quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Da Noite

É bela a forma como a noite começa lentamente, o azul delicado do céu sendo tingido de laranja e depois de um rosa delicado, até escurecer aos poucos num azul aveludado, que vem acompanhado de uma delicada brisa fria e salpicado de pontinhos luminosos. 

A noite que surge delicada impera gloriosamente, no entanto, sobre todos os seres. Não há como fugir da escuridão, não há como escapar das sombras que há tudo recobrem. O escuro pode abrigar muitos perigos, e por abrigar o desconhecido por excelência é temido e reverenciado por todos. 

Na noite se entregam os amantes, na noite animais se recolhem e outros vivem vigorosamente, na noite se vencem e se perdem guerras. Na noite trabalhadores descansam, na noite apostadores ganham e perdem suas vidas. Na noite as mulheres são usadas e os homens gozam seus prazeres. E a noite tudo abarca. Na noite os enamorados choram a sua solidão, e enquanto olham a lua, solitária no céu escuro, se recordam do amado que partiu para longe de seus braços. 

Na noite escura os ladrões agem silenciosamente, percorrendo ruas e arrombando casas e cofres sem fazer o mínimo de barulho, ouvindo apenas sua respiração acelerada e contida ao extremo.

As paisagens se recobrem de uma aparente imobilidade. Os animais que antes davam a elas a vivacidade do dia agora dormem recolhidos dentro de suas tocas, debaixo de suas arvores. Um silêncio absoluto recobre o mundo e, no entanto, muito ainda pode ser ouvido. É como se a própria noite cantasse aos seus filhos, todos aqueles que ainda estão acordados ouvem, de uma forma ou outra, a sua canção.

Exércitos travam batalhas. Homens morrem, homens salvam e tiram vidas, homens voltam a respirar e dão seus últimos suspiros. Gemidos são ouvidos de janelas onde luzes fracas ainda brilham. Sonos e sonhos. Sorrisos, descansos. Suores, respiros inefáveis, clamores, pedidos. Tudo é abarcado pela noite, desde o homem que trava a batalha até o amante que se entrega aos prazeres. 

A atmosfera é tão mutável. A noite é, in principio, silenciosa, calma, taciturna, lacônica, melancólica. Mas a noite também é, mutatis mutandis, onde se matam inimigos de estado, onde se travam ferozes batalhas na cama, onde se curam feridas abertas, onde se dançam em bailes. 

O que é a noite, senão que aquilo que fazemos dela? O que é a noite, senão que o silêncio do mundo esperando que o preenchamos de cor, de amor? 

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