terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Border

A sensação permanente de sentir-se insuficiente, de dar o seu melhor na frente do espelho, tentar parecer com qualquer outra pessoa que não seja você e terminar ainda mais parecido com o absoluto fracasso estampado no reflexo. É assim que me sinto ao tirar uma foto, mesmo postando como se me sentisse satisfeito o resultado, eu a uso na verdade como um troféu, um lembrete da minha falha estrutural, daquele meu defeito primitivo: meu próprio ser. A minha existência revela-se como nada mais do que um erro sem explicação do universo, um arremedo de ser humano, alguém que quase chegou a ser mas nunca foi, um abortivo. É isso que vejo em meu próprio reflexo, é isso que está estampando nos meus olhos, é isso que as vozes me dizem todos os dias, a todo momento, quando me lembram que eu sou completa e inquestionavelmente insuficiente para que qualquer pessoa possa se interessar por mim. 

E é bem esperado que eu sinta isso ao olhar para mim mesmo, já que eu vejo o corpo humano com uma devoção quase angélica. É com imensa admiração que eu observo os homens de corpos fortes, como se fossem esculpidos por sílfides. Os músculos firmes, os peitos torneados, cabelos perfeitamente alinhados. Eu sempre admiro. São como anjos andando entre nós, de uma beleza tão inacreditável que sequer parecem existir de verdade num mundo tão feio. Mas quando me vejo no espelho eu não consigo, simplesmente não consigo ver esse reflexo de anjos, eu me vejo como animal, com todos os defeitos possíveis, até mesmo quando, depois de muito esforço, consigo me preparar de algum modo. Isso é o que há por trás das minhas fotos, maquiado, produzido, o que na opinião dos outros poderia ser quase aceitável, eu acho simplesmente horrendo, me dói sequer olhar. 

Cansado de fazer as coisas darem errado por puro desespero, cansado de estragar tudo quando as coisas finalmente começam a se encaminhar. Cansado de ser assim, de viver sempre no limite, de sempre estar prestes a explodir, sempre prestes a colocar tudo a perder, cansado desse jeito border de ser. Cansado de sempre me deixar aproximar, de sempre começar a sentir, e depois não conseguir mais voltar atrás, de me deixar escravizar por ímpetos e hormônios, por uma potência tão baixa da alma que a figura animal que eu vejo não é senão reflexo da fera que há dentro de mim, que adormece apenas por alguns dias, para novamente tornar a sair de sua toca, do fundo de seu buraco, procurando a quem devorar. Vários dias adormecido, entorpecido, em meio a névoa matutina, apenas convivendo com meu fracasso habitual e contínua raiva reprimida, mas de tempos em tempos as correntes se rompem e ele sai, sem se importar com quem vai machucar, ainda que no fim de tudo seja sempre eu o mais ferido por ficar sozinho, sendo ainda pior por saber que eu mesmo provoquei isso. 

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