segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

A Despedida

Das Lied von der Erde 
Gustav Mahler

6. Der Abschied

A Despedida

O sol desaparece por trás das montanhas.
Em todos os vales desce o anoitecer
com as suas sombras plenas de frescura.
Oh, vede! Como um barco de prata a pairar,
a lua eleva-se no mar azul do céu.
Sinto o sopro de uma brisa delicada
atrás dos pinheiros sombrios!

O ribeiro canta harmoniosamente na escuridão.
As flores empalidecem no crepúsculo.
A terra respira do fundo do sono e do silêncio,
todo o desejo se transforma agora em sonho.
Os homens cansados voltam para casa,
para no sono reaprenderem
a felicidade esquecida e a juventude!
Os pássaros acocoram-se em silêncio nos seus ramos.
O mundo adormece!

Há um sopro fresco na sombra dos meus pinheiros.
Eu estou aqui e espero o meu amigo;
eu espero o seu último adeus.
Eu anseio, ó meu amigo, desfrutar ao teu lado
da beleza deste anoitecer.
Onde ficaste? Deixas-me muito tempo sozinho!
Vagueio, para cá e para lá, com o meu alaúde,
por caminhos de erva macia e entumecida.
Ó beleza! Ó mundo ébrio de amor e vida eternos!

Ele desceu do cavalo
e estendeu-lhe a bebida da despedida.
Ele perguntou-lhe para onde ele iria
e por que razão teria que ser assim.
Ele disse, a sua voz estava velada:
“Ó meu amigo,
a felicidade não foi amável para mim neste mundo!

Para onde vou? Eu vou, eu vagueio nas montanhas.
Eu procuro repouso para o meu solitário coração.
Eu caminho para a minha terra, o meu lugar.
Eu nunca mais vaguearei na distância.
O meu coração está tranquilo e aguarda a sua hora!”

Em toda a parte a amada terra
floresce na Primavera e torna a verdejar!
Em toda a parte, eternamente, resplandece
o azul no horizonte!

Eternamente...    eternamente...

(Tradução: Ofélia Ribeiro)

O dia despede-se lentamente. O Sol que imperiosamente reinou absoluto recolhe-se cansado. Cansado também se encontra o homem, que já não quer mais lutar, que já não quer mais andar, que já não quer mais viver...

Numa lonjura ele ainda observa uma figura que anda, quase indistinta a escuridão que se aproxima. Uma silhueta de homem, que quase se perde em meio as folhas das árvores a beira da estrada. Um homem que se vai, se olhar para trás.

Ele chora? 

O abraço de despedida ainda parece vivo no corpo do que ficou. O calor do último toque. Algo engasgado no peito. As mãos e pernas já não tremem mais. A despedida é mais fácil do que a dor de seu anúncio. O prenúncio da despedida é mais dolorido do que a partida. Observar seu amado ir para longe é algo que ele sempre temeu, e agora se cumpriu.

Ele chora. 

Na estrada aquela figura desaparece, e com ela as últimas chamas do sol se escondem de uma vez por todas atrás do veludo azul que cobriu o mundo. 

Uma marcha fúnebre é cantada pelos pássaros, eles percebem a infelicidade do coração do homem. Tudo se encontra em harmonia, tudo está conectado. A primavera sabe que suas cores não são suficientes para trazer o amor de volta a vida. Uma vez morto, não há ressurreição. 

A brisa sopra fria. 

Leva algumas folhas para lá, será que ela também poderia me levar? O que me aconteceria se fosse com a brisa, a flutuar? O Sol já quase não se vê, e a lua lentamente começa a brilhar, com sua chuva de prata, lá em cima.

Aqui, atrás da escuridão de um longo pinheiro também há prata, escorrendo pela mão. A loucura que dominou o coração. Ele se recosta ali mesmo, a espera de alguém, ou de alguma coisa. A visão do amigo é uma ilusão, ele não fala com outro senão que consigo mesmo, na penumbra de um bosque, próximo a cidade que está prestes a abandonar. O amigo imaginário é um confidente, lhe abre o coração e conta-lhe as coisas profundas da alma. O amigo imaginário lhe desperta sentimentos, lembranças, e a nostalgia o abraça confortavelmente, inebriando-o de morte. Ele então se desvencilha, e volta pro seu caminho. Anda em direção oposta, para o outro lado do mundo. 

Seus caminhos vão voltar a se cruzar?

Um sentimento toma conta do seu ser. A desesperança é a única coisa a lhe preencher. A prata que saíra dele fora a última gota de sua antiga virilidade. Agora não passa de uma criatura, a vagar sem rumo, em busco de algum sentido.

Todos tem um lugar para onde retornar, até os pássaros que cantavam se recolheram em suas tocas, mas ele não. Ele não tem um lugar para retornar pois em nenhum lugar há alguém a lhe esperar. E por isso ele anda.

Anda por vales e montanhas, se recosta embaixo de árvores e açucenas, e se refresca com o leque de dos pinheiros e dos abetos. A beleza das coisas até que é capaz de fazê-lo perder-se. Mas já nem se recorda dos motivos que o fez partir de lá. Apenas sabe que não há na terra lugar para ficar, e por isso ele anda, para lá, para cá, atrás de alguma coisa... Talvez ele ande apenas para esperar o tempo passar, talvez ele ande querendo algo encontrar, talvez ele nem saiba que continua andando. 

Em toda sua viagem, viu formas e figuras, cores e alvuras, ouviu cantos e silêncios, tropeçou, se machucou, se afundou, correu, percorreu, alçou, alcançou e até mesmo uivou, mas não encontrou, sabe-se lá o que estava procurando...

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