quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Sobre manter-se acordado

É sempre uma tortura ficar acordado o dia todo, e o tenho dito muitas vezes, e hoje uma vez mais se grava no meu corpo essa verdade. Meu ser clama pelo silêncio e pela escuridão calma do sono, daquela dopada candura a que tantas vezes me recorro para fugir desse mundo. Mas por qual razão me mantenho acordado hoje, se tudo o que quero é desaparecer num sonho profundo? Talvez por medo de destruir ainda mais o meu corpo com os remédios, talvez por perceber que que fugir não é a solução. Mas qual é o ponto de ficar acordado? Eu realmente não sei. Dormir, não ver o mundo, não falar com as pessoas é muito melhor, então por qual motivo me obrigo a viver esse dia? Eu não quero ver esse sol claro, não quero ouvir as vozes ao meu redor, não quero lembrar que estou vivo e que não sei nada do mundo. Meu corpo entra em agonia, meus vizinhos gritam, minha irmã liga aparelhos barulhentos, crianças chorando, mensagens para responder. É como enlouquecer lentamente, sentindo cada gota refinada de agonia sendo extraída dos ponteiros do relógio e dos números que nunca avançam senão para maior desespero do homem. É sempre uma tortura ficar acordado o dia todo.

Mas eu me obriguei a ficar o dia todo acordado, e para que? Para sentir tédio, frustração, pra sentir meu corpo pedir por clemência, pra sentir o meu ser querer voltar ao nada, voltar a inexistência. Para me torturar numa roda que eu mesmo girei, para me fazer passar por um dia inteiro de pensamentos ruins, como se uma nuvem cinza pairasse sobre a minha cabeça, com todo azar, com toda maledicência, com tudo que há de ruim nesse mundo pairando com ela sobre mim. Não vi nada de bom, nada de belo, nada digno de ter ficado acordado, não vi nada que não fosse mil vezes melhor dormir do que ser obrigado a ver assim, sentindo que estou vivendo por obrigação, preso a esta vida por uma vontade que não é minha. E enquanto isso a minha vontade é humilhada, arrastada na lama, sonhando em voar alto no céu. Consegue sentir o peso dessas palavras como esse dia foi pesado para mim? Como foi pesado levantar da cama e comer, como foi pesado mover o meu corpo gordo pra andar um pouco e ver algo além das paredes do meu quarto, e ainda assim nada bom o bastante pra ser visto. Apenas a mesma feiura de sempre. É sempre uma tortura ficar acordado o dia todo, e não sei por qual razão me obriguei a isto. 

E agora sinto cada vez mais que enlouqueço pouco a pouco, aqui nesse quarto escuro, longe de tudo e de todos, numa penumbra, onde parece materializar-se apenas o meu fim diante de mim. Parece que pouco a pouco me aproximo do meu fim, aqui nesse quarto escuro, a música triste que nunca cessa, que não acalma meu coração mas torna angustiada a minha alma. Me sinto abandonado aqui, esperando a morte chegar, mas ela não chega nunca, e os dias se prolongam, e as noites nunca têm fim, e ninguém pode me salvar de mim mesmo, que tento morrer e tenho medo ao mesmo tempo, numa ambivalência covarde de existência patética. E eu sinto o meu eu espreitar no meu não desperto intangível, e me assustar, magro e esquálido, a imagem da morte, mas da morte que ameaça sem nunca se cumprir. Pra mim a morte seria alívio, o fim dessas noites infindáveis, desses dias horríveis, desses momentos de terror, dessa eterna noite escura de amor em vivas ânsias inflamada num infeliz ventura. Eu não sou um santo, sou um monstro condenado a viver num corpo humano, sendo torturado dia após dia nessa vida sem fim. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário