terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Raro Momento

Experimentando um raro momento de lucidez, numa pausa de uma longa crise depressiva, e gostando da sensação de até mesmo não ter sobre o que escrever, não por me sentir vazio, mas por ser tocado por tal tranquilidade que até meu coração se aquietou e arrefeceu-se por um instante. É bom que as coisas sejam assim, preciso respirar ares melhores do que o eterno ar úmido e quente do meu quarto solitário. 

Me ocorrem pensamentos alegres, coisa que há muito eu já não tinha, e até me vêm ideias de reconciliação, ao que preciso frear meus impulsos para não tomar decisões das quais posso me arrepender depois. Assim como a depressão os períodos de hipomania também oferecem perigos, pois me torno impulsivo demais, o que é sempre arriscado. 

É com gratidão que acolho essa tranquilidade, mesmo sabendo que ela é temporária, é um descanso merecido que meu corpo merece, depois de tantas noites assustadoras e tantos dias de silêncio insuportável. Uma melodia doce é tocada ao longe, me parece um desfile ou uma procissão, e eu fecho o livro sobre meu colo, tomo um gole da taça de vinho e fecho os olhos, vivendo o momento. É, com efeito, um raro momento que eu preciso aproveitar. 

Meus olhos agora enxergam com uma lente colorida, tudo ganhou um pouco mais de vida, as flores não são mais símbolos da morte e sim da vivacidade, o perfume tornou a trazer um significado, ainda que singelo, aos meus sentidos. 

Mas qual foi a minha surpresa ao ser acometido por uma crise de pânico nessa mesma noite em que me sentia tão bem. Foi como estar acordado num pesadelo, o ar faltando, alguma coisa esmagando meu peito, como se fosse empurrado pra baixo, e o pescoço imóvel, o rosto repuxando numa careta bizarra enquanto os dentes batiam com violência. Nenhum pensamento anormal, no entanto. A hiperventilação começou do nada, sem nenhum gatilho que eu tenha identificado. E se prolongou, por duas longas horas, até me lançar nas trevas de um cansaço equivalente a uma catástrofe natural, o corpo dolorido de tanta pressão, acabei ficando na cama mais do que devia, cansado demais pra reagir. 

E, no entanto, o meu pensamento continua claro, muito embora eu já pressinta a chegada da névoa uma vez mais. Planejo dormir um pouco essa tarde, assim talvez eu descanse mais e, como não tenho nada melhor pra fazer na realidade, possa esquecer um pouco o que me aconteceu ontem a noite. 

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