terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Dualidade

Descontrole. 

Uma noite fria e uma tarde quente. Detesto todas essas variações. Principalmente as que acontecem aqui, dentro de mim, de um dia para o outro. 

Uma coisa são as mudanças da vida, o curso ininterrupto de um grande rio que nunca deixa de correr. Outra coisa é a loucura, a ânsia voraz e selvagem provocada pelos remédio que, quisera eu, evitariam justamente essas mesmas mudanças. A bipolaridade é uma dicotomia que nunca cessa, apenas diminui, é uma transformação atrás da outra, um gelo que se verte em lava num piscar de olhos. 

A languidez de alguns dias atrás foi substituída por uma bestialidade, aqueles instintos adormecidos vários dias atrás, despertos, o monstro uma vez mais solto de suas grossas correntes de aço. Mesmo transpassado pelas tenazes de ferro ainda sai a correr como um facho de fogo a arder na noite escura. Sob as estrelas caçando, procurando a quem devorar. 

Com essas mudanças vêm também a visão turva. Já não consigo mais enxergar nada com clareza, antes disso, vejo amor onde não há e heróis onde só há vilões, companhia na solidão, vozes no silêncio. Aos céus eu lanço uma prece, apavorada, de que não me deixes enamorar-me novamente, não neste estado. É essa a volúpia batalha travada dentro de mim, entre mim comigo mesmo. 

Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. Não sei quem disse isso mas desejo provar deste amor de que ele falava pois, toda vez que fora tomado por algo que pensei ser amor eu apenas fui tomado por um sentimento altamente explosivo, destrutivo como uma bomba, lançada de maneira covarde sob as cidades à noite, enquanto repousam as mulheres e crianças, que ardendo de horror e pavor vêem sua pele descolar de seu corpo, enquanto enxergam no horizonte e no além e luz fraca dos vaga-lumes, a radioatividade, a toxicidade deste sentimento que não traz carinho e poder, como nas lendas, mas apenas dor e choro nas noites solitárias, regadas a 

E então, o que acontece agora com este fogo que arde dentro de mim? Uma vez mais pensei ter se apagado toda e qualquer luz dentro de mim, mas bastou soprar uma brisa para que as labaredas voltassem a envolver tudo em meios as chamas vermelhas e laranjas. Mas não era essa a luz que buscava, não, essa é uma luz luxuriosa, brilhando de modo lúgubre, pintando as ruínas do meu castelo interior de uma cor apavorante, tão parecida com sangue, sangue tomando por um incêndio maldito.

Não sei o que é pior, se o gelo, lânguido e escuro, descansando em minha alcova sem forças para erguer uma só taça de vinho. Ou o fogo, fazendo-me retorcer, destruindo as folhas e as flores, consumindo tudo, mesmo aquilo que achava já havia sido consumido pelo grande abismo que se há dentro de mim. 

Como hei de conviver então, com o vazio que pouco a pouco leva pra dentro de si tudo o que há, ou pelo fogo que consome o resto? De qualquer maneira me restas as cinzas. Cinzas frias daqueles dias, destes dias em que, ao fechar os olhos, só sinto o cheiro dos perfumes mais inebriantes e o sabor salgado do suor, em imagens cada vez mais hipnotizantes. E eu me contorço, de desejo, de medo, de raiva. 

Eu odeio isso. Odeio ficar dias deitado, sem vontade de comer, beber e sem querer ver a ninguém, nem mesmo meus amigos mais chegados e, no outro dia, ser tomado por uma força, um vigor estranho, que achei que nunca mais teria, acompanhado de uma libido desequilibrada, um retrato claro da loucura que se tornou minha existência. Vivendo entre a cinzenta tarde nublada e a ensolarada manhã de verão do cerrado, sendo a minha vida consumida como palha seca, voando minha vontade de viver como fumaça negra ao vento. 

Uns dizem que o mundo em fogo termina,
Outros, que em gelo se apaga.
E eu já provei de desejo, que é sina
Por isso repito que em fogo termina.
Mas se mais uma vez nosso mundo se estraga,
Só sei que na vida provei tanto ódio voraz
Que posso dizer que, se em gelo se apaga,
Tanto fez como tanto faz,
Posto que tudo se acaba.

(Robert Frost)

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