sábado, 1 de janeiro de 2022

O Amanhã

Foi com frieza no olhar que eu virei pra minha mãe e disse que já me via no fim da vida, sem nenhuma perspectiva de futuro. E eu disse isso porque é verdade, eu não tenho nenhuma perspectiva, e isso é algo forte pra se dizer no início do ano porque é quando as pessoas estão cheias de novos propósitos, de novas perspectivas de futuro, mas não pra mim, eu só vejo névoa a minha frente, e sinto que qualquer passo que dê eu vou cair no abismo. Não tenho perspectiva, não tenho abrigo, não tenho esperança, não tenho futuro. Só escuridão. Um oceano vastíssimo que se abre diante de mim, e eu a boiar numa única bolha de claridade, tudo o mais sendo do mais escuro breu. E isso é tudo o que vejo no meu futuro. O que um dia foi uma perspectiva de brilhantismo se tornou opaco. E tudo retorna ao nada. E o nada é tudo quanto há. 

É que olhar pra frente pra mim não é nada mais do que isso. Eu não consigo fazer planos como os outros, não consigo criar metas, pensar no que posso querer, no que devo fazer, eu só consigo pensar do que não quero e eu sei que não quero essa vida, apenas isso, viver me custa muito, e por isso eu digo não ter perspectiva senão o nada a minha frente. É com cético pessimismo que eu encaro todas as possibilidades. Queria muito ter aquele otimismo no sorriso e desejar que as coisas melhorem nesse ano, mas não acho que esse vá ser o caso. Será que com isso eu estou atraindo mais coisas ruins? Se for assim, quando eu era um otimista apaixonado, o que trouxe as malfadadas experiências que me deixaram assim? Não acredito que o universo devolva nada, ele é absolutamente indiferente a todos nós, e mesmo assim a existência é uma droga.

O que o amanhã reserva? Incômodos encontros, uma saída dolorosa da cama, horas intermináveis acordado, esperando ansioso a hora de ir dormir de novo, é só isso que o amanhã reserva. 

Talvez todo meu pessimismo quanto ao amanhã seja porque eu não estou preocupado realmente com ele, mas com o que está para além do amanhã, eu penso no depois, e então me estremeço, e sinto minha alma se remexer, inquieta, como dizia S. João da Cruz, "de amor em vivas ânsias inflamada", é assim que me sinto inflamar, enquanto o aqui e agora não me é mais do que oportunidades de quedas e de chafurdar no lamaçal malcheiroso do pecado. Não, o que eu quero viver não é o amanhã, mas o que vem depois dele. 

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