segunda-feira, 21 de junho de 2021

A Forma da Dor

"Existe um vazio bem no âmago de nossas almas. Uma imperfeição fundamental que tem assombrado todos os seres desde o primeiro pensamento. Em um nível primitivo, o homem sempre esteve ciente da escuridão que mora no núcleo de sua mente. Temos procurado escapar desse vazio e do temor que ele provoca, e o homem procura preencher esse vazio." (Hideaki Anno)

Há um tempo atrás havia um buraco em mim, uma falta de algo, alguém em algum lugar onde eu pudesse ter razão para viver. De certa forma a sua ausência era a única presença que eu tinha e, mesmo não tendo, esse era o ter que tinha de você: o saber que não o tinha, e mesmo assim você estava em meu pensamento. No entanto, já algum tempo se passou desde então, do dia que pedi seu coração, uma chance, um respirar que fosse, e você me disse 'não'.

Foi desde esse dia que você saiu de mim, deixando então não a presença da sua ausência, mas a completa ausência, não dor a mas a forma da dor, que já não era mais a sua forma, mas a forma de algo que, faltando em mim, é essencial mas não é você, é apenas ausência, uma ausência complexa demais para mim para que eu consiga expressar em outras palavras que não estas. Não é dor em si, mas a forma da dor, a potencialidade de voltar a sentir a dor que é não ter você ou outro alguém aqui, é essa a dor. É uma dor em potência que, no entanto, agora se apresentando como vazio já prenuncia a sua incômoda existência. 

Já não sinto mais a sua falta, mas sinto que, assim como queria preencher com sua presença o meu vazio, esse vazio permaneceu, largando espaço para que outros sejam motivo da minha dor no futuro, não fosse o meu medo, não fosse o meu temor em permitir que outro ouse transpor os umbrais dessa minha residência, não fosse a ressalva que tenho em deixar qualquer um tomar o lugar de tentar preencher o vazio, já que eu o coloquei agora no profundo do meu, num lugar tão distante que nem mesmo eu tenho mais acesso, para que não cause mais danos, que não seja mais dor e sofrimento pois cada vez que o vazio se tornava maior ele me corroía por dentro, me matando pouco a pouco, em fazendo crer que não há futuro ou esperança, e me enchendo de desamor próprio, já que me fazia crer ser não merecedor de amor. 

Há uma vazio bem no âmago do meu coração, mas eu já quero preenchê-lo, pois a cada tentativa fracassada ele aumentava ainda mais. Esse vazio permanecerá lá, no Tártaro do meu ser, até o dia que algum guerreiro ouse desbravar o meu Hades, conseguindo então desfazê-lo, como quem desfaz um grande male que tenha se abatido sobre a humanidade, com a diferença que sou apenas um homem a sofrer a condenação da solidão. 

Já não restou muito de ti em mim, a não ser os recessos de tua presença em minha memória, mas eles logo serão desfeitos como poeira ao vento, eles logo desaparecerão no horizonte como fumaça, e o que restou guardado comigo foi apenas o espaço onde deveria haver um brasão, um brasão de eternidade, um brasão que ainda não foi sequer forjado e nem empunhando por cavaleiro algum. 

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