quinta-feira, 10 de junho de 2021

Pesadelos

Estou em vias do que parece ser uma terrível crise de ansiedade e, passadas algumas horas do seu início, eu me sento de frente ao computador para tentar, de algum modo, exorcizar os fantasmas que aparecem nesse exato momento, me assustando de tal modo que o certo seria dizer que estão eles a roubar o ar que eu respiro, me deixando apenas a sensação de pânico advinda daí.

Hoje foi um dia atípico já que passei a maior parte dele em um estúdio de tatuagem, ouvindo o barulho irritante daquela máquina, e o resto do dia foi na cama, sonolento por ter acordado um pouco mais cedo e incomodado pelo ardor localizado da nova arte na minha pele. 

Alguns dias atrás eu ouvi o meu pai se queixar do fato de gastar o dinheiro dele numa coisa como uma tatuagem para mim, acontece que eu queria marcar esse momento da minha vida, como tantos outros já estão marcados, e infelizmente das sete pessoas que moram aqui em casa ele é o único com uma renda fixa e bem, é isso. Pensar naquela cena me fez entrar numa espiral de possibilidades assustadoras: o que nós faríamos se não fosse por ele? E se ele morrer amanhã, como vamos sobreviver? Nenhum de nós tem a menor perspectiva de trabalho, alguns nem estudo tem, e isso significa que teríamos que passar por grandes dificuldades, talvez até fome, para conseguir sobreviver. E essa seria a palavra, sobreviver, pois não haveria tempo para algo realmente vivido, senão que seria uma existência ainda menos significativa e muito mais sufocada pelas obrigações do comer e do vestir do que agora. 

Essa perspectiva catastrófica tem encontrado em mim espaço fértil nas últimas semanas, especialmente depois que eu dei início ao curso de auxiliar em necropsia, sob a tola justificativa de que ter contato com a ideia da morte seria algo de cristã virtude, já que pensar na morte é fugir as ocasiões de pecar e até mesmo meus estudos filosóficos são guiadas pela inspiração de Sócrates que filosofar seria aprender a morrer. No entanto agora eu me pergunto: será que alguém com meu histórico de depressão deveria estar assim tão em contato com a morte? 

Não posso fingir que os primeiros casos já mexeram comigo. Especialmente um que se tratou de um suicídio e cujas imagens de sangue estão estampadas em minha mente com uma vivacidade assustadoramente impressionante. É, ela realmente mexeu comigo ao ponto de eu até já ter tido quase pesadelos com ela. Quase porque eu não estava completamente adormecido ainda, embora estivesse sob efeito das drogas antidepressivas. 

Fica a pergunta séria: eu deveria ter tanto contato com a morte? 

Pensar em ter de lutar por meus próprios medos é algo que me assusta. Muito. E pensar que pra isso eu posso ter de precisar passando meses num curso e o resto da minha vida em contato com a morte de outros é algo que me assusta ainda mais. Pensar na morte dos meus pais então, seja do meu pai trabalhador e que nos mantém alimentados sem que nada falte ou da minha mãe, preocupada desde o momento que eu acordo, me lembrando que preciso comer, até a hora de dormir se obrigando a ficar na sala quando o cansaço das tarefas do dia são demais e pesam os olhos, ou a gentileza de me perguntar sobre a dor depois da tatuagem... Pensar nisso me faz voltar a sensação de asfixia e, dessa vez, traz consigo o enjoo do desespero, a ânsia que escapa da minha boca e me impede de comer, aumentando com a fome a minha fraqueza a predisposição a uma crise prolongada de ansiedade que sabe-se lá onde vai terminar. 

Parece que ao olhar ao meu redor eu só consigo imaginar as tragédias que podem vir de todo lugar, me tornando incapaz de vislumbrar sequer uma só boa possibilidade de futuro. É assustador ter uma mente que me sabota dessa maneira. E eu deveria ao menos ser capaz de conseguir engolir essa ânsia de qualquer jeito e me forçar a conseguir um emprego, onde quer que fosse, e assegurar, pelo mínimo, a minha subsistência. 

É, esse texto tem um gosto muito ruim, amargo, e acompanhado de um ânsia já citada porém indescritível, e um medo do futuro ainda maior, que me esmaga como a água escura de um oceano profundo esmagaria uma única pessoa, perdida naquela infinidade gélida e poderosa que esmaga o peito e o ser como esmagaria a uma formiga.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário