segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Pária

As palavras que estavam aqui, na ponta dos dedos, de repente se esvaem, evaporam e delas não sobra nenhum resquício sequer, e me pareciam palavras importantes a serem ditas, mas se foram, e talvez nunca mais retornem. 

Hoje é mais um daqueles dias que eu não estou disposto a viver em toda sua extensão, de novo me volto ao recurso da fuga, e está tudo bem sabe, eu estou num processo, pouco a pouco indo em frente, e as minhas poucas vitórias merecem ser comemoradas. O trabalho que consegui entregar a tempo, os currículos que entreguei, os dias mais disposto, o livro que consegui terminar, tudo isso são pequenas vitórias muito importantes para mim. 

E por isso acho que esse dia não fará falta, é apenas uma tarde que eu perco. Pra recuperar minha disposição. 

Mas não eram essas as palavras que eu buscava, infelizmente. Estas se perderam. Pena, eram palavras bonitas. Se perderam como aquela amizade que hoje não passa de um conhecido na multidão, se perderam como as pessoas em que confiei meu lado mais vulnerável e viram em mim o vilão da história. 

Sinto, no entanto, que eu não devo me culpar por precisar desse tempo pra mim, pra me recarregar, eu sou mais fraco que os outros, e já aceitei isso. Tento me culpar cada vez menos, entender que preciso disso, de fugir e me esconder até criar coragem novamente. E tudo bem. 

Mas é realmente uma pena, não eram essas as palavras que eu tinha em mente.

X

Minha mãe implorou que eu me levantasse, há varias horas eu dormia e ela se desesperava. Ela pedia que eu reagisse mas não havia nenhuma energia em mim pra isso, e ela não conseguia entender. Ninguém entende na verdade, que é melhor ficar sozinho deitado do que encarar esse mundo feio. Mas ninguém entende, e eu nem tenho forças pra reagir. Eu não tenho forças pra nada além de me virar pro outro lado da cama. E algumas vezes nem isso. 

X

Como expressar em palavras infelicidade que sinto ao me olhar no espelho? Como exprimir a sensação de absoluta impotência frente aos desafios que eu preciso enfrentar? Como dizer que quanto mais eu busco mais distante me sinto? Como dizer que não consigo ver um futuro pra mim? Na realidade as perspectivas de futuro que vejo são todas pavorosas, para todo o mundo, mas eu não estou lá, é como se fosse morrer amanhã. Vejo o mundo através de lentes mas é como se eu não fizesse parte dele. 

E enquanto isso eu sinto que desperdiço meu tempo dormindo, lendo sem entender ou muitas vezes nem lendo o mínimo que deveria, não buscando a virtude como deveria. Eu sou um pária sonhando em ser um intelectual. Um viciado em remédios pra dormir que tenta ser alguma coisa entre um apagão e outro, uma existência patética na verdade. 

Há um abismo entre o que sou e o que eu gostaria de ter sido, lá no fundo da minha alma. É lamentável. Me falta acreditar em mim mesmo, me falta forças pra lutar.  E eu vejo as pessoas ao meu redor, indo para onde querem ir, e eu não consigo sair daqui, não consigo nem sequer dormir quando quero. É em dias assim que eu tenho contato com toda a minha miséria, dias em que eu gostaria de desaparecer. 

Mas amanhã tem outro dia, outro dia terrível. Outro dia em que vou me olhar no espelho e querer chorar. 

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