sábado, 11 de agosto de 2018

Cristalina Fonte

Trago hoje um de meus poemas favoritos, de um de meus poetas favoritos. Fonte de inspiração sempre profunda e apaixonada. São João da Cruz era um eterno enamorado, como eu, mas infinitamente superior. Seu amado era Cristo!

De toda forma, ele se deixou mudar pelo amado, e os encontros entre sua alma e Cristo deixaram nele impressões tão poderosas, tão profundas, que ele as expressou em palavras repletas de seu amor. 

Assim como quase tudo que ele escreveu, ele fala dessa relação da alma com o Amado. A alma anseia, espera e suspira, ferida de amor, ao passo que o Amado dela se afasta para que ela melhor conheça seu amor, e uma vez provada e purificada, a alma se reencontra com o Amado.

O caminho percorrido pela alma é sempre espinhoso, dolorido. Por isso ele fala da ferida de amor, da noite escura, que torna a alma consciente de sua posição, e a faz desejar sempre mais e mais aquele que a feriu. Quando então o Amado percebe que sua Amada o ama perfeitamente, novamente dela se aproxima para que juntos partilhem seu amor.

Os lamentos da alma são sempre como suspiros de amor. Dolorosos sim, é verdade, mas repletos de desejo, que aqui toma um significado todo particular. O desejo que a alma sente pelo Amado é o de sua presença. A alma anseia pela presença de Deus, pois uma vez tocada por Ele, ela sabe que nada mais na terra pode lhe fazer feliz, e por isso rejeita tudo que seja prazeroso, mas que não é Deus, como os mensageiros, que embora tragam boas noticias, não trazem o Amado.

Nos olhos da alma refletem o amor pelo Amado. Nos olhos da alma o Amado é a luz que ela deseja ver. Mas contemplando a criação, com esses mesmos olhos, ela não pode fazer mais do que suspirar enquanto ama, e vê nas criaturas uma forma imperfeita do criador, desejando que fossem a perfeição. E então ela anseia pelo céu, que é onde habita o amado, e sob a metáfora do voar, ela deseja a mais alta união de amor que pode existir...

Quem poderá curar-me?!
Acaba de entregar-te já deveras;
Não queiras enviar-me
Mais mensageiro algum,
Pois não sabem dizer-me o que desejo.

Mas como perseveras,
Ó vida, não vivendo onde já vives?
Se fazem com que morras
As flechas que recebes
Daquilo que do Amado em ti concebes?

Por que, pois, hás chagado
Este meu coração, o não saraste?
E, já que mo hás roubado,
Por que assim o deixaste
E não tomas o roubo que roubaste?

Extingue os meus anseios,
Porque ninguém os pode desfazer;
E vejam-te meus olhos,
Pois deles és a luz,
E para ti somente os quero ter.

Mostra tua presença!
Mate-me a tua vista e formosura;
Olha que esta doença
De amor jamais se cura,
A não ser com a presença e com a figura.

Ó Cristalina fonte,
Se nesses teus semblantes prateados
Formasses de repente
Os olhos desejados
Que tenho nas entranhas esboçados!

Aparta-os, meu Amado,
Que eu alço o vôo.

São João da Cruz

Um comentário:

  1. Belíssimo poema. Belíssima reflexão. Nesta terra de missão onde estou, é um bálsamo, este poema de amor à Nosso Senhor.
    Brasileira na Guiné Bissau na África!
    Apaixonada por São João da Cruz!!!

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