quarta-feira, 2 de maio de 2018

Da névoa

O sono vem lentamente, como uma névoa aos poucos se erguendo do chão... Envolvendo os campos escuros do meu coração com a frialdade branca de uma lâmina. Os gritos longínquos de uma vítima abafam os gritos do meu eu, tento avançar, tatear, dar um passo que seja nos rumos daquela voz desesperada mas o nevoeiro pesado não permite meu avanço, apenas me mantém ali, como refém, um pobre amante perdido em meio aos outeiros. 

Aquela não é uma névoa comum, formada pelas gotículas suspensas de água próximas da terra, mas sim pelo peso das decisões passadas que tomei, principalmente o peso que se tornou o amor que decidi dar as pessoas. Ela pesa como chumbo, embora seja mais sutil que uma nuvem, e me esmaga as costas como se o peso dos céus fosse lançado por sobre minha frágil constituição.

Não sei dizer se os gritos que ouço são os de outra pessoa que longe dali também sofre o medo da morte e que ao mesmo tempo teme viver, ou se são os gritos lancinantes que dei e que reverberaram e agora voltam ao meu coração. 

Olho ao meu redor em busca de algo que me ofereça uma pista de como sair dali, um som, uma luz, qualquer coisa. Mas o som é abafado pelos gritos, e a escuridão é tamanha que a única coisa visível é o estranho brilho de lágrimas que caem pesadamente sob o chão. 

De joelhos a respiração começa a se esvair, já não há mais forças para buscar o nada, só resta concentrar-me na própria consciência da existência desses últimos momentos. Os olhos se fecham lentamente, caindo em direção ao chão, e quando o rosto se encontra com a frialdade daquela terra, cerram-se uma última vez, deixando apenas o som fraco de um grito que se foi e de uma respiração pesada que inala pela última vez o ar perfumado pelo cheiro daquela mesma terra. 

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