sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Isso é tudo

É meio difícil chegar ao último dia do ano e não parar pra fazer um balanço geral dos meses que se passaram, o que significou a mudança das estações, o que reservou a sucessão dos acontecimentos na minha vida. 

Foi, sem sombra de dúvidas, um ano dificílimo: desemprego, crises sucessivas de depressão e pânico que me deixaram prostrado sob o peso dos meus próprios pecados, amigos que me deixaram, amizades que eu decidi encerrar, crise familiar, e tudo isso somado a crise mundial que, de um modo ou de outro impacta em mim, seja na compreensão pessimista do quadro geral ou na íntima constatação de que o universo parece cada vez mais hostil. 

E é partindo dessa expressão que eu começo, a de que o universo soou nesses últimos meses como um ser de hostilidade ímpar, decidido a me destruir. Mesmo eu sabendo que o universo é completamente indiferente a mim, essa foi uma experiência que eu não posso negar que senti a todo momento.

As dificuldades foram tantas que eu tive até mesmo de me afastar da igreja, mais precisamente da pastoral, por não conseguir mais conciliar as minhas obrigações com as minhas crises pessoais. Foi uma decisão dura, mas foi necessária e eu pude sentir uma leve melhora. Agora, eu me sinto menos pressionado do que quando era responsável por todas as celebrações da igreja sozinho. 

Foi o ano que eu me vi completamente dependente de remédios pra tudo, seja os que o psiquiatra passou pra me ajudar a me reerguer ou aqueles que eu uso pra fugir da realidade, sem medo de assumir que é isso que eu faço.

Sempre que tomo remédio para dormir, pouco antes do efeito sonífero começar, eu sou tomado por uma súbita onda de energia, e muitas vezes acabo até fazendo ou falando alguma bobagem no calor do momento, mas eu gosto de me sentir assim. É como se eu finalmente acordasse brevemente, antes de cair no sono profundo e desejado. É um breve piscar de uma chama, logo desaparece num oceano de enevoado dormir, é meu prêmio tão esperado, meu momento, minha supernova. É pra esse momento, e apenas para ele, que eu existo. Para me entregar ao deleitoso não ser, para não sentir, não sonhar, apenas isso, um momento de negação de tudo aquilo que poderia ser, um momento de revigorar o que foi cansado pelos dias, de adormecer lentamente enquanto a música toca ao fundo, como um hino aos mortos, cantado em meu próprio leito ao lado de carpideiras. É uma imagem incerta, admito, mas é uma imagem que me agrada. Eu me assumi um covarde que aprendeu a fugir de tudo e de todos. 

Mas e as coisas boas? Não posso dizer que no meio desse turbilhão de crises emocionais não houve nada de bom. Houveram momentos sim em que eu tive esperança, em que eu me senti bem, em que eu me senti vivo. A quase totalidade deles foi enquanto acompanhava as histórias de amor que, nesse ano, foram as minhas companhias mais fiéis, estando comigo quando eu não queria ou não podia estar com mais ninguém. Quando não estava com elas estava em companhia da solidão, mesmo em meio a multidão. Foram essas histórias as responsáveis por manter acesa a pequenina chama que ainda há dentro de mim, e cada cena, cada personagem, cada beijo ou toque carinhoso, foram pouco a pouco me devolvendo a alegria que me foi roubada. A música não parou de tocar, nem por um momento sequer, e preencheu o vazio que havia em meu coração, abafando os gritos da minha alma inquieta. 

Quantas dúvidas eu tive em meu coração. Não sabia quem sou e nem os motivos de ser, a existência ainda me parece um mistério muito maior do que a minha consciência é capaz de abarcar, e em todos os dias elas me encheram de incertezas, incerteza sobre o amanhã, sobre o que eu posso ser, sobre o que eu devo fazer. Dúvidas que ainda deixam a minha mente sem controle, desesperada, tomada pelo pavor, todas as noites. 

Não estou completamente só, como muitas vezes dei a entender, mas a cada ano o número dos meus amigos se reduz pela metade, e eu sou grato aos que ficaram, preferindo esquecer e ressignificar os que se foram. Tenho hoje, mais do que nunca, a consciência de que somos mundos diferentes que nunca vão se encontrar, não havendo Instrumentalidade capaz de desfazer as barreiras que nos separam uns dos outros. 

Não tenho perspectivas de futuro, isso morreu em mim há muito tempo, e vou vivendo apenas um dia de cada vez, sem esperar nada de ninguém ou, no máximo, esperando o pior de todos, e assim vou, acordando a cada dia com um ceticismo no meu peito e a certeza de que nada vai dar certo, de que as coisas são uma porcaria e isso é tudo. 

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