sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Criatura de Hábitos

Tenho um hábito de ser sempre muito afetuoso com todos ao meu redor. Me lembro daquele conselho, acho que de Santa Terezinha, de que o interior é meu e merece sofrer (mortificar-se) mas o exterior é do outro e merece sorrir. Mesmo que eu não consiga sorrir de verdade atualmente, eu ainda me esforço para fazer os outros felizes, piadas, histórias e músicas. Com meus amigos mais próximos, sempre ficamos juntos e brincamos muito, ainda que nos piores dias eu só queira morrer, ainda consigo, de algum modo, esconder.

Mas tenho também um outro hábito bastante comum, que é o de ser talvez um pouco afetado demais. E a frase anterior mostra um pouco da tensão que isso significa. Eu trato meus amigos com expressões como "amor, paixão, bebê, mozão, anjo" e coisas do tipo. Por um lado eu realmente uso isso de modo a demonstrar o carinho genuíno que tenho por elas. Eu sou carinhoso e gosto de demonstrar isso, gosto de abraçar, segurar a mão, encostar a cabeça no ombro, enfim, ter contato. Contato humano, que aproxime coração a coração. 

No entanto eu percebo que, muitas vezes, esse carinho é reflexo de algo mais profundo. Percebo que uma mensagem como "Bom dia amor" possa sim ter a conotação afetuosa que é meu objetivo, mas será que ela não reflete apenas uma carência latente que tenta, por meio de demonstrações de carinho atrair alguém? Será que posso estar sendo egoísta a ponto de tentar usar minha amizade como pretexto para sanar a minha carência habitualmente contida? Essa é uma tensão se solução. 

Eu sei que sinto amor, sinto afeição o suficiente pra continuar agindo como sou, mas também sinto que muitas vezes algumas palavras e gestos refletem esse meu outro lado. 

Isso gera algumas situações desagradáveis, como amigos que mentem para mim pra evitar situações de ciúmes, e eu vejo isso nitidamente graças a uma habilidade meio sensitiva, amadora é verdade, mas bem útil, o poder da observação, muito embora eu não tenha coragem de sair dizendo o que vejo, e sempre guardo para mim. 

Me entristeço também com o rumo que essas amizades tomam: muitas vezes eu termino por confundir as coisas, o afeto que me dão de volta se parece muito com amor, com um carinho que seria algo além da amizade. Isso me confunde. Acabo me iludindo com facilidade e, tristemente, quando me dou conta, a pessoa aparece interessada em alguém ou namorando e eu preciso lidar com os ciúmes latentes que sequer tenho direito de expressar, por alimentar sozinho um sentimento que, racionalmente ao menos, eu sabia ser impossível. No entanto, embora a parte racional tenha consciência disso, é ainda a parte volitiva que toma conta das minhas ações. 

Preciso aprender a lidar melhor com isso, colocar as coisas no seu devido lugar e graduar bem os meus sentimentos, de acordo com as potências da minha alma e um justo senso das proporções e, feito isso, seguir a essas categorias como a um imperativo categórico, evitando dor e descontentamento aos meus. 

Mas, por fim, quero deixar claro: o meu afeto é genuíno. O limite de como ele se demonstrará depende do outro. Há que se olhar para o outro que habita em mim, e o eu que habita o outro. E dessa dialética afetiva, vamos construindo um relacionamento mais equilibrado e feliz para ambos. Por fim, nesse ínterim, talvez encontre aquilo que busco. 

"Meu ardente coração quer dar-se sem cessar, 
ele precisa demonstrar sua ternura. 
Há quem há de compreender meu amor, 
que coração quererá corresponder? 
Mas em vão procuro, essa resposta..." 
(Santa Terezinha do Menino Jesus)

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