terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Feras, abismos e flores

E já nem sei mais o que significa cuidar de mim, não tenho tido vontade para cuidar de nada, os afazeres se acumulando e eu lutando para que eu não tenha que fazer nada, porque simplesmente não há de onde tirar forças para fazer, não há como forçar. 

E a cada dia a imagem que vejo no espelho está ainda pior, e a cada dia cuido menos dela, entrei num ciclo de autodestruição e parece que esse tem sido meu único objetivo.  Já não me reconheço mais, embora o ser que me olha repita os mesmos gestos que eu não consigo me ver nessa fera que me encara. 

"O Homem, que, nesta terra miserável, Mora, entre feras, sente inevitável necessidade de também ser fera", disse o poeta Augusto dos Anjos, e assim eu me sinto, transmutado em fera, quimera que não tem mais forma humana, que a cada dia se aproxima mais da bestialidade completa. Não tem mais seus lábios vermelhos e seus cabelos desgrenhados gritam a alucinada verdade de sua mente. 

Uma música, que vai na antípoda do que tenho dito alguém, tenta me salvar. My Cutie Pie, do NuNew, age como a beleza que salva, que me resgata do profundo abismo em que entrei e que agora me encara com seus olhos negros como a própria escuridão encarnada. É o que me impede de cair no completo desespero. 

Mas não é capaz de me fazer ir além, apenas me resgatou do oceano escuro e me deixou na praia, mas aqui eu ao menos consigo ver as estrelas e a lua, me deixar levar por essa luz que me guia com mais clareza que a do meio-dia. Mas ela me salvou, foi o resgate de hoje. E de volta a minha casa eu vejo novamente o espelho e, olhando pra fera, ela olha de volta pra mim. Fera que não mais busca a quem devorar, que já desistiu, eu já desisti. E o mais que faço não vale nada. 

A santa e doutora disse que "há almas nesta terra que buscam a felicidade em vão, mas é justo o contrário, para ela alegria habita em seu coração. E sua alegria é amar o sofrimento." E eu tomo essa premissa como minha a partir desse momento. "Sim minha alegria é amar o sofrimento, e eu sorrio mesmo entre lágrimas vertendo, aceitando com agradecimento os espinhos que entre rosas vou colhendo." (Sta, Terezinha do Menino Jesus)

Abismo. 

Fera. 

Resgate. 

Espelho. 

Sofrimento. 

Aceitação. 

Flores. 

Alegria. 

O caminho que devo seguir. Encarar o abismo e a fera que nele habita, permitir-se ser resgatado pela beleza, ressignificar o sofrimento pela beleza, aceitar como parte integrante do ser e, finalmente, aceitada essa verdade, encontrar alguma alegria na resiliência, na aceitação de as coisas são assim.

Por trás de todo esse caos há certa ordem, você consegue levantar o véu e enxergar a verdade? 

2 comentários:

  1. Belo texto. Crescemos de pouco em pouco em nossa vida e cada centímetro crescido recobre o centímetro anterior com uma experiência aprendida, a fim de que possamos crescer com mais força e determinação. Obrigado por compartilhar sua visão, como sempre faz. Isso me ajuda também a crescer e a me inspirar em ti.

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