terça-feira, 26 de novembro de 2019

A Bailarina

Um violino solitário, soando ao longe uma doce melodia, um andante moderato, embalando os passos de uma pequena bailarina torta que dança despreocupadamente com seu cabelo ao vento e seu vestido longo. As folhas do outono desprendem-se das arvores e se esvoaçam ao redor da moça, com seus de laranja e ocre contrastando com o tecido vermelho e os cabelos castanhos sob o sol... Ela dança e dança, sorrindo feliz por um instante.

Pássaros voam ali perto, e peixes nadam na água fresca e cristalina do riacho que corre ao lado da vila. Algumas crianças brincam correndo e um ou dois cachorrinhos as seguem. E a bailarina dança. Dança porque compete a bailarina dançar como compete as crianças brincarem e aos pássaros voarem. É o que ela sabe fazer e é o que ela faz para sobreviver. 

O violino ainda toca e, aos poucos, a música se torna triste, é como se a bailarina chorasse, seus passos são lentos e pesados e seus olhos estão marejados. O violino lhe traz à tona lembranças de um tempo que fora feliz, de um tempo que dançava por amor, que dançar era tudo para ela. Um tempo que agora parece tão distante, tão cinza, tão coberto de poeira... 

Uma corda se partiu e a música mudou mais uma vez. O violino entrou num frenesi para compensar a corda que se foi, o desespero toma conta da bailarina que agora salta em desespero e euforia. Seus pés doem, mas ela não pode parar de dançar e o violino não pode parar de tocar. 

As pessoas começam a se reunir a sua volta, sorrindo e aplaudindo, mas ninguém percebeu que a corda estourou e que a bailarina chora de dor por seus pés. Todos riem e pedem que eles toquem e dancem mais e mais, a apresentação não pode parar. Uma criança observa uma lágrima por entre o sorriso da bailarina escorrer e desaparecer na cambraia rubi. 

A música se cansa, e volta aquele adágio lamentoso de antes. Os pés ensanguentados já não querem mais dançar. Tudo o que a bailarina deseja é parar, mas não pode. Aqueles que a rodeiam acham que aquelas lágrimas fazem parte da encenação. 

As luzes se acendem conforme o sol desaparece, morrendo silenciosamente no oeste. Um cheiro de comida sendo preparada preenche o ar, e alguns trouxeram bebidas para se divertir enquanto assistem a bailarina e seu violino solitário. 

A música, agora metódica e sem vida, faz os transeuntes e camponeses dançarem, e assim se distraírem. Eles dançam ao redor de uma fogueira grande, e bebem e riem e brincam sem notar que a jovem afasta-se cada vez mais da música. Seu coração silenciou-se. Sente apenas os pés dolorosos e o violino em seu pescoço. 

Outras pessoas começaram a dançar e, o que era o show da bailarina torta virou uma festa de toda a vila. Todos estavam sorrindo contentes quando o som do violino morreu em meio aquelas conversas e a bailarina jogou-se ao fogo, sem gritar, pois a dor maior ela já sentira quando fora obrigada a tocar e dançar, pois era a única coisa que sabia fazer, sem que ninguém percebesse que cada nota de cada música era um grito pedindo por socorro, que alguém a livrasse daquela maldição solitária. 

O fogo ouviu suas preces e, consumindo a madeira do instrumento e a dor que um dia fora sua sina. Sem mais música, sem marchas fúnebres, sem obrigações a pesar por sobre as costas. Tudo consumido pelo fogo, e a derradeira nota sumindo no ar sem que ninguém percebesse... 

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