segunda-feira, 11 de julho de 2022

Do cinza ao estrelado

Um jovem rapaz anda pelos corredores da universidade carregando livros que ele lê mas não entende, conversa com seus colegas que estão sempre procurando uma razão para saírem e beber, ele acha graça mas quase nunca vai, não gosta da sensação de não conseguir entender o que eles dizem. E todos sempre conversam rápido demais, falando alto demais, e nunca chegam a lugar nenhum... 

Ele anda com os pensamentos dispersos, não vê interesses amorosos em ninguém, ao contrário dos seus amigos que trocam de parceiras toda semana. Ele vê as pessoas com profundo desinteresse, não consegue imaginar uma razão para se aproximar de ninguém. No fundo ele não acredita no amor, e nem sabe se realmente chegou a acreditar um dia. Ele não é exatamente frio, mas é distante com todos, como se o tempo todo estivesse olhando para uma paisagem distante, mas nem ele mesmo sabe dizer o que vê por aquelas lentes cinzas. 

Um dia estava sentado numa das muitas áreas comuns daquele campus, os amigos como de costume falavam alto e um deles estava de pé no que parecia ser a imitação de um professor rígido de uma das matérias mais difíceis daquele semestre. O jovem sem brilho, no entanto, não prestava atenção nele, tampouco nas palavras do livro que estava aberto a sua frente, as letras flutuavam para fora das páginas e dançavam ao seu redor como se fossem levadas por algum tipo de marcha, mas não havia música, ele estava apenas terrivelmente distraído. 

Naquele mesmo momento, no estacionamento, um outro jovem chegava, transferido de uma faculdade do outro lado do país, ainda perdido com o caminho que precisara tomar para chegar ali, tendo se perdido uma ou duas vezes antes de finalmente conseguir achar o prédio certo onde devia parar. Estivera ali para entregar seus documentos alguns dias antes mas aquele dia fora tão confuso quanto, e ele não conseguiu memorizar nada, teria que contar com a ajuda de alguém ou chegar bem mais cedo a todas as aulas para conseguir achar o lugar certo de todas elas. Pegou a mochila e o celular, guardou a chave no bolso e foi em direção ao prédio. 

A estrutura era até bonita, não tinha aquele ar estúpido do concretismo brutalista de sua última faculdade, o prédio era horizontalmente grande e cheio de colunas que lembravam um pouco os templos gregos e romanos. A disposição do jardim antes do prédio dava a impressão de que aquele templo se erguera naturalmente ali por entre a relva, mas ele teve pouco tempo de prestar atenção nisso. 

Chegou a um lugar onde muitos alunos se reuniam, alguns com as cabeças baixas sobre livros fazendo anotações ou marcações e outros simplesmente conversavam sem muita preocupação. Identificando a entrada principal ele apressou o passo, sentiu o rosto corar por algum motivo (talvez a exposição a tantos alunos, mesmo que ninguém parecesse ter notado sua presença) e abaixou o rosto por alguns segundos antes de fitar a entrada novamente. Mas, ao erguer a cabeça ele sem querer esbarrou com força num rapaz que passava de lado. O recém chegado era bem maior que o outro, que sentiu o impacto e ia em direção ao chão caso o maior não o tivesse segurado seu braço.

E então o garoto que estava perdido em pensamentos, com as palavras dançando ao seu redor, que tinha finalmente decidido que não ia conseguir participar daquela conversa e achara melhor ir direto pra sala, olhou nos olhos de um garoto que ele nunca vira ali. Era um novato? É possível, a essa altura do semestre todos se conheciam, ao menos pela aparência. Aquele garoto tinha uma pele bronzeada, o peito largo e braços fortes, o cabelo era curto e o seu olhar era assustado. O outro, no entanto, viu uma figura completamente diferente. Um rapaz magro, bochechas e lábios rosados, um cabelo escuro caindo leve na testa e um olhar que, rapidamente, passou de um cinza frio para um preto intenso, como um céu estrelado, uma mudança quase imperceptível para todos que estavam ali, mas aqueles dois notaram e, quando seguiram seus caminhos, virando o olhar alguns instantes depois, sentiram isso ao perceber que os corações de ambos batiam mais rápido. 

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