quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Névoa Matutina

Amanheci com a mente enevoada, meio perdido. Demorei vários minutos para conseguir me colocar de pé e, mesmo depois, só consegui me arrumar no automático. Geralmente assim que desperto já começo a pensar em algo, uma música, uma aula, mas hoje não me veio nada. Apenas segui sem prestar muita atenção ao que estava fazendo... Assim peguei o ônibus e estou aqui no trabalho. Minha mente divagou um pouco, e precisei voltar a mesma página do livro uma segunda vez porque lera não mas não entendi, não prestei atenção, ao que foi dito. Pode-se dizer que acordei em baixa frequência. 

Só quero ficar quietinho, acho que nem consigo responder as mensagens no celular, isso porque não sei o que dizer, não sei o que pensar, e por isso quero apenas existir, fechar os olhos um pouco ouvir os pássaros aqui, respirar fundo sentindo a umidade e esperar, esperar que passe, que eu acorde, que eu possa chegar em casa e ficar um pouco no escuro, que eu possa dormir depois de olhar a lua.

Não é uma reclamação mas uma constatação, que o cansaço tem sugado até mesmo boa parte do meu ímpeto criativo: tenho chegado em casa cansado demais para escrever o que me vem a mente durante o dia, aproveito algum tempo livre para escrever é claro, mas ainda assim sinto que isso tem sido prejudicado. O mesmo digo do tempo que uso pra estudar e assistir. Não consigo me concentrar em algo muito complexo por muito tempo, bem como já vou assistir com muito sono e não consigo comentar sobre, senão que aquilo nem mesmo encontra tempo para fecundar minha imaginação porque, pouco depois de ver eu já vou logo dormir e no outro dia a rotina começa logo cedo. Claro, isso é parte da miséria humana, e eu já sabia muito bem disso, mas ainda acho que vale a pena falar sobre. 

X

Agora minha chefe pediu que eu elaborasse perguntas para entrevistar a artista que vai expor aqui na galeria a partir da próxima semana, e minha mente não consegue pensar muita coisa, e por isso eu preferi vir aqui escrever.

Mesmo sem ter muito a perguntar a exposição deixou em mim algumas impressões. São quadros pintados em cima de um tecido colorido, o Jacquard, e nele além da estampa, em sua maioria florais, se encontram então o desenho de figuras humanas, a maior parte dela de rostos, que se sobrepõe, dois ou três em cada obra. É interessante porque mostra o complexo tecido das nossas relações, sejam as familiares ligadas ou não por laços de sangue, até relações entre amantes, amigos, colegas de trabalho, todas as pessoas que, de um modo ou de outro vão se sobrepondo a nós, ou sendo sobrepostas por nós, criando assim uma concepção nova, uma terceira coisa, que nasce dessa relação com o próximo. 

Isso me faz pensar nas minhas próprias relações, no que eu tenho deixado com o outro e o impacto que ele tem em mim. Tenho simplesmente fugido da maioria das relações, e converso apenas com o pessoal do trabalho por profissionalismo e em casa converso, pouco, com minha família por simples falta da existência de campos de interesse comum, com alguns amigos até consigo ir até a segunda base mas, no geral, apenas consigo diálogo com pessoas que estão longe de mim, no tempo e no espaço. Esse diálogo se constrói, por exemplo, a partir da voz do meu professor que ecoa diariamente na minha mente, sobre a qual eu medito por horas todos os dias na tentativa de conseguir, mesmo que em partes e de modo bem superficial, o caminho que ele trilhou. 

Ontem eu tomei uma boa dose de remédios pra dormir e dormi praticamente o dia todo. Uma amiga me perguntou se eu não temia morrer, ao que respondi que não, não temo morrer porque pra mim não faz tanta diferença assim. Tenho certo medo de sofrer, ou de ver outros sofrendo por minha causa como seria o caso da minha mãe, mas pessoalmente eu não me importaria se morresse nesse momento porque, ao pensar no futuro, eu não vejo coisas que eu queria realizar, não vejo objetivos a cumprir, não tenho nada que se pareça com um sonho a alcançar. Apenas o que faço é viver um dia de cada vez, sem esperar nada demais, e apenas vou fazendo isso. Até penso em coisas como um relacionamento ou algo do tipo, principalmente quando vejo tantos homens bonitos aqui, mas isso dura apenas alguns breves instantes, e até a beleza deles logo se esvai da minha mente como fumaça. Se puder conhecer um pouco mais da realidade, ótimo, mas também não me preocupo em querer saber tudo porque sei que isso se dá na eternidade então, não acho que importe muito o que eu aprenda aqui se lá vou aprender infinitamente mais. 

Como aqueles seres que no Silmarillion vão cantando um tema proposto por Erú, cada qual cantando uma parte que lhe foi concedida conhecer, eu vou entoando esse meu tema, sabendo que ele deve fazer parte de um todo sinfônico maior, mas que eu mesmo não consigo apreendê-lo totalmente sozinho, e então aguardo pelo dia que ele se revele inteiramente, fazendo uso de todos os temas, inclusive os dissonantes, que todos ao meu redor entoam. E então, retornando ao trabalho da artista, é como se cada um entoasse um canto, cada um aparece com seu traço e suas formas e, juntos, formam uma grande sinfonia, ou uma grande pintura. 

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