sábado, 2 de julho de 2022

Das minhas preces

Quantas vezes eu começo uma prece cantando "Eu queria só te dizer que me fizesse entender o que é a vida?" E esse início da música da Ir. Kelly baseada num texto de Santa Terezinha me faz colocar os meus anseios mais profundos, me coloca de frente com as minhas dúvidas e as entrega a quem pode respondê-las. E às vezes eu me sinto infiel ao meu próprio propósito de esperar que Ele mesmo esclareça tudo, com a mínima participação da minha vontade de buscar também aqui algo que me aproxime mais da Verdade. Mas em verdade é Ele quem me ensina, pelos meios que melhor que aprouverem. Então eu retorno o pensamento a me resignar e conviver com o estado de dúvida, que não é um estado inferior, mas é um estado de quem caminha, degrau por degrau, até conseguir ver as coisas com um pouco mais de amplitude. 

E por isso eu continuo a prece e a canção pedindo que, apesar de saber que viver é amar e amar é sofrer e se doar, que eu seja feito todo amor, e assim possa esperar pacientemente, com amor. Mas eu não queria que isso tivesse uma conotação sentimentalista, fechada, mas que quando eu falo em amor eu estou falando de algo grande, de entrega real, de doação real, aquela que os grandes santos fizeram, como São Francisco ao abraçar o leproso ou a ser firme no cumprimento dos conselhos evangélicos de sua ordem, ou na resignação e humildade de Santa Catarina ao cuidar da mulher que a difamara a vida inteira e em seu leito de morte não tinha ninguém que aliviasse seu sofrimento. É desse amor que eu estou falando, um amor que é reflexo do amor da Cruz, imitação daquele amor. Não é esse sentimento composto por frases bonitas na internet e engajamento em lutas sociais de cunho revolucionário, não, estou falando de amor real, de pessoas reais em situações reais onde o amor se manifesta verdadeiramente. 

É só assim que eu continuo a prece com outra música, dizendo "Eu vou cantar ao sair desse mundo: eu morro de amor." Isso porque, embora minha realidade humana seja débil eu sei que só esse amor que pode me levar a morte, a entrega total, é o que é de verdadeiramente objetivo. 

É também que meu espírito, sem que eu tenha que pensar muito, normalmente se expressa usando outra música dizendo "meu ardente coração quer dar-se sem cessar, ele precisa demonstrar sua ternura" e isso revela, em palavras poéticas, a força do sentimento de solidão que eu experimento diariamente, como que deixado sozinho numa eterna noite escura e então, ao perceber que essa solidão, mesmo quando se expressando no sentido mais apropriadamente humano e, portanto, baixo e apaixonado, eu termino com a mesma composição "nada pode me encantar na terra, a verdadeira felicidade não se encontra aqui." Porque eu sei bem que o que pode preencher o imenso vazio que dentro do meu peito me consome, eu sei que isso não pode ser preenchido aqui. 

Ainda ontem à noite, insone, falava com uma amiga sobre isso, sobre a sensação de estar sempre em busca de algo que eu não sei bem o que é mas que ainda assim eu sempre estou distante, constantemente com a sensação de que não posso alcançar. E essa é uma experiência comum a todas as pessoas, é o peso da vida, a hostilidade da realidade brutal, que clarifica a completa indiferença do universo a cada um de nós. Mas também é uma experiência que ao contrário dos gnósticos, e aqui cessam as semelhanças com eles, abre ao Divino e Transcendente. É saber que o que pode preencher não é uma pessoa ou uma conquista humana, é saber que esse sentimento humano só pode ser vencido por algo sobrenatural, que a tudo transcende e abarca, ao retorno que é belo, bom, justo e verdadeiro. 

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