terça-feira, 4 de janeiro de 2022

A verdade desse mundo

Não consegui dormir ontem, mesmo depois de altas doses de remédios calmantes, graças aos cumprimentos barulhentos da minha família que parece encontrar prazer nos sons altos e irritantes. Além de me deixar com uma tremenda dor de cabeça eu fiquei irritadiço, e desde ontem me sinto nervoso com tudo, prestes a explodir ao menor olhar. 

Odeio me sentir assim, e sei que a cada dia me torno mais dependente desse sono que os remédios produzem, cada vez mais dependente dessa modalidade de fuga da realidade, cada vez mais desprezando o mundo ao meu redor e todo o barulho que o cerca. 

E parece-me, em dias como esse, que tudo se constitui de barulho, a beleza anuviada por um véu de confusão, o mundo repleto de caos encobrindo aquele fundo de ordem que há por trás de todas as coisas mas que não se revela de modo algum ao homem senão em ínfimos sinais, que só podem ser percebidos por quem se esforça para enxergar para além da cortina de ferro que recobre a realidade. 

Somos condenados a essa visão desgraçada do mundo, um mundo desperto e revolto, impetuoso em seus rugidos demoníacos que nos estremecem até o tutano. 

Só queria poder ignorar a realidade, que mesmo na noite escura se revela diante de meus olhos com frieza sem igual. Eu não queria ver nada disso, mas ela ainda se mostra a mim. Eu só queria adormecer, tranquilamente e sem preocupações, no jardim secreto do meu coração e sentir a brisa amena em meus cabelos, por entre as açucenas olvidado, sem perturbações na superfície do límpido lago que ali se encontra. 

Mas parece-me, cada dia mais, que o mundo busca apenas a minha completa loucura. E trabalha avidamente para isso em cada um de seus sons aterrorizantemente altos e assustadores. O demônio insiste em me enlouquecer com barulhos e distrações ensurdecedoras. E eu só queria paz, mas parece que não há paz nessa terra, apenas o desgosto que se renova diariamente em cada pequena manifestação do caos. É uma realidade maldita que não existe por outra razão a não ser nos levar a essa mesma loucura. 

Como um martelar demoníaco ela golpeia impiedosa e repetidamente, destruindo tudo um que um dia pretendeu ser um edifício de razão. E resta apenas a loucura, quente e animada, como um carnaval nas ruas do inferno, onde o próprio capeta dança alegremente guiado a turba ruidosa por entre os círculos mais profundos da Judeca, às margens do Cócito. 

E amanhã tudo se repetirá sendo Hipnos o único a poder lançar algum raio de esperança nessa terra condenada. 

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