quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Teto não familiar

No auge de todo cansaço físico possível. Dias de mudança exigem um forte espírito, bem como um corpo saudável, para enfrentar a maratona que só termina depois de alguns dias. É preciso desmontar, encaixotar e depois transportar, montar tudo e guardar de novo. É demais. 

Se considerarmos, principalmente, que aqui em casa somos 7 pessoas, a quantidade de coisas que temos é inacreditável. Ainda hoje a entrada está quase inacessível de móveis ainda atravancados, sem conseguirmos dar a eles um lugar certo antes de ajeitar tudo aqui dentro. Estamos então andando entre caixas e sacolas mil, entre coisas que já estão no lugar e outras ainda sem destino certo. 

Acordei hoje com o corpo todo dolorido, sem conseguir sequer andar direito. Estranhei o quarto, a posição em que dormi, mesmo a cama e as músicas sendo as mesmas. Juntei alguma disposição de um ponto ainda desconhecido da minha alma e desfiz algo entre 10 e 12 caixas. Depois passei o dia entre a casa antiga e a nova, em várias viagens carregando o resto das coisas. Temo agora que parei, pelo cansaço que vai chegar de uma vez. 

Mas mudança ainda é inevitavelmente um tempo de reflexão. Não há como evitar as nuances e a ironia intrínseca da existência, observar o que foi vivido ali naquela casa, dois anos de mudanças intensas, de extremos de alegria e tristeza. Ainda me lembro daquela noite horrível, em que tivemos uma conversa definitiva e coloquei um fim ao sofrimento de tanto tempo. Ainda me lembro da cozinha animada e das tardes alegres, pouco a pouco diminuírem, e lentamente voltarem a se encherem de alegria. Não sei bem o que vem agora, mas nossa, quanta coisa eu vivi lá. 

Claro, não é por isso que eu estou com saudades, de forma alguma, sempre detestei aquela casa, e com certeza não gosto dessa também, ainda é muito longe daquilo que eu chamo de casa e que poderia chamar de lar, mas, é um sinal de que as coisas continuam em permanente mudança, se não é interna, algo que preciso findar ou começar dentro de mim ou que seja algo externo, completamente alheio às minhas forças. 

A pior parte, talvez, seja uma pessoa com uma baita crise depressiva, que há dias sequer tomava uma banho decente, ter de se movimentar a todo custo. Em vários momentos eu senti o meu corpo se movendo sozinho, sem que eu realmente prestasse atenção ao que estava fazendo, não por automatismo, mas por simples torpor que não pôde ser quebrado nem mesmo com a movimentação física. Uma mente distorcida não pode ser colocada nos eixos somente com o corpo em ação, aprendi isso com uma lição gravada a fogo no meu corpo, e a dor que eu sinto é prova disso, meu olhar e meu semblante em nada se alteraram, e tudo o que consegui foi uma imensa infelicidade ao constatar a quantidade de coisas inúteis que temos, um sinal da inumerável quantidade de coisas simplórias e desprezíveis da minha vida. 

Continuo observando o mundo através de uma lente cinza, com o soturno olhar de descrença e uma desesperança habitando meu coração.

"Não sei quanto às outras pessoas, mas quando me abaixo para colocar os sapatos de manhã, penso, Deus Todo-Poderoso, o que mais agora?" (Charles Bukowski)

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