sábado, 25 de janeiro de 2020

O que desejei


A chuva continua caindo, já fazem dois ou três dias que ela não cessa. O clima que isso cria é de um ambiente acolhedor, mas igualmente solitário. A solitude então se desfaz pouco a pouco, dando lugar não mais a lânguida tranquilidade do silêncio, mas a perturbadora sensação de abandono e esquecimento. 

Situação agravada pelo fator surpresa de uma rápida visita inesperada. Movido por uma necessidade materialista ele veio me ver, ainda que por brevíssimos instantes, mais do que necessários, no entanto, para me fazer perceber o quanto meu coração e meu corpo ainda anseiam por ele. Fui derrubado por um abraço, por um átimo de segundo em que senti seu coração junto ao meu, e que o seu cheiro me fez esquecer como era ficar de pé, cheiro que ficou em mim como mancha na roupa. 

Não esperava por essa força, não depois de tantos meses, desde aquela missa em que cantamos juntos pela última vez. Voltei atordoado ao meu quarto e me refugiei na companhia de algumas composições de Istravinsky e das gotas de chuva em minha janela. No entanto, ainda sinto como se ele estivesse aqui. Ainda sinto a pressão dos seus braços em meu corpo, ainda sinto o seu olhar sobre mim. Ainda sinto que não consegui esquecer, desejando ainda estar de volta aquela noite em que nos conhecemos. 

Mas eu sei que essa chuva vai parar uma hora, e que as flores vão se abrir de novo. Quando isso acontecer eu só espero estar bem longe daqui, onde seu sorriso não possa mais me afetar e onde seus braços não encontrem mais o meu corpo. E assim, correndo como uma criança que foge da aula com seus joelhos tremendo, eu pretendo crescer longe dele, onde talvez a distância me faça esquecer o que um dia eu tanto desejei. 

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