sábado, 12 de janeiro de 2019

O Bêbado na Primavera

Das Lied von der Erde 
Gustav Mahler

5. Der Trunkene im Frühling

O Bêbado na Primavera

Se a vida não passa de um sonho,
porquê, então, a fadiga e o tormento?
Eu bebo até não poder mais,
todo o santo dia!

E quando não posso beber mais,
porque garganta e alma estão cheios,
então cambaleio até à minha porta
e durmo maravilhosamente!

Que ouço eu quando acordo? Escuta!
Um pássaro canta na árvore.
Pergunto-lhe se a Primavera já chegou,
para mim é como um sonho.

O pássaro chilreia: “Sim!
A Primavera chegou, veio durante a noite!”
Em profunda contemplação, eu escuto,
o pássaro que canta e ri!

Encho de novo o meu copo
e esvazio-o até ao fundo
e canto, até a lua brilhar
no negro firmamento!

E quando não posso mais cantar,
então durmo de novo.
Que me importa a Primavera?
Deixai-me com a minha embriaguez!

(Tradução: Ofélia Ribeiro)

Ah meu amigo, não queira me dar definições de acordo com seu cientificismo soberbo. Tu te perdes em tuas verdades científicas e eu me perco em meus amores. Ambos nos matamos, cada um a sua maneira. 

Caminho despreocupadamente, esperando não do mundo a realização, ou as respostas para as muitas perguntas que me cercam. Não. Ando pelo mundo esperando dele que apenas não me incomode. Não me venha com seus conceitos, e nem com suas demonstrações. Eu falo de amores, vivo de decepções.

E por isso mesmo eu bebo, e contribuo ao mundo com minha embriaguez. De nada me importam os pássaros a cantar, as flores a pintar as paisagens, se no final o amor que elas dizem simbolizar vai morrer, ou pior, me matar. 

De que valem todas as cores, todas as alegrias, todos os amores, se quando trata-se deste pobre homem tudo isto lhe é negado? Por isso bebo, ao menos assim o prazer se encontra ao alcance do próximo copo, e não a distância de uma outra vida. Tudo não passa de um tormento, os homens apenas sorriem pois estão inconscientes de suas desgraças.

Quando não se tem a flor que se deseja, todo o jardim perde a sua cor. E por isso mesmo a primavera não tem senão outro significado do que um monte de flor, que vive por aí espalhando seu perfume e esplendor, mas nenhuma delas é a minha flor.

Ah meu amigo não me venha com repreensões. Deixe-me perder em meio as minhas pobres convicções. Eu ando por aí, como um vendaval sem rumo, como um não sei quê sem prumo. Encosto minha cabeça onde estiver mais próximo, busco esquecer meu amor ao menos até o próximo raiar do dia. E que me importa o que tem o mundo a me oferecer? 

Não pode me dar o que desejo. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário