quarta-feira, 11 de maio de 2022

Tudo escapa

É engraçado, e engraçado aqui pode facilmente ser substituído por "trágico", como de repente me vem uma energia que eu não consigo explicar de onde vem e eu fico inquieto, a perna tremendo se passo alguns minutos em silêncio, e nenhuma ideia se fixa na minha mente, logo se desfazendo e se remontando em outra e outra, e isso sem parar, o tempo todo, até que eu fique cansado, quase arfando como se estivesse corrido, e tudo isso por causa de um fluxo que nasce dum rompante como uma nascente, mas que desce como uma torrente. 

Me sinto numa sala cheia de arquivos fechados, onde as luzes piscam constantemente e eu não consigo ler nenhuma palavra, mas tudo que eu posso fazer é continuar tentando ler e reler as raízes da vida, os símbolos e as suas essências. Ao mesmo tempo que eu experimento uma efervescência de ideias grande eu também luto pra tentar manter elas minimamente fixas para que eu possa contemplá-las, mas eles vem e vão o tempo todo nesses dias e eu sinto que isso vai me enlouquecer porque não tarda muito a sentir que é informação demais, e eu não consigo desligar, nem quando já são quatro da manhã e minha mente insiste em zapear por canais e canais no Youtube ou em ver dezenas de vídeos no TikTok, aumentando e muito o número de informações com que eu preciso lidar com músicas e mais músicas, danças, figurinos, tudo num vórtice que me aprisionou e me impede de sair. 

E eu venho tentando me manter fixo, em algo mínimo que seja. Não consigo focar numa página de um livro e com dificuldade mantive a atenção num artigo mais cedo, mas a mente parece esquivar-se o tempo todo, ficando a razão como no poema de São João da Cruz "Onde é que te escondeste Amado e me deixaste com gemido?" E então tudo me escapa, tudo me foge a atenção, tudo se dissipa como fumaça no ar, como areia por entre meus dedos.

Mesmo sendo tão diferente da melancolia a sensação de que tudo se desfaz continua, e isso me enlouquece, mesmo tendo uma energia que antes me fora privada por semanas eu ainda me sinto privado da razão, não consigo por nada silenciar meu coração e tudo o que eu busco é um pouco de silêncio, mas não aquele de antes, não aquele silêncio que a tudo faz parecer destruir, não o silêncio que me deixa em pânico, eu só queria, na verdade, um pouco de tranquilidade, me sentar a sombra de uma árvore e ouvir o som da água de um rio fluindo, apenas isso, mas se olho para o ´céu sendo destruído e reconstruído milhares de vezes, preso num ciclo infinito de morte e renascimento. Preso nessa samsara sem perspectiva de final.

Pastores se subirdes,
além pelas malhadas ao outeiro,
se porventura virdes
aquele a quem mais quero,
dizei-lhe que agonizo enquanto espero.
(São João da Cruz)

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