terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Desconexo

Sinto que eu posso ser mais, na verdade que eu poderia ser mais, e esse não é um discurso vitimizante em que eu digo que posso fazer o que eu quiser apenas se eu desejar de verdade, não, isso é bobagem, mas o que eu sinto é que nunca dou totalmente de mim em nada. 

Eu olho pros livros na minha estante, e nos que estão em cima da minha cama, e eu sei que poderia ter lido todos eles na metade do tempo. Eu penso no meu emprego e sei que poderia ter distribuído mais currículos do que já distribuí, que poderia ir mais longe e tentar emprego em outras cidades também. Eu poderia fazer mais, e não faço. 

Tem algo que me puxa pra baixo, e eu sei bem o nome dela, que me deixa aprisionado, que me faz preferir tomar remédios e dormir como se isso fosse resolver o problema quando na realidade eu só o adio e já venho adiando mais do que deveria. Os anos vem passando, e os vejo correr bem diante de meus olhos como um pássaro que voa rapidamente rasgando o ar e nada o detém. 

Mas eu estou detido, e impedido de seguir em frente, dopado, entorpecido, andando na mesma frequência da minha trilha sonora irregular que vai desde a música sacra ao pop japonês passando por uma infinidade de outros ritmos e estilos como o indiano tradicional e o popular tailandês. E o que tudo isso revela sobre mim? Que estou perdido, absoluta e completamente perdido, no tempo e no espaço. Pareço estar em Neverland mas estou em lugar nenhum, ou melhor, sinto que não estou e que não pertenço a lugar nenhum, 

Mas se é assim o que me impede de ir embora e tentar a vida no sul como quer minha família? Medo, pura e simplesmente medo. Eu não pertenço a lugar nenhum mas estou preso aqui, e essa é a contradição em que vivo. Será isso, no entanto, vida de verdade? 

X

Não posso dizer que não sinto falta, isso seria uma grande mentira. Estar em um grupo me dava a distração necessária pra afastar alguns demônios que agora me atacam sem medo. Eu não sentia que pertencia aquele lugar, mas algo deles ficou em mim e eu deixei um pouco de mim também, eu me entreguei por inteiro. Hoje a solidão me faz companhia. Isso porque o que eu ganhei foi o oposto do que dei, ao lugar de amor eu só fui usado e descartado, já sem valor algum. Sinto falta sim, mas é um passo que eu dei e que não posso voltar atrás. 

X

E todo dia é uma lamúria permanecer de pé, o mundo me parece chato, tedioso, e só quando estou dormindo pareço encontrar prazer verdadeiro. Ficar acordado é uma tortura que eu não consigo descrever e cada momento assim o meu ser implora, desde cada fibra até o tutano, para que eu durma, que eu durma e esqueça, na minha doce alcova, dessa existência miserável. Seria tão melhor se eu pudesse dormir pra sempre, essa seria a plena realização. Mas eu não posso, e preciso me distrair então com livros, músicas, pessoas, tudo isso não passa de uma distração pra que eu não fique cara a cara com o imenso vazio que há em mim. E, nos poucos momentos despertos em que ele espreita minha consciência eu me dou conta, do quão vazia é essa existência.

X

O dia passou lentamente, como se estivesse se arrastando. Antes do meio-dia eu já havia assistido uma aula, lido várias páginas, comido e ainda estávamos na metade do dia. Tive de fazer muito pra conseguir chegar ao fim. Assisti ao exageradamente longo episódio de uma série, li mais um pouco, assisti outra aula, dormi, escrevi, e finalmente anoiteceu, ainda tendo tempo sobrando. Isso é insuportável. Eu sei que um emprego resolveria facilmente esse problema mas isso não é uma solução, é outro problema. 

A preguiça agora me domina, eu só queria dormir, é o que mais anseio nesse momento e, no entanto, prometi a mim mesmo que aguentaria mais tempo acordado, ainda que isso signifique o tédio absoluto de viver num mundo no qual eu simplesmente não quero viver. Nem mesmo posso dar a esse texto um acabamento decente, sendo ele um reflexo dos pedaços em que estou, desconexo e tedioso. Frágil, vazio e sem contorno. Quisera eu poder adorná-lo com uma bela armadura de prata, mas tudo o que consigo fazer é despejar aqui o que já não cabe mais no meu coração, por mais feio que seja, 

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