quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Sobre a loucura

As pessoas enlouqueceram! Perderam total e completamente o sentido do dever, a noção de prioridade, o senso de proporções. Vivem ao redor de ideias e objetivos vazios enquanto as coisas que realmente importam são ignoradas, deixadas sem a luz da existência. As pessoas não tem ideia do que importa, vivem como se suas existências patéticas e medíocres fossem a razão de toda existência. 

O mundo tornou-se hostil demais para a humanidade ser viável. Melhor seria se todos sumissem, desaparecessem ou simplesmente voltassem à unidade perfeita. Se todos fossem um não haveria dor e sofrimento, haveria compreensão, haveria a complementação de todo vazio. Mas os homens não são um, são muitos, e esses muitos vivem por debaterem-se, por lutarem entre si, por destruírem o mundo e os outros pelo simples prazer momentâneo de o fazerem. 

Os homens são estas criaturas pobres, condenadas pelo pecado a viverem na solidão de sua própria imundície, chafurdando na lama de suas próprias crenças pequenas que os cega da luz intimidadora da realidade opressora. Os homens são esses desgraçados que, vivendo dentro de suas mentes fechadas destroem os outros por sentir a dor que é estar só. Daí vem a traição, o abandono, o horror, a maldade, a maledicência. Tudo que pode sair de ruim de um coração humano vem da dor que é perceber que estamos sozinhos e que nunca, jamais, complementaremos esse vazio. 

Alguns poucos que conseguem compreender essa verdade são ainda mais desgraçados que os outros. Não podendo fazer nada para mudar a realidade das coisas se vêm obrigados a contemplar esse mundo com esses olhos conscientes que, no entanto, não o dão poder algum. 

Eu queria não entender. Muito embora estude diariamente para melhor compreender o coração do homem eu queria não enxergar certas coisas. A verdade é então este sol de que falava Platão, que cega aquele que esteve preso na caverna. A verdade machuca o olhar, mas não posso me furtar a ela, não depois de ter vislumbrado a luz, não posso retornar a escuridão da ignorância. Mas ainda dói ser capaz de ver a escuridão do coração do homem. 

Fraqueza a minha! Deverá ser superada com mais luz, senão que esta é apenas a ante-sala do conhecimento. Os pobres homens que me cercam não são testemunho de minhas desgraças como eu sou das suas. Os pobres homens que me cercam estão ocupados demais em seus divertimentos para se ocuparem de qualquer coisa verdadeira. Preferem-se enganar no erro, na mentira. 

Não penso que sou algum tipo de iluminado por ver o que muitos ignoram. Pelo contrário, não há um só dia em que não desejo comer a comida dos porcos que se alimentam com tanto vigor. Ao menos os porcos tem outros como companhia. Eu tenho apenas a lixeira da miséria humana ao meu lado. 

Pobre pecador não ouso levantar meus olhos a onipotência divina e, ainda assim, sou obrigado a olhar para baixo, aqueles que rastejam como vermes sem saber aonde vão. E por acaso não rastejo eu também em vão? Não sou eu que costumo reclamar pela incapacidade de encontrar uma razão para viver? Não sou que me desespero toda vez que percebo que minha vida é tão sem sentido quanto a deles, senão que eu apenas tenho ciência do vazio que me consome e que me amedronta. 

Também não passo de um verme rastejando aos pés de deuses que conseguiram compreender a razão da existência. Um verme que entender que são deuses e que por isso mesmo lamenta não conseguir ser como eles. 

Um verme solitário, que aguarda ansioso pelo pisar dos deuses que possam dar um fim a este destino maldito. O que é esta vida senão uma sucessão de misérias e desgraças provocadas pelas nossas paixões desenfreadas, fruto de um pecado há muito já esquecido mas que deixou marcas profundas de maldade no coração de cada um? A vida é dor e mais dor entremeada por vislumbres daquela alegria celeste que cantam os anjos em seus hinos de louvor. 

Como não sucumbir a loucura? Se este mundo força-nos a viver como cegos ou loucos? Me recuso a voltar para a cegueira da caverna. Me recuso a fazer o que todos fazem. Me recuso a ir com o rebanho para o abismo que nos espera. Prefiro ir na direção contrária, muito embora ainda contemple o abismo. A loucura parece-me a solução mais agradável. Enlouqueceu por conhecer e não suportar a verdade. Enlouqueceu de tanto gritar aos outros que todos estavam cegos.

Está é uma loucura ímpar. Tenho consciência dela, senão que sou louco aos olhos dos outros. Mas os outros não podem ver o que vejo. E tudo o que vejo é imoralidade e decadência. Os outros me julgam louco por não conseguir ver a beleza de sua lascívia torpe e desregrada. Eu contemplo de dentro essa imundície, tendo a consciência de que é imundície e não ouro. E, tendo essa consciência, tento, o mínimo que seja, erguer-me acima dessas lama fétida e putrefata em que estou submerso. 

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