quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Tarde


Essa tarde não será vivida
passarei nos braços do deus do sono
cujo amplexo é o de meu amado

A noite quem sabe despertarei
para de Nix ver o reinar
mas outra vez a Hipnos hei de abraçar

Quem ousaria me dizer o contrário
que essa vida vale a pena ser vivida
se das minhas dores só as sinto eu
e só eu sei o que vi da vida?

Ébrio de sono eu torno a minha alcova
lânguido e escuro, e sobre o cair da tarde
meus lábios murmurarão em sussurro:
Essa tarde não merece a vida.

Até outro dia quem sabe
em que obrigado a ser desperto eu seja
e obrigado a enfrentar a vida 
eu peleje contra a morte

Sendo que da morte eu vejo o manto
já há muito me cobrindo a face
mas deixando de fora minhas mãos
e é por isso que ainda não adormeci de uma vez por todas

Compassos e ligaduras me fazem companhia
sopranos e contraltos cantam a minha poesia
e eu adormeço lentamente
nos braços de toda essa sinfonia

Do zolpidem a sugestão
o abraço apertado das gotas de rivotril
ao leque refrescado da ciclobenzaprina
ao sono leve da dexcloferniramina

Meus companheiros vão comigo,
para a terra distante, onde sonharei com o Eros
e o deus primordial me ensinará os segredos
do amor que constituiu o mundo e a mim

De todo esse mundo me despeço
e a música é a minha última companhia
que da minha quimera assiste o enterro 
sem outra luz nem guia.

O melhor a se fazer é ir me deitar
antes que do coração o ímpeto incontido 
se manifeste a declarar

Antes amarrar-me a dopada candura
que mais humilhação buscar

De todo esse mundo me despeço
e a música é a minha última companhia
ao jardim fechado me conduzindo
e ao peito florido do amado me deitando.

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