu o segurei, com força, porque queria que durasse para sempre, mas tivemos que nos separar, e ele teve que ir embora. Não. Isto está errado, ele não teve de ir embora. Ele quis ir embora. E eu andei na direção oposta, sem força, sem ânimo, como tem sido os últimos dias de minha vida. 

Me deitei no sofá, na penumbra da sala iluminada apenas pelas luzes da rua que insistiam em entrar pelas frestas das janelas e cortinas apesar de meus esforços em cobri-las. Os primeiros compassos da Sinfonia N° 6 do Tchaikovsky "Patética" logo me fizeram mergulhar num mundo só meu, muito embora a voz preocupada de minha mãe constantemente tentasse me arrastas de lá. Deus sabe o que poderia ter acontecido se ela não o tivesse feito. Fiquei pensando no quanto aquela música diz sobre mim. Quando, finalmente, morrer, estará nela a minha carta de despedida, ela contém a verdade de minha vida, e cada um de seus movimentos é como uma declaração precisa da minha existência. Nada que eu escreva me descrevera melhor do que a música do mestre russo...

O espírito de Natal que me possuiu foi o da melancolia, que me fez deitar e chorar por um alguém que longe daqui sorria, provavelmente de contentamento por saber o quanto sofro por ele. 

E como na sinfonia, meus compassos vão aos poucos diminuindo, depois de explosões de fúria, depois de sonhos inebriantes, depois de valsas repletas de nostalgia. Diminuindo num lamento solitário, abandonado, até chegar ao seu inaudível fim... 

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