quinta-feira, 19 de maio de 2022

Sobre suportar

Tenho me sentido livre, leve, como há muito, muito tempo não me sentia. Eu estava incomodado que nos últimas semanas, desde a Semana Santa na verdade, me sentia pressionado a ser uma coisa que eu não consigo ser, que eu deveria e que esperavam que eu fosse algo que não podia ser. Eu não costumo prestar muita atenção nas pessoas mas até eu pude notar os olhares de julgamento, o descontentamento com a minha presença, a frieza no trato. E mesmo já estando bem acostumado com tudo isso, afinal são anos e anos ignorando absolutamente tudo o que pensam de mim, eu decidi que era hora de me fazer sentir falta. Era hora de ver como as pessoas reagem a minha ausência. Num surto autorreferencial eu decidi que era hora de ver como eles se comportam sem mim.

Não que espere reações exageradas ou pedidos de desculpas, nada disso, mas é que eu carreguei tanta coisa nas costas durante tanto tempo que quero ver como eles conseguem resolver tudo isso sem a minha interferência. E eu sei bem que eles vão conseguir mas, no processo, talvez entendam um pouco do que eu tive de carregar sozinho e aprendam a valorizar aquilo que poucos vêm mas que é de grande importância para o que é visto. 

Acontece que para uma celebração acontecer, alguém precisa chegar horas antes e arrumar uma série de coisas, passar toalhas, limpar objetos, conferir leituras e orações, ensaiar músicas, e as pessoas não costumam dar valor a isso, nem mesmo aquelas que também chegam antes e que conhecem um pouco dessa realidade. Eu nunca reclamei de perder noites de sono ou dias inteiros preparando uma celebração, mas me incomodei profundamente quando percebi que isso incomodava os outros, então se o que eu faço é um incômodo, é simples, eu vou fazer o que me pedirem pra fazer, e apenas isso. 

Queria conseguir levar a virtude mais adiante. Sofrer resignadamente, exercitar a paciência, amar o sofrimento. Queria mesmo poder dizer que suportei todas as coisas por amor, mas infelizmente eu não sou tão virtuoso assim, e é com tristeza de verdade que digo isso. Eu queria mesmo ter sido capaz de me calar e suportar, de abaixar a cabeça simplesmente. Mas eu não consegui, a minha arrogância e o meu orgulho falaram mais alto e não fico feliz por nada disso, não fico feliz por fazer o contrário daquilo que, por tanto tempo, eu mesmo preguei e tentei viver. 

Isso me dá uma amostra a mais da experiência humana, da fraqueza do coração fechado em si mesmo. Percebo uma vez mais o que é ter a vontade arrastada pela lama. Me conto entre aqueles que lutam contra a própria natureza, entre prostitutas e adúlteras que sucumbiram as paixões, entre aqueles que traíram e tramaram contra os seus, que se deixaram levar pelo pecado e que tentam, lentamente, erguer-se da lama. 

É só o que posso fazer, seguir em frente e tentar melhorar um pouco que seja, e suportar mais na próxima. 

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