terça-feira, 11 de outubro de 2022

Desejo e Amor

Bem pouco do que é dito sobre desejo na sexualidade corresponde a realidade sendo, em sua maioria, expressões abaixo até mesmo do raciocínio metonímico, se aproximando mais do mero uso de chavões, que em si mesmos não dizem nada, motivados pela dificuldade e inépcia das pessoas em dizerem o que estão sentindo. 

É comum, por exemplo, que resumam os relacionamentos apenas a busca por prazer, aglutinando em prazer, uma abstração, toda uma gama de sentimentos, anseios e outras questões muito mais importantes e que jamais poderiam ser resumidas apenas em prazer. O que chamam de relacionamento sério tampouco é uma expressão séria, se as pessoas tomam isso apenas como um relacionamentos onde os envolvidos conversam na mesma proporção em que fazem sexo, não contendo nessa expressão então a profundidade do que um relacionamento contém.

Muito também é dito sobre desejo, resumindo as orientações sexuais a mera variação desses desejos, mas pouco se diz sobre os diversos níveis de predicação que um desejo contém e como ele se expressa na sexualidade humana.

Num primeiro instante um desejo é apenas a manifestação de impulsos químicos, o que nos animais verificamos como seu impulso reprodutor, nisso não somos diferentes deles, mas não ficamos apenas nisso. Subindo um pouco o universo significativo temos então o desejo que é despertado não por um fator interno mas sim externo, aqui é o contato com o objeto que provoca o desejo. Qualquer um que frequente uma academia sabe como funciona. Os escolásticos explicam isso muito bem ao falar da concupiscência. Num terceiro grau temos um desejo que não é despertado pela mera afetação de alguns elementos da aparência, não são braços bonitos ou tanquinho definido que despertam o desejo mas uma impressão geral da pessoa, quase como uma aura mágica que a envolve e que, ao vermos, nos encanta.

Acima disso temos o apaixonar-se, e todas as ambiguidades que uma paixão contém, como o medo da rejeição, o impulso de fugir da dor que isso pode causar e a ansiedade que essa paixão traz. Uma vez superadas essas ambiguidades temos uma concepção mais moral dessa relação, que se manifesta em valores capazes de despertar ações como o esforço de manter a pessoa ao nosso lado por meio do acúmulo de responsabilidades que, geralmente, formam uma família. Estagnada essa fase ela pode gerar uma família ou um desastre conjugal. E acima de tudo isso, abarcando e superando todas as fases anteriores, está o amor propriamente dito, o "desejo de eternidade do ser amado" como bem definiu Santo Tomás, sendo um impulso firme de desejar o bem da pessoa amada. É só nesse nível que todos os outros se encontram plenamente realizados e é só ao alcançar esse nível que alguém entende tudo o que estava em jogo nos pontos anteriores. 

Examinar as coisas de forma mais detida, e eu o fiz ainda de modo bastante sintético sendo que muito poderia ser dito sobre cada ponto apresentado, pode dar uma compreensão melhor do que queremos dizer quando dizemos "eu te amo" e quando falamos sobre nossos desejos. Há muito mais em jogo do que percebemos ou conseguimos dizer: há elementos de solidão que se manifestam em carência, elementos químico-biológicos, fatores psicológicos de atração e repulsa, impulsos hereditários... Tudo isso junto num amálgama que merece atenção. 

E então muitas vezes um amor genuíno é interpretado como mero desejo no sentido de apenas uma atração física pelo outro, ou uma relação movida pela admiração da aura mágica ao redor do outro que, embora seja mais do que mera atração física, ainda não o é um amor, mesmo que chamem assim. 

Penso então, a partir desse raciocínio, nas minhas ações, em como me dedico a quem amo na esperança de que seja o melhor pra ele, em como me sinto atraído por desconhecidos na rua, e vou dando os diversos graus de cada uma dessas formas de atração e de me relacionar com o outro. Mesmo sabendo bem que ninguém entende o que está se passando. 

~

Olavo de Carvalho descreve isso muito melhor do que eu nos artigos chamados "Sexólogos Mirins"

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