sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Trombetas

Nós conversamos, mas amizade não voltou, eu não pude ignorar tudo o que aconteceu, não pude fingir que tudo aquilo não tinha se passado entre nós. É uma constatação a qual eu chego no escuro, sozinho, numa noite de sexta-feira, quando a solidão bate a porta e vem se deitar ao meu lado, para ficar até o domingo. 

Foi um dia longo e entediante, assisti a três longas horas de um documentário mas sinto que não aprendi nada, tampouco consegui passar mais do que alguns minutos lendo, em alguns dias a mente simplesmente não funciona, ou talvez seja eu exigindo demais dela mesmo sabendo que o que retive está dentro dos limites aceitáveis, é bem da minha natureza reclamar mesmo quando tudo vai bem. 

Bem, não é como se eu fosse um pessimista sempre, me considero um realista de luto, luto pela vida inteira que poderia ser e não fui, por todos os talentos desperdiçados e oportunidades perdidas, luto pelas amizades que se foram e pelos amores que fracassaram. É com um sorriso de profunda ironia que eu penso que em nenhum aspecto da minha vida eu fui feliz, até mesmo na igreja onde poderia  dizer-se que fui importante pra minha comunidade eu sei que não fiz mais do que qualquer um com o mínimo de boa intenção faria. 

O que me restou então foi essa profunda sensação de desânimo, um desespero velado que pouco a pouco se revela, que vem se aproximando lentamente com seus tentáculos gelados e me envolve, me levando para águas mais profundas, donde não há escapatória. Essa é a imagem que tenho numa sexta à noite: a de um fim que nunca chega mas que nunca cessa de se prenunciar com trombetas fulgurantes, impedindo qualquer vida com um desespero sempre crescente. 

Assim é o mundo para mim, assim é na minha pequena mente distorcida. As imagens de luz e cor que eu vejo não são mais do que o mero reflexo das músicas que eu escuto, que me permitem vaga fuga, apenas isso. 

Por isso meu sorriso é assim, tímido, apenas um esboço, pois reflete a descrença do meu coração num mundo melhor pois, entre guerras e epidemias, nosso melhor é a morte. 

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