sábado, 22 de junho de 2019

Meus demônios

É sempre assim, eu me deito e as vozes em minha cabeça começam a falar todas ao mesmo tempo. Algumas sussurram, outras gritam, algumas ainda apenas sorriem. Todas elas concordam numa coisa: eu não sou nada, eu sou um imprestável, um lixo pior que toda a escória da humanidade. Eu não faço parte disso. Não pertenço a lugar nenhum. Mesmo cansado, sem voz depois de tanto ensaio, mesmo depois de ter dado meu melhor eu ainda sinto que não foi suficiente, ainda sinto que não é nada, ainda sinto que estariam melhor sem mim. E não me refiro somente aos colegas da banda, mas também a todos da Igreja que me esperam amanhã cedo para a missa e até aquelas pessoas que agora dormem no quarto ao lado do meu. Todos estariam melhor sem mim.

Eu não faço parte disso. Não pertenço a lugar nenhum. Não há abrigo neste mundo para mim. Incapaz. Insuficiente. Eu sou uma farsa. Um mentiroso. Um tolo que não sabe disfarçar sua ignorância do mundo.

Eu não faço parte disso. Não pertenço a lugar nenhum. Por isso eu mereço punição. Por isso o universo me condenou a uma solitária multidão. Mesmo quando não há ninguém ao meu lado, a minha cabeça se encarrega de produzir o barulho de uma torcida de futebol. É sufocante. Não consigo ouvir nada além de insultos, xingamentos, pessoas me dizendo que deveria morrer, que faria um favor a todos se desaparecesse, que seria melhor se nem tivesse nascido. Eu não faço parte disso. Não pertenço a lugar nenhum.

Eu não faço parte disso. Não pertenço a lugar nenhum. É como se não tivesse propósito na minha existência, como se meu nascimento fosse um erro, como se minha insistência em fazer algo fosse nada mais do que uma tentativa patética de me igualar aos outros, pessoas reais, plenamente humanas, e não apenas um animal de feições levemente antropomorfizadas. Eu não faço parte disso. Não pertenço a lugar nenhum.

As risadas, as piadas, os deboches, a zombaria, ninguém mais os escuta, mas basta eu fechar os olhos e lá estão eles. Eu não faço parte disso. Não pertenço a lugar nenhum. Lá estão meus demônios me dizendo que seria melhor se entregasse de vez minha alma a eles afinal, que serventia há para alguém como eu andar no meio de humanos de verdade? Será mais uma noite longa, solitária, barulhenta, onde tentarei fugir das vozes de minha cabeça, dos meus demônios. Será uma noite agonizante, na minha própria alcova pois eu não faço parte disso. Não pertenço a lugar nenhum!

A lugar nenhum!

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