sexta-feira, 13 de maio de 2022

Estrela do Norte

Acordei lentamente, e acho que voltei a dormir um pouco duas ou três vezes, o que é incomum pra mim. Como hábito desde pequeno sempre me levantei assim que abri os olhos, adiar o inevitável nunca fez meu estilo, mas hoje eu fiquei naquele limbo entre o sono e a vigília por algumas horas. Ouvi a minha mãe conversando com meu primo na sala ao lado do meu quarto e ouvi meu pai cumprimentar os vizinhos. Todos já estavam de pé e realizando as suas tarefas enquanto eu continuava inerte na cama, sentindo uma pontada de dor na cabeça, provavelmente um pouco de ressaca de ontem. 

Como não tinha nada melhor para fazer resolvi beber enquanto ouvia uma ópera, e talvez tenha passado um pouco do ponto, empolgado pelas árias virtuosas de Turandot de Puccini, a minha ópera favorita. Consegui cantar junto quase que todos os três atos, mesmo tendo tempo que não assistia a essa peça. Mas a solidão do momento, isso foi no meio da noite, também fez seu trabalho e eu me senti estranhamente consciente de mim mesmo. 

Talvez por isso tenha acordado tão desanimado. Me levantei com preguiça, os olhos incomodados com a luz que passava pelas cortinas, coloquei a mão no rosto e senti que estava levemente ressecado, já há alguns dias que eu me esqueço dos cuidados noturnos, e então decidi dar alguns. Nem tinha chegado na sala ainda e já me arrependera, e me veio a frase de um filme que eu assisti muitas vezes quando era criança: "Hoje é um dia daqueles."

Hoje é um dia daqueles em que eu não deveria sair da cama, que deveria ficar aqui e dormir até que anoiteça de novo, pois nada de bom pode vim de um dia como esse. Olhei no celular e já vejo mensagens de problemas para resolver, mas não é nada com que eu possa lidar, eu estou no meu limite, mesmo que nada tenha demandado de mim nos últimos dias. Simplesmente acordei esgotado. 

Os sonhos foram embora, as dúvidas também, os pensamentos dos grandes já não fazem sentido, tudo se perdeu num oceano de escuridão e a pequena bolha de luz que ficou está prestes a se apagar. Sinto-me completamente perdido, e vejo as pessoas me oferecem ferramentas e coragem e nada funcionar, tudo o que eu tenho é essa minha loucura, que arde na noite escura mas não ilumina nada. 

Já deixei de procurar pela minha Estrela do Norte. Não consigo fixar meu olhar em nada, singularidades em ruínas, só posso olhar de cá pra lá e tentar captar um pouco de cada instante, mas o instante seguinte logo chega e o instante já se faz passado e eu não consigo mais retê-lo entre meus dedos. 

A minha paróquia está em festa, e eu nem apareci nesses dias, incapaz de fazer o que quer que seja, incapaz de raciocinar, de concatenar, de analisar ou resolver o que quer que seja. Hoje é um daqueles dias em que eu retornei ao nada, que me encontro paralisado, olhando pro teto esperando que algo me desperte desse torpor. Consigo, apenas com muito custo, me concentrar em algumas notas das músicas, mas até isso vai se perdendo no imenso vazio que se abriu no meu peito. 

Preciso de um refúgio, seja nas páginas de um romance ou por entre as cenas de alguma história de amor, eu preciso desaparecer desse mundo e me unir a algo que seja belo e bom, a algo que seja verdadeiro, para que assim possa me apegar e não mais sentir que tudo ao meu redor se dissolve e perde os contornos. Preciso me refugiar nas palavras de alguma declaração de amor, nos olhos enamorados de um jovem ou na confissão tímida do seu Amado. Preciso daquela faixa de pele que faz os sentidos florescerem, daquele sorriso capaz de iluminar as trevas em que me encontro.

E por isso eu retorno ao meu nada, retorno ao meu útero primitivo, retorno ao silêncio que possa me restaurar, onde possa existir sem ser, viver sem viver em mim... Mas claro que isso não é exatamente uma mudança, eu não vivo realmente, isso não é vida, é no máximo uma meia vida, uma forma menor de existência, eu morro porque não morro, vivo sem viver em mim. 

~

Durante o tempo em que escrevi esse texto eu via uma séria cujo personagem principal se chama Daonuea, isto é, Estrela do Norte em Tailandês.

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