segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Um olhar no espelho


Um olhar no espelho, uma profundidade castanha que revela uma dualidade íntima, escondida de todos os homens, escondida até mesmo de mim. A verdade muitas vezes machuca, ela revela coisas sobre nós mesmos que gostaríamos de fingir que não existem. Conhecer a si próprio envolve estar ciente dessa tensão que forma o complicado tecido da nossa realidade. 

E a nossa vida se revela mais plenamente na contemplação dessas tensões, desses momentos em que não estamos apenas pintando com tintas de cor preta ou branca, mas que se mostra ao mundo numa complexa composição em dezenas de tons de cinza diferentes. Somos feitos dessas tensões. 

Vejo em mim o desejo de ser reconhecido e a preguiça de tomar os passos necessários para atingir esse objetivo. É um desejo que se mostra real, sob certos aspectos, e apenas uma possibilidade distante, diante da minha disposição. É como se duas forças batalhassem entre si dentro de mim, buscando pelo controle do meu ser. 

Outra tensão, essa imensuravelmente maior, se revela nestes últimos dias. É a tensão entre o desejo e a coragem. Há em mim um desejo profundo, do qual que já falei tantas e tantas vezes, que se mostra num medo excessivo de ficar só, numa necessidade exacerbada do outro, numa irreal idealização do sexo, numa luxuriosa perspectiva da companhia humana que abrasa o meu ser, que me torna fragilizado a tal ponto que me rendo aos instintos mais primitivos e bestiais que minha mente pode conceber nesses momentos. 

Por outro lado há medo, um medo absurdo que sequer consigo expressar de algum modo senão por meio de balbucios infantis. É como se eu não tivesse coragem para sair e conhecer o outro e assim satisfazer, ou pelo menos buscar satisfazer, esse desejo. É um medo do outro, de como ele pode me machucar, que se revela numa completa preguiça do homem. É a aquela concepção de que a visão do homem hoje cansa, sendo nisto que se baseia o meu niilismo: estou cansado do homem. 

E essas duas feras, a que deseja sair e singrar e que sopra sobre mim este medo na expectativa de me proteger, batalham ferozmente, fazendo meu corpo tremer, minha vontade vacila então diante dessas duas grandes portas que se abrem diante de mim.

Poderia seguir pela porta do desejo, instalar algum aplicativo e usá-lo para me encontrar com alguém, tentar diminuir esse fogo que arde dentro de mim há tempos e que parece nunca extinguir-se completamente, senão que desaparece para reaparecer ainda mais poderoso em outros momentos. Poderia me entregar sem pensar duas vezes, e como seria mais fácil simplesmente me comportar como mandam os meus apetites mais animalescos. Seria mais fácil. 

Mas a minha outra parte não permite que eu o faça. Todos os encontros casuais que tive não foram outra coisa senão fechados em si mesmos e, ainda quando sentia algum prazer, não aplacaram em nada o desejo de companhia que há em mim, e que continua a existir independente de qualquer coisa, como seu eu não passasse de um escravo de meus próprios apetites sexuais. 

E o que eu posso fazer? Qualquer conselho possível só me fará tender a um destes dois lados, não resolvendo o problema mas, antes disso, adiando-o indefinidamente, dando continuidade a esse ciclo que tantas vezes tentei romper mas que continua se mostrando como a roda invencível da fortuna, essa força invisível que controla nosso destino. 

Como essa batalha é travada dentro de mim eu sou o único a me ferir pelas lanças e espadas que a minha vontade traz. Como uma terrível batalha esta não parece ter vencedor, antes disso, parece que ao seu final tudo o que posso esperar é a morte, de ambas as vontades e de mim, seu receptáculo, condenado a ser embaixador de ambos os lados, aprisionado por mais correntes do que poderia um homem se livrar, senão que se acostuma com essa perspectiva maldita de um homem que, embora desejando os altos círculos da inteligência ainda se vê prisioneiro da própria vontade que nem mesmo se mostra unívoca, senão que apresenta numa personificação diversificada de prazeres desejosos e razões para rechaçá-los.

Me tornei, ao término, este homem cinza, paralisado em si mesmo pelas forças que há dentro de si, nenhuma delas se manifestando efetivamente em seu exterior. Sentado a observar o mundo, um mundo que guarda tantas e tantas possibilidades, mais do que seria possível enumerar ou abarcar, e que ainda assim eu não consigo alcançar nenhuma delas, pela minha flagrante indolência e falta de capacidade de me mover, de lutar e conquistar algo que eu mesmo queira, restando me apenas a visão cada vez mais triste e vazia do teto do meu próprio quarto, enquanto os anos avançam, enquanto as pessoas se conhecem, enquanto o mundo gira, e eu continuo o mesmo, sozinho e despertando apenas ojeriza a todos os outros. Condenado a solidão e a incompreensão luxuriosa de um homem que só tinha medo de ficar sozinho.  

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