quinta-feira, 3 de maio de 2018

Minha verdade

Foi uma noite difícil. Incontáveis horas tentando me concentrar na leitura para então sentir o sono chegar, mas não adiantou. Apenas a música foi minha companheira, em quem deitei ao colo para ser acalentado, enquanto as lágrimas quentes caiam silenciosamente, formando uma estranha sinfonia, de sons e silêncio que havia entre eu e o player. 

A recordação de uma série de acontecimentos me rasgava as entranhas como uma faca enferrujada estraçalha um pedaço de carne podre. Numa noite havia o som doce de uma declaração de amor. No outro a descoberta de um abandono iminente. A verdade se mostrou dura e implacável, como os blocos de mármore postos por cima dos caixões nos cemitérios. 

Sentia como se minha mente fosse reduzida cada vez mais, remexida, endurecida e derretida sucessivamente até que não sobrasse mais do que uma massa disforme. Já não me sentia mais humano, não sabia o que eu era. Tudo o que havia restado intacto em mim era a dor, o desespero e o pesar inacabável, que ocuparam o lugar da água de meu corpo. 

A minha consciência se reduziu a uma lama rala, que escorreu por entre meus dedos. Eu fui reduzido ao pó, mas não pude voltar ao pó. Meu corpo continua preso a esta terra, enquanto meu espírito clama pela libertação dessa vida de dores. O meu coração já deixou de sentir, há apenas uma casca vazia, inerte, sem vida, esperando pelo dia que há de ser devorado pelos vermes das ruínas e então encontrará alguma razão para existir. 

Tudo que há em mim agora são os recessos de minhas consciência. Os ecos inauditos dos gritos desesperados que meu coração deu até o momento de sua morte! Já não reconheço sequer as vozes daqueles que me circundam. Não os conheço, não me conheço. 

O meu coração morreu, mas eu não morri. Que infelicidade encontro nessa constatação! Qual o sentido de uma vida assim? Repleta de decepções e abandonos, silêncios e traições a vida não é mais do que uma roda da fortuna, amaldiçoada pelo destino para seu divertimento pervertido. E eu não sou mais do que um boneco de trapos, sem voz, sem vontade, sem vida. E essa é a minha verdade.

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