terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Aforismos

Todas as noites eu me obrigo a fechar os olhos e dormir, me obrigo pois se permanecer acordado eu vou ver o que não quero e isso pode me assustar e, se assim for, despertar o pânico que constantemente dorme nos profundos recessos da minha mente. E então é melhor que ele permaneça adormecido, ou então não terei paz, ou então serei carregado para o profundo inferno, onde verei os piores tormentos, as piores torturas por um tempo sem fim. Por isso ao fechar os olhos eu obrigo a minha mente a se desligar, mas algo permanece acordado, pois ao amanhecer, o meu corpo continua cansada e minha mente como que se tivesse se mantido em pleno funcionamento, desgastante ao extremo, durante toda a noite. Mesmo quando amanhece eu só vejo escuridão. Isso porque ele não me deixa dormir de verdade, esse pânico que habita o profundo da minha alma. Quando ele há de me deixar? Quando ele irá embora? Ou ele vai terminar de, um dia, me devorar por completo

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E eu não vejo solução no meu horizonte. Não me vejo encontrando alguém, não me vejo trabalhando, senão que me vejo sendo mais e mais esse homem solitário e inútil, que veio ao mundo sem saber o motivo e não encontrou nada que pudesse fazer. Me vejo numa mesma cama quente, incomodado com o sol batendo sob meu rosto, um calor infernal, o cheiro de podridão vindo da minha própria pele. E assim se acaba a vida, uma vida miserável. O calor é mesmo um incômodo. 

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Talvez eu queira me entregar a alguém nessa noite, num assomo de luxuria, e deixar que me sujem, que me deflorem, fazer o possível pra que me tirem desse torpor, desse vazio melancólico. Deixaria que fizessem o que quisessem comigo, já não tenho amor próprio ou escrúpulos contra nada. Apenas quero reagir, quero deixar de ser esse homem que deita sem esperança de levantar e que chega mesmo a desejar que não acorde mais. Quem sabe alguém poderia me despertar desse estado de completa alienação. Mas eu sei que isso não resolveria nada, e nem meu corpo conseguiria reagir. Me refugiei tão no fundo de mim mesmo que já não sei mais o que pode ser profundo o suficiente para me alcançar. Será que ainda há o que ser salvo? 

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O caos se instaurou, e sabe-se lá quanto tempo ainda vai demorar pra que as coisas voltem ao mínimo de ordem. Não gosto disso, já basta a bagunça no meu interior, não queria ser obrigado a viver também no caos completo, mas parece que os planos do universo são justamente esses. Lástima. 

Eu sabia que no dia da mudança propriamente dita eu estaria no ápice, ou melhor, no fundo do poço. A depressão veio com força tremenda, me deixando sem reação, atônito, sem conseguir concatenar nada dessa vida. E isso no dia que eu mais precisava de força, de diligência, de poder me mover e ajudar. Mas eu fui reduzido ao nada, e o nada nada pode fazer. 

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A força veio, de onde eu não sei dizer, mas ela veio, e eu consegui erguer do chão mais peso do que jamais imaginei ser capaz. Me senti forte, capaz de enfrentar leões, e durante todo o dia eu consegui me manter como uma pessoa "normal", carreguei móveis e caixas, arrumei ambientes, enfim, tudo o que precisava para sobreviver a este dia. 

Agora finalmente posso descansar, as coisas já um pouco arrumadas, começando então o cotidiano de arrumação, que deve levar ainda algumas semanas. 

Mas agora, é aquela hora em que a fadiga e o cansaço resolvem cobrar uma taxa do nosso corpo, e me sinto exausto. Talvez volte para o torpor de antes, por sorte consegui sobreviver, mas consegui fazer o que precisava e isso é o que importa. Uma vitória. 

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