quinta-feira, 27 de junho de 2019

A concha no oceano

Algumas impressões aos poucos vão se impregnando no meu ser, se tornando tão profundas que logo parecem confundir-se comigo mesmo. Estou a cada dia, a cada conversa, a cada relacionamento com o outro, mais convencido de que nós homens estamos condenados a vagar por essa terra vivendo em meio a confusão, sem nunca, jamais, conseguirmos alcançar a possibilidade do entendimento pleno entre as pessoas. 

Alguns poucos, eleitos quem sabe, podem até se compreender até determinado ponto. Alguns poucos partilham de uma visão semelhante de mundo, e graças a essa semelhança se entendem, ou aparentam se entender. Do que vi também aceito que as pessoas fingem se entender, revelando-se na verdade tão incompreendidas quando se livram das máscaras de compreensão e proximidade. 

Outros, no entanto, mais desafortunados, são condenados a incompreensão quase total, vivendo isolados em meio a multidão. Digo quase total pois a incompreensão total, ao meu ver, só seria possível num estágio avançadíssimo de privação dos sentidos, mas ainda assim, ao sermos submetidos a uma compreensão superficial apenas somos condenados ao desespero. Somos como cativos em grandes tanques de vidro e água, gritando loucamente aqueles que se encontram fora do tanque, mas estes por sua vez se encontram presos também em suas próprias consciências, ouvindo apenas os murmúrios estranhos uns dos outros. É desesperador. 

As pessoas compreendem os sons, ouvem as palavras, mas são incapazes de captar o significado por trás delas. Por mais carregadas de significação que estejam nossas palavras, ditas ou escritas, as pessoas captam apenas uma parte muito pequena e superficial delas. É como se fôssemos um oceano profundo, nossas palavras captam apenas o equivalente a uma pequena concha, e as pessoas compreendem apenas uma pequena gota do que dizemos, ficando portanto um oceano de incompreensão entre todos os seres. 

De que adianta vivermos nos esbarrando, como formigas, uns nos outros e sendo impedidos de comunicar aos outros o que queremos dizer? Essa perspectiva é tão assustadora que, há muitos dias, venho sentido medo de falar ao outro o essencial. A cada dia digo menos, e a cada dia continuo sendo incompreendido. Não importa o quanto tente, o outro não entende mais do que os balbucios erráticos de uma criança que tenta, ainda sem o vocabulário para isso, expressar o que sente. 

Nisso somos jogados a toda sorte de infortúnios e desgraças. De dentro desse tanque de água vemos os outros se afogando, enquanto nós mesmos somos levados pelas torrentes impetuosas de nossas próprias consciências. Esse limite, no entanto, é gigantesco. Me sinto vagando numa praia sozinho, ouvindo a música que toca longe, e as pessoas conversando também, mas sem nunca conseguir entender o que dizem e sem encontrar de onde vem aquela música. Cada um de nós anda por uma praia dessas. E as vozes e músicas são os sons dos corações daqueles que nos cercam e que nunca conseguimos encontrar realmente ou compreender verdadeiramente. O inferno são os outros. 

É a experiência humana do dizer sem fazer-se compreender. É simplesmente desesperador, ver-se rodeado de pessoas, gritar, pedir por ajuda ou tentar ajuda, e não conseguir fazer-se ouvir. A cada dia isso se marca mais profundamente no meu peito. A cada dia sinto menos vontade de falar com o outro. A cada dia sinto que deveria fechar-me em mim mesmo, afinal não há como expandir-me e alcançar o outro, talvez se voltar-me para mim consiga encontrar alguma das respostas que o outro não conseguiu me dar. 

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